sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Terceiro Concurso do Blog - Texto 38: Amor com cheiro de mato e cor de céu

Um cavaleiro solitário segue viagem comprida na estrada poeirenta. O vento sussurra na copa das árvores enquanto o casco do cavalo faz barulho nas folhas secas do jequitibá. À margem de suas saudades, os ramos pendem e as águas refletem a luz da primeira estrela. No instante em que ouve o trinado de um canarinho, recorda-se da voz de Maria Piedade.
Abatido e vazio por dentro, Zé Justino baqueia, segura a rédea e o barulho da porteira o joga de novo no colo da saudade e um vento frio vindo das furnas arrepia sua pele. A Lua cochila com um brilho apagado, enfumaçado pelas queimadas do mês de agosto. Os curiangos piam tristes, um boi perdido berra cortando a escuridão. O homem olha o céu, sabendo do prolongar da seca até os meados de setembro.
Tenta recobrar os pensamentos ausentes, enquanto sua vida escorre devagar pelo antigo caminho. Busca na memória o dia em que Maria Piedade voltou à fazenda do pai. A menina se fizera mulher durantes os anos que passara no colégio das freiras. Pele clara, cabelos louros, braços roliços, belas curvas sob o vestido branco, uma fala doce e andar ligeiro de bicho assustado.
Desde o primeiro dia, o jovem Zé Justino sentiu a presença dela entrando sorrateira pela sua vida afora. Confuso, estranhava a si mesmo. Nunca fora de falar muito, agora a presença da filha do patrão lhe provocava aquela enxurrada dos mais variados assuntos. Enquanto falava via na mocinha um olhar úmido e azulado de interesse e gosto. Seus pensamentos buscavam o sorriso de Maria Piedade, queria sentir de perto o perfume de rosas, queria aquele olhar de céu sem nuvem só para ele. Nunca tinha visto uma moça tão bonita, tão amável, tão tudo!
Os dois não sabiam ainda, mas já estavam unidos. Um pulsar de corações, mãos e pés frios, andar descompassado. Gostavam dos esbarros das mãos, quando ele vinha do curral lhe trazer o caneco de leite. A mando do patrão a acompanhava nos passeios pela propriedade. Sentiu o calor de seu corpo quando a amparou nos braços. Ao tropeçar no caminho ela veio lhe cair de encontro ao peito.
Naquele momento, Piedade viu o peão da fazenda de seu pai entrar de uma vez na sua vida. Ele tinha jeito simples, fala de sertanejo, chapéu de couro, camisa aberta no peito, um cheiro de mato no corpo moreno, um sorriso tímido ao mesmo tempo malicioso... Vivia apanhando flores nos pastos para enfeitar sua janela, colhendo os frutos do cerrado que ela mais gostava. Suspiros, um prazer ao lembrar, um sofrer na ausência. Zé Justino enchia sua vida de esperança.
Quando ela caminhava em sua direção, ele só enxergava os cabelos anelados, imaginava-os se emaranhando em seu peito enquanto ela lhe abraçava o pescoço falando-lhe ao ouvido. Sentia uma alegria aquecendo seu coração, também uma urgência, uma loucura...
Léguas os separavam da sonhada liberdade. Então ele fugiu pelo Chapadão levando-a na garupa. O capim gordura florido punha uma mancha arroxeada na pastagem. No espigão pelos morros umas florezinhas miúdas amarelavam o chão pedregoso por onde passavam os dois fugitivos.
Sabiam que um filho de escrava e uma moça branca, seriam perseguidos até o fim do mundo... Tinham um longo caminho pela frente. Juntos enfrentariam chuva, sol, vento e tempestade, até ninguém mais ouvir falar deles. Sertão afora os dois iriam desaparecer sem deixar sinal, como se fossem assombração a vagar pelo mundo cercados de sombra e mistério.
Sob a luz da lua pararam à beira de um rio... Cheiro de capim, frescor de água escorrendo mansa sobre as pedras. Apearam do cavalo respirando fundo todos os cheiros e perfumes da noite. O orvalho da manhã ainda não viera apagá-los, quando tudo voltaria a inebriar abelhas, pássaros e bichos...
Juntos só viam alegria e felicidade, começo de vida. Pés que não sentiam o chão, porque ainda não era dia e só as estrelas seriam testemunhas, dois corações disparados, olhares inquietos de iniciantes, mãos entrelaçadas, bocas coladas em meio a suor e febre. Ali ao som da natureza se jogaram nos braços um do outro, se esquecendo dos perigos. O fogo por dentro só se abrandaria após uma batalha sem tempo e espaço...
A vida lhes parecia leve, o peito estava cheio de ar e de ilusão. Adormeceram quando o barrado no horizonte prenunciava o dia. Não viram cavaleiros apressados descendo a serra... Na vida nem sempre se vive conforme os sonhos de uma noite de amor...
De volta ao presente, Zé Justino saúda o dia com uma pequena oração. Dirige o olhar para o céu, o dia azul e o sol muito claro. A saudade de Maria Piedade ainda dói, seu coração está como uma árvore que ainda balança as folhas muito tempo depois de o vento ter passado...

2 comentários:

Anônimo disse...

Muito boa essa forma que o autor usou para deixar que o leitor faça o desenrolar da história, quem eram os cavaleiros, que atitudes tomaram etc.

A história está perfeitamente dentro dos parâmetros do concurso.

Parabéns a quem o produziu.

Alberto Vasconcelos

Marina Alves disse...

Maravilhoso! Muito bem escrito, fiel ao estilo. Amei e dou parabéns, de coração, a quem o escreveu.