sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Os conselhos da maldade - Autor: Magnu Max Bomfim

No sertão do Tira-Teima, lugar amaldiçoado e empesteado de tudo o que não presta, reino do satanás, ali ele manda e desmanda, atiça ódios e rancores, atiça ciúmes e vinganças, um velho Senhor, daqueles coronéis que reinam naquelas bandas, caminha lentamente acompanhado pelo seu filho caçula por entre quiçaças e arvoredos espinhentos e se aproximando das fraldas da serra calmamente entrega ao rapaz um revolver trinta e oito e uma carabina:
- Todos os seus irmãos já estiveram neste local e aqui ensinei pra eles a arte de atirar, lembre-se que não se atira numa pessoa pra espantá, mas atira pra mata!
- Pai! Eu não tenho a mínima intenção de matar alguém!
- O que predispõe a gente matar é a situação, o momento, o repente, as circunstâncias, a tentação, e nestes grotões mais cedo ou mais tarde você se arderá em desejos de matar alguém! Das vezes o tinhoso governa o senso da gente e coisas ruins acontecem!
- Pai! Esse tempo das brutalidades já passou!
- Passou? Seu irmão mais velho, o Trajano, morreu abestalhadamente ele não viu, se viu não entendeu os sinais da traição, uma ladina com os seus encantos atraiu o pobre coitado para um encontro fatal e o matador já estava na espreita, na mira certeira da sua cartucheira peneirou o peito dele, no tombo já estava morto! Seu outro irmão o Tertuliano por prestar um pouco mais de atenção nestas coisas, nestes sinais, escapou da morte por pouco, ferido, mas sobreviveu! O Teófilo nunca se meteu em encrencas, medroso, sabe manejar as armas, observa todos os rastros que cruzam o seu caminho, desconfiado vive no resguardo da proteção!
- Pai! O Senhor tem tantos inimigos assim?
- Filho! Amigos e inimigos são tudo a mesmíssima coisa, não se confia nem num, nem no outro, o aliado de hoje pode ser o inimigo no amanhã, o inimigo de hoje pode ser o aliado daqui uns dias, o que diferencia um do outro são os pequenos detalhes, os mínimos detalhes, porque no mais em tudo se assemelham, o que você tem que fazer é ler o pensamento deles e se antecipar na ação!
- Começa o treino filho! Atira primeiro com o revolver e vai mirando em qualquer coisa, depois atira também com a carabina, toda arma de fogo no disparo da um coice, sendo assim tem que agarrá-la com vontade, arma de grosso calibre o apoio tem que ser bem mais firme, pois o coice que elas dão pode machucar ou até quebrar o ombro!
Assim o rapaz foi atirando em tudo e tudo se transformava num alvo, mesmo assim perguntou:
- Pai, que fim levou aqueles que participaram da morte do meu irmão, o Trajano?
- Teotônio, as pessoas te respeitam pela sua honestidade e honradez, mas mais te respeitam pela sua maldade, pela sua crueldade, pelas brutalidades que você é bem capaz de cometer nas vinganças, o que agora vou te contar é um segredo, quase todos aqueles que ajudaram a matar o Trajano já estão debaixo da terra, o tatu na certa há muito tempo já comeu as suas carniças! E não foi difícil encontrar os criminosos, todos sabiam que um raio, um tiro, uma pedrada ou qualquer outra desgraça haveria de atingi-los...
Aquela prostituta, a isca que atraiu seu irmão para a arapuca, a gente trouxe ela para estas furnas, e um ferro em brasa destes marcar o gado destramelou a língua daquela piranha e a laranja depois de espremida a gente degolou, buscamos o dono daquele dedo que puxou o gatilho matador, esbarramos num homem firme, decidido, por mais que retalhassem as suas carnes ele mantinha a boca fechada, gemia, mas não chorava, buscamos então a sua mulher e o seu filhinho, descarnamos a mulher e ele continuou com a boca fechada, mas quando a gente aproximou da cara do seu filhinho o ferro em brasa, aquele mesmo de marcar o gado ele implorou por clemência, piedade, se entregou e cantou o nome de quem encomendou o assassinato do seu irmão! Um fazendeiro, um amante enciumado que não aceitava que o cabeçudo do seu irmão também desfrutasse das carícias daquela meretriz.
- Pai e o que aconteceu com o matador de aluguel e sua família?
- Eles estão enterrados nas valetas destes morros e serras em profundezas tal que nem o urubu o cheiro da carniça percebeu, nestes confins nem todo aquele que anoitece, amanhece, das vezes num encanto desaparece!
- E a criancinha?
- Filhote de cascavel também é cascavel então a gente esmaga a cabeça, se não lá na frente ele crescido cresce no ódio e vem nas vinganças pro nosso lado, essa é a lei do cão, mas é esta a lei que impera nesta terra amaldiçoada.
Fez se um breve silêncio e o rapaz um tanto assustado voltou a atirar nos  troncos das árvores sem parar de perguntar:
- E o que aconteceu com o fazendeiro que mandou matar o meu irmão?
- Ele ainda esta vivo!
- Eu não consigo compreender se ele é o mandante do assassinato e ainda continua vivo!
- Teotônio, um tinhoso daquele a gente preserva, num mata não, ele tem que viver pra sofrer, mas sofrer muito, se morresse já estaria aliviado da dor, um verme daquele a gente conserva e vai matando aos tiquinhos, a gente não fere o corpo, vai destruindo a sua alma por inteiro e a sua vontade de viver, ele tinha uma única filha, mocinha, seu xodó, sua alegria, vigiamos os passos dela, colamos no seu corpo os nossos olhos e os nossos desejos de beber aquele sangue inocente e puro, rastreamos.
Sem pressa alguma acompanhamos a mocinha por todos os cantos, descuidaram, num baile de casamento as nossas garras alcançaram aquela mimosa linda jovem flor e a arrastamos para estes grotões e nos dias seguintes abusamos da coitada com todas as maldades possíveis e no escuro da noite colocamos o seu cadáver no estradão da roça daquele ordinário!
O pai recolheu a sua flor agora do viço desprovida, no peito na certa uma dor cortante, pungente, nas lágrimas jurou todas as vinganças, chora todos os dias com saudades da sua filha, dizem não consegue mais dormir, pois imensos pesadelos assolam a sua alma afora, é assim que a gente vinga marcando a ferro e fogo a alma deste filho do satanás que enciumado dos favores de uma prostituta bobamente matou o meu filho, mas ele sabe que fui eu quem matou a sua filha, como ele sabe que eu sei que foi ele que de uma forma ou de outra matou o seu irmão, o jogo esta empatado, e não permanecerá empatado por muito tempo, sinta que as coisas andam um tanto silenciosas, é o tinhoso botando vinganças em todos os corações.
Conseguimos colocar nos ouvidos da sua esposa o recado maldoso que o seu marido tinha um caso com a sumida piranha e ela hoje o despreza descaradamente e dizem que até dorme com o seu capataz, a gente precisa na paciência é ir solapando as defesas do inimigo, hoje ele procura a morte, frequenta o meretrício donde sempre sai carregado completamente bêbado, das vezes pela alta madrugada cavalga sozinho no breu da noite sonhando com uma bala matadeira que o livre destes pesadelos, mas nossa vingança é mais cruel e não para aí, alguém da nossa confiança piou nos ouvidos daquele sujeito amaldiçoado um triste recado, que a sua esposa esta colocando na sua testa um par de chifres justamente com o seu capataz, de duas uma, ou o fazendeiro chifrudo mata o capataz ou o capataz desconfiado, temeroso, ataca primeiro matando o amaldiçoado.
Até a maldade tem a sua ciência e seus requintes, mexer no braseiro das ignorâncias e das vaidades dos homens usando as mãos de nossos inimigos é esperteza das maiores, e como que se inocentes a gente fosse e amoitado ficamos na espreita, esperteza é guiar o pensar e o sentir destas pessoas e eles acabam se comportando e fazendo tudo aquilo que a gente engendrou, assim meu filho estar sempre preparado para o pior é alongar os nossos dias, faça a sua parte, presta atenção no que estou falando e concentre mais no mirar, pois esta errando muitos tiros!
- Teotônio, meu filho! Alarga os teus ouvidos e a tua alma para o que agora vou te falar, e é este o maior e o mais importante de todos os ensinamentos para sobreviver nesta seara avermelhada de maldades...
“A sua arma tem que estar sempre ao alcance da sua mão, mas isto não basta, você tem que saber manejá-la com a máxima perfeição possível assim você já estará a meio caminho da vitória.”
E o tempo foi passando e todos os dias o velho pai ensinando e aconselhando o filho o duro ofício de matar, de nunca se apiedar dos vencidos, matar e esfolar nas brutalidades pra ser respeitado na má fama pelos cafundós alastrada, e é preciso ver, sentir e interpretar os sinais...
Sempre chove na florada da mangueira, na tarde avermelhada a madrugada é fria, coruja piando de dia é  mau agouro, em dias silenciosos a morte esta ceifando, alegria excessiva é sinal de desgraça, o joão de barro não faz a entrada da sua casa para o lado mais chuvoso...
- Teotônio meu filho, no final das contas o que conta é que a gente não conta pra ninguém das nossas estratégias, nem para aos nossos olhos, pois eles bem são capazes de nos denunciar, o traidor tanto pode ser aquele que beija a tua mão como pode ser aquele que no escuro da alma te atira pedras, acautela-te, deixe teu pensamento vagar, guarde na tua mente a imagem de todos os seus amigos e inimigos, mergulhe pra dentro de suas cabeças e aprenda a decifrá-los. Teotônio, encontre uma moça de boa família, case e tenha muitos filhos, mas nunca se esqueça de que uma mulher traída é o pior dos inimigos que um homem nesta vida pode arrumar...

Autor: Magnu Max Bomfim - Igarapava/SP

Página do autor:
http://www.recantodasletras.com.br/autor.php?id=88152

Um comentário:

Alberto Vasconcelos disse...

Texto primoroso que retrata com total fidelidade uma das maneiras de viver dos homens conhecedores da hipocrisia humana. Duro, seco, porém real. A narrativa prende o leitor e ao final, deixa aquele gosto de quero mais. Parabéns.