Autora: Meire Boni
Mas o destino se
encarregou de interromper o aprendizado. A madrinha morreu , e Ritinha passou a
viver em um mundo de homens, e era com eles passava a maior parte de seu tempo.
Ajudava na lida com o gado, na roça e ainda nas tarefas domésticas. No tempo livre era mais um dos vários
moleques da fazenda.
O tempo passou e quando as
primeiras chuvas da primavera chegaram,
Riitinha estava trepada nas grimpas de um pé de jabuticabas quando percebeu que havia sangue escorrendo
pelas pernas. Procurou por um ferimento, não encontrou nada. Sozinha, desceu
rapidamente, e já em terra firme se examinou, e quando percebeu a origem do
sangramento, abriu a boca a chorar. Não
sei se por falta de lágrimas ou por
entender que o choro não faria o
sangue parar, ela fechou a boca e em
soluços pediu ao Divino Pai Eterno que
não a deixasse morrer daquilo. Correu
para o banheiro e ficou lá emburrada.
Já desconfiado do que se
tratava o emburramento da filha, o pai tratou de chamar a mulher do vizinho
para acudir a menina. A mulher interveio, e conseguiu fazê-la abrir a porta e
lá dentro mesmo deu uma aula rápida sobre o assunto. Ritinha de olhos inchados,
apareceu na hora da janta , e nos dias
que se seguiram os irmãos notaram seu andar
um tanto estranho, mas pensaram que se
tratava de alguma sequela do acidente que a pobre sofrera no pé de jabuticaba.
Ritinha agora era uma
mocinha. Mas apesar disso, ainda
mantinha semblante e atitudes de menina.
Na véspera de completar quinze anos seu pai lhe chamou na sala, depois
do jantar. Estava lá um homem que
Ritinha já tinha visto algumas vezes na fazenda. Era José, filho de um conhecido
da família. Foi assim que Ritinha soube
que seu destino já havia sido traçado pelo seu pai, muito antes dela
adentrar-se naquela sala.
Foi através de um aviso,
não de uma pergunta que Ritinha que a
mão de Ritinha foi entregue: “Rita de Cássia, minha fia, este é Zé, fio do
compadi Mané, ele vei pidi sua mão, eu
consenti, só falta agora acertar a data, modi o’cêis casá.” Ela
assentiu, e foi chamada a retirar-se. Até
que achou que seu pai falou muito, em seus quase quinze anos de vida, nunca ouviu
o velho lhe dirigir mais que uma frase por vez.
Manteve sempre a cabeça
baixa, mas antes de sair, só deu uma
olhada no tal do Zé, este era todo
sorriso.
Desde acontecimento até o casamento se passaram menos que trinta
dias. Zé arrumou tudo bem depressa, a pedido do sogro: “Minha fia não teve mãe, a
madrinha morreu, e aqui tem homi demais. Ela
pricisa casá logo, ou vai virá machi e fema.”
E tudo correu dentro dos
conformes, tirando o fato de Ritinha ter se casado inocente de tudo.
Já casada e instalada em sua casa cheirando a nova, Ritinha
entrou para o quarto, tirou o vestido de noiva, vestiu sua camisola e se
deitou. Estava muito cansada, só pensava nos presentes, queria abri-los o mais
rápido possível, mas combinou com Zé que
deixariam para o dia seguinte. Até que
ela gostava dele, nas poucas vezes que se encontraram, sempre foi muito gentil e educado. Mas estava
com medo de ficar a sós com ele. “Ele me olha de um jeito...parece que tá me
vendo pelada! Curuizz!”
Quando Zé entrou no
quarto, ela ainda estava acordada, mas fingiu dormir. Percebeu que ele já havia
tirado sua roupa de noivo, que tinha tomado banho, pois cheirava a sabonete e a
pasta de dente. Ele se deitou ao seu lado e foi chegando perto. Na medida que ele chegava, ela se afastava. De
olhos fechados e ressonando de mentira, Ritinha chegou tanto para o lado que
acabou por cair da cama. Fez um barulhão. “Ritinha, meu amor, você se machucou?” Ela
fingindo acordar naquele instante: “Que
nada, sonhei e assustei! É melhor a gente ir dormir, estou muito
cansada!” Zé emburrado, resolveu ir dormir no sofá.
Três dias se seguiram, ou
melhor, três noites, e nada. Toda noite, quando Zé se aproximava, Ritinha
inventava uma desculpa, e ele acabava no sofá. A paciência
se esgotou na quarta noite. Na primeira tentativa, quando Ritinha
recuou, Zé esbravejou “Ritinha, o que tá
acontecendo com você? Nóis casó tem quase uma semana e ocê num deixa eu triscá nem
no seu cabelo? Eu tive paciência até
hoje, mas assim num dá né? Sou um homem casado e quero o que é meu por
direito!” Quando Zé parou de falar, Ritinha abriu o berreiro.
Zé, sem saber o que fazer,
ameaçou: “Tá bão, hoje num vou mais triscá n’ocê, mas se amanhã de noite num
acontecê nada, vou devorvê ocê pro seu pai... Bem que a mamãe me avisou, que
fia criada sem mãe num dá muié que presta! Amanhã..” Disse isso, pegou seu travesseiro e foi
dormir na sala de novo.
No outro dia, quando
Ritinha se levantou, Zé já havia saído. Ficou
em casa amanhã inteira pensando em uma saída.
Sabia que o pai não a aceitaria de volta, teria que dar um jeito naquela
situação. Mas o que deveria fazer? Tinha uma ideia muito vaga sobre a coisa,
nunca teve uma amiga, com quem conversasse. “Não sou chucra, tenho educação.
Estudei, sei lê e escrevê. Sempre cozinhei e até sei bordá e costurá. Como a sogra falou isso de mim? Que eu num presto porque num tive mãe? Eu presto
sim! Veia iscumungada, eu presto mais que ela! O que Zé quer fazer comigo é feio e eu acho mei nojento! Será
que todo mundo que é casado faz isso? Meu pai fez com a minha mãe?”
Como sempre fazia em
momentos de desespero, Ritinha se pôs a rezar e a pedir ajuda a todos os santos
que sabia o nome. Criou coragem e tomou uma decisão.
Quando Zé chegou, ela já o
esperava no quarto. Antes que ele fizesse alguma coisa, ela mandou que se
sentasse. Ele se sentou, e ela falou: “Zé, você tá certo, eu não deveria ter
feito isso! Sei que te devo e vou pagar. Pensei que ocê num fosse cobrá, mas já que
cobrô. Mas antes, quero que ocê me responda uma coisa.” Zé,olhou para Ritinha
que se mantinha de pé, com as mãos na cintura: “Pode falar, Ritinha!” E ela
soltou: “Oiá Zé, o’cê sabe que num tive mãe, que num tive ninguém pra me
ensiná essas coisas, intão como eu vou
sabê fazê... Mas é verdade que todo
mundo que é casado faz isso?”
“É verdade Ritinha”
“Até sua mãe e seu pai?”
Zé engoliu seco “É, eu
acho que eles ainda faz!”
“O’cê vai tê paciência de
me ensiná?
“Mas é claro, eu amo
o’cê!”
“Num tem outro jeito,
tem?”
Ele balançou a cabeça
negativamente. E ela acrescentou:
“Então hoje,quando ocê vié
num vou chegá pra lá!”
No outro dia, Zé chegou
mais tarde no trabalho, e quem passasse lá por perto notaria que toda a roupa
de cama recém lavada, secava no varal.
Tempo depois quando Zé foi
visitar sua mãe:
“E sua muié, Zé, tá
aprendendo a ser muié casada?”
“Tá sim, mãe! O que ela
num sabe, eu ensino. E num é que ela aprende direitinho, tem umas coisa que já
ta fazendo mió do que eu ensinei!”
Autora: Meire
Boni - Bela Vista de Goiás/GO
Publicação autorizada pela
autora
2 comentários:
Esse texto me deu uma saudade da inocência da roça e de outros tempos, um tempo em que não havia 'enternete' para 'desvirtuar'. Bela narrativa, Meire, parabéns.
Esse é um dos seus contos que eu mais gosto! Parabéns, amiga! Um abraço.
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