segunda-feira, 12 de novembro de 2018

O rio das pedras

Autora: Lenapena

Pela trilha de terra, Doroti, seguia. Trouxa de roupa na cabeça, três filhos a lhe agarrar o rabo da saia de chita surrada. Um bebê nos braços, e outro crescendo em suas entranhas. Por vezes mais parecia uma fábrica de fazer crianças, do que uma mulher.

Caminhava a passos cansados para o leito do rio de pedras. O sol alto e quente, lhe fazia escorrer gotas de suor pelo rosto macerado pela exaustão da labuta.

As margens do rio, pousou o filho pequenino, debaixo de uma frondosa árvore, aos outros três, recomendou cuidado, pois nenhum deles sabia nadar, e as águas eram profundas e perigosas.

Tirou a grande trouxa de roupa da cabeça e devagar desatou o nó. Saltaram do imenso volume, as gastas e simples roupas que a família possuía.

Começou a separar as peças, e com carinho passou a mão por entre os pontos de um lençol feito de alvo algodão. Ali, as inicias dela e de seu marido, foram carinhosamente bordadas por ela. Lembrou-se de um tempo, onde ainda havia espaço para os sonhos, de uma menina moça, que só conhecia da vida, o trabalho, a pobreza, e a dificuldade.

Sem mãe, desde os sete anos de idade, enfrentou a dura realidade da solidão. O pai, saia cedo para capinar a roça, e somente voltava com o sol se despedindo do dia. Cedo aprendeu a lavar, passar, cozinhar, limpar, e a ouvir as reclamações do pai, sempre calada.

Aos quatorze anos, casou-se com Eucrides, e nos poucos meses de namoro, sonhou que com ele a vida seria diferente.

Seus dedos correram devagar sobre o pano gasto e macio, e descansaram sobre as inicias ED. Lágrimas mornas correram de seus olhos doces e tristes. Eucrides, era tão grosseiro e mandão, quanto fora seu pai.

O filho que crescia em seu ventre, seria o quinto, e ela nem vinte primaveras completara.

Os folguedos das crianças, a trouxeram de volta a realidade. E seu olhar passeou pelos rostinhos sem cor de seus filhinhos, e o amor imenso que nutria por cada um deles, fez seu coração se incediar por um calor imenso. Não havia muita comida, para dar a eles. Seu leite os alimentava, e nunca chegara a secar, desde que o primeiro nascera até agora, pois antes que o leite secasse, ela, já estava grávida de outro.

Chegara a amamentar dois deles de cada vez, suprindo a falta de alimento na pobre choupana que moravam.

Enquanto passava a barra de sabão de cinzas feito em casa, em cada peça de roupa, deixava que as lágrimas corressem livres, parece que elas tinham pressa de libertar-se da tristeza que as aprisionava, e ansiavam misturarem-se as águas calmas do imenso rio.

Doroti, gostava de vir lavar as roupas, era a hora em que dava livre curso as lembranças e ao pranto.

Na dura tarefa de ensaboar e esfregar as roupas nas pedras do rio, curvada sobre si mesma, de joelhos, ela sentiu quando a nova vida em seu ventre, mexeu suavemente, como se lhe beijasse a parede do útero.

Com as mãos molhadas, afagou com carinho a barriga volumosa, e cantou com voz suave, linda cantiga de ninar, que um dia ouviu a mãe cantar para ela.

Ao final, repetiu baixinho: "fique tranquilo, eu vou cuidar de você com amor, nem que tenha que te dar a última gota do leite que verte de meus seios, e com ela a minha vida".

Autora: Lenapena - São Paulo/SP
Publicação autorizada pela autora

2 comentários:

Maria Mineira disse...

Emocionante! Lembrei-me de minha mãe buscando lenha ...Ela levava um filho no ventre, outro no braço, o feixe de lenha na cabeça, e eu sendo a filha mais velha carregava uns gravetos junto com um irmão maiorzinho.Abraço, Lena.

Carlos Costa disse...

Emocionante e real retrato de um Brasil. Minha mãe teve dez filhos...eu sou o quarto da família e o único que se meteu a ser intelectual. Parabéns. Sua criação e linguagem me fizeram viajar pelo nordeste, vendo a cena da mulher cheia de curumins...