quarta-feira, 18 de março de 2020

O inspetor de aluno


João Batista Stabile

Atualmente percebo com tristeza o que tem acontecido nas escolas, principalmente nas públicas. É lamentável! Agressão de alunos a professores, violência e drogas entre os jovens, depredação dos prédios e outras tantas barbaridades... 

Fala-se em militarizar as escolas, colocar policiais armados, rondas da Polícia Militar. Coloca-se câmeras de segurança nos pátios, tudo na tentativa de inibir a ação de alunos sem interesse nos estudos. Eles vão à escola para passar o tempo e fazer arruaças e assim, atrapalham aqueles desejosos de aprender.

Em minha opinião, tudo isso é consequência de décadas de descaso com a educação pública no país por parte dos governantes, agravada na década de noventa com a implantação da progressão continuada que, na verdade, implica aprovação automática.

Vou recordar como era na década de setenta, quando eu cursei o chamado na época de Ginásio e Colegial, que correspondem agora ao Ensino Fundamental Ciclo II e Ensino Médio respectivamente.

Não sou contra a evolução dos tempos! Muitas coisas facilitaram muito nossas vidas, mas junto com isso, vieram os problemas que desafiam as autoridades da área da educação.

A escola que frequentei fica no município de Presidente Alves, interior do estado de São Paulo. Chamava-se Escola Estadual de Primeiro e Segundo Grau “Cel. José Garcia”. Depois, na década de oitenta, teve seu nome mudado para Escola Estadual de Primeiro e Segundo Grau “Professora Maria Aparecida Coimbra”. Houve mudança também do prédio escolar.

Ela ficava em uma esquina. Era um terreno grande com um declive para o fundo. O prédio fora construído afastado da calçada. Em frente, nas duas ruas, havia apenas uma mureta baixa e entre ela e o prédio havia muitos canteiros de flores.

Os alunos entravam por um portão lateral ao fundo que dava para um pátio coberto ligado ao prédio por um corredor também coberto. Na saída do pátio, havia dois degraus, um lance, mais dois degraus, outro lance e chegava a uma escada de aproximadamente seis ou sete degraus que dava num saguão. Nos dois lados encontravam-se salas de aula, à frente perto da saída, a secretaria, depois uma escada para o piso superior. Subia-se um lance, fazia-se uma curva e outro lance para chegar ao andar de cima, onde existiam mais salas de aulas.

Ao pé da escada, devido à curva em cima, ficava um vão entre a escada e a sala da diretora, em seguida era a sala dos professores. Nesse vão, de aproximadamente, dois metros de largura por três de fundo, havia um armário para guardar materiais escolares, uma mesa e uma cadeira. Lá era o posto de trabalho do responsável pela ordem e pelo cumprimento dos horários da escola.

Ele não era fortão, não lutava artes marciais, não usava arma e nem levantava a voz com ninguém. Pelo contrário, era um homem de meia idade, de estatura pequena e calvo. Seus instrumentos de trabalho eram apenas um relógio de pulso de pulseira de couro preta para marcar a hora de trocar as aulas, um sino de bronze com cabo de madeira, para dar o sinal de entrada, troca de aulas e saída e uma régua de madeira de trinta centímetros.

Era o inspetor de alunos, Sr. Alcides Moreira de Oliveira, conhecido pelos professores, funcionários, alunos e pais de alunos, apenas por seu Dadi.
Seu Dadi impunha respeito pela sua postura séria. Era enérgico, sem ser autoritário. Chamava a atenção sem humilhar ninguém. Os adolescentes e jovens o respeitavam, mas não o odiavam, pelo contrário, estimavam-no.

Meu irmão, minha irmã, eu e outros colegas morávamos na fazenda e estudávamos à noite, assim como muitos de outras fazendas e mais os alunos da cidade. Seu Dadi conhecia os pais, se não de todos, da grande maioria dos alunos.

Na hora do recreio, o pátio e os espaços entre o prédio e o pátio ficavam cheios de alunos de quinta série a terceiro colegial. A idade variava de 11 a 18 anos, e havia alguns repetentes com mais de 18.

Quando as vozes e risadas estavam alta demais, ou havia correria dos meninos, seu Dadi chegava no alto da escada e ficava batendo com a régua na mão, até que os barulhentos viam e uns avisavam os outros e a ordem era restabelecida rapidamente.

Não digo que nunca houve problemas. Esporadicamente acontecia sim alguma briga entre os meninos, ou um mau comportamento por parte de algum aluno, mas nesse caso, seu Dadi, sem dificuldade, os encaminhava para a sala da diretora.

Nas formaturas, tanto do ginásio como do colegial, todo ano, seu Dadi estava entre os escolhidos pelos alunos, como paraninfo, patrono ou homenageado de honra da turma. Em minha formatura do terceiro colegial em 1979, nossa turma o escolheu como homenageado de honra.

Eram outros os tempos! Os jovens de hoje jamais entenderão! Não tínhamos celular, tablet ou notebook. Não possuíamos mochila de marca nem material sofisticado. Cada um se virava como podia, de acordo com o poder aquisitivo dos pais.  Mas existia algo que não dependia de dinheiro, posição social ou tecnologia. Havia respeito.Em primeiro lugar aos mais velhos. Isso já dava uma enorme vantagem ao seu Dadi. Depois, devido ao seu cargo, pois ele era uma autoridade constituída dentro daquelas dependências.

Os alunos se dirigiam aos professores sempre respeitosamente. Usavam o tratamento de “senhor” ou “senhora’. Seria inimaginável um adolescente tratar um professor ou professora de “você”. Quando a diretora entrava em uma sala de aula, todos ficavam em pé até que ela os mandasse sentar. No corredor, se seu Dadi, ou um professor ou mesmo um servente da escola chamasse atenção de um aluno, este dificilmente responderia alguma coisa, sentir-se-ia envergonhado.

Infelizmente esse tempo passou e não volta mais.Ele só existe na memória de quem viveu essa época. Termino este relato com o coração apertado de saudade e também de tristeza por saber das condições de nossas escolas atuais!  Que pena!

Autor
João Batista Stabile - Marília - SP

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