Autora: Michele Calliari Marchese
E o Padre Dimas mostrou para todo o povo da Campina
a foto do jagunço jazido e olhou de atravessado para o Juvenal. Fora este o
Jacó e o Padre Dimas, ninguém entendeu porque ele estava falando de jagunço
morto em Catanduvas, mas ninguém perguntou nada. O padre falou e estava falado
e também porque era um prenúncio de morte.
O povo ficou impressionado.
Acontece que o Jacó tinha várias filhas e uma
delas, já com 17 anos estava enamorada de um rapaz de Capinzal que o pessoal
achava tratar-se de um jagunço daqueles bem brabos. O nome do moço era Juvenal
e tinha um cavalo crioulo muito lindo e não olhava para moça nenhuma que não
fosse a Iracema, uma das filhas do Jacó.
O Juvenal ia e vinha, e ninguém nunca soube o
paradeiro dele, se tinha família e se trabalhava no quê. Era um mistério. A
única coisa que se sabia certo era que queria casar a todo custo com a Iracema.
E ela com ele.
Iracema chegou a sugerir uma fuga, mas Juvenal não
aceitou. Tinham que casar bem certinho, na Igreja, com a benção do Padre Dimas
e tudo o mais. Já tinham até as alianças, mas o Jacó não aceitava nem por
misericórdia.
Foi no domingo que o Padre Dimas falou em seu sermão
sobre a morte do bandido Teixeira e o Jacó achou por bem falar com o Juvenal.
Assim, de homem para homem e entre tantas coisas que foi falado e que nunca se
soube, foi que o Juvenal partiu de volta para Capinzal naquela mesma hora e
nunca mais voltou.
À pobre da Iracema restou chorar amargamente e
casar com o primeiro que apareceu.
E assim como na vida, tudo passou. O padre Dimas
morreu, as coisas mudaram de lugar e de espaço, o Juvenal ficou viúvo e a Iracema,
também.
Aconteceu bem quando eles estavam esperando a morte
chegar, quando já tinham vivido e não tinham mais nada para viver e os dois se viram
e se encontraram na Missa das oito, aqui na Campina e justamente na hora que o
Padre Ivo disse:
“O bando do
famoso bandido “Facão do Penacho” só pôde ser capturado depois que os
assaltados conseguiram dar uma bebedeira nos assaltantes, e aí então, depois de
dormindo foi que conseguiram dar o cerco na casa e prenderam os meliantes, sem
direito de defesa e tampouco de vida, desapareceram no caminho da penitenciária
de Curitiba, no Paraná.”
E foi a coisa mais linda que ouviram, porque era o
prenúncio de uma nova vida, a vida deles juntos, mesmo que durasse outro tão
pouco tempo quanto àquele de sessenta e cinco anos atrás e também porque o
Padre Ivo não sabia nem porque tinha comunicado à população sobre a captura, já
que o ocorrido tinha acontecido uns 30 anos atrás.
Então Juvenal e Iracema resolveram se casar,
imediatamente. Sozinhos os dois com o Padre. Sem padrinhos, sem família, sem
ninguém, com aquelas velhas alianças que o Juvenal tinha guardado e que não
cabiam mais nos dedos, mas que serviram em seus corações.
Assim como devia ter sido em 1932 e não foi. E eles
sabiam também que quando o padre falasse de novo em jagunços e bandidos jazidos
há muito tempo atrás, era porque era a hora da despedida.
Era a hora da morte do amor.
Michele Calliari Marchese é catarinense de Xanxerê. Formada em ciências contábeis, é contista semanal do Jornal Diário Folha Regional de Xanxerê - SC, mantém uma escrivaninha no site Recanto das Letras e no blog Sem Vergonha de Contar. Participou com contos nos livros UFOs - Contos não identificados e Espectra, ambos pela Editora Literata de SP, do Livro dos Prazeres editado pelo SESC de Santa Catarina e no E-book Quinze Contos Mais pela editora Helena Frenzel.
6 comentários:
Seja bem vinda ao Blog, minha cara Michele Calliari.
A estória de Iracema e Juvenal é interessante, intrigante é verdade, porém bonita por ser diferente. A Michele colocou cada palavra em seu devido lugar tornou um conto difícil de escrever em obra de arte. Parabéns pela sua cria, quem não quer ler até o fim?
Eu sou muito suspeita para falar porque Michele é minha comadre e não é de hoje que me encanto com seu jeito criativo, leve e preciso de escrever e pra não me acusarem de estar chovendo no molhado selo este comentário "com aquelas velhas alianças que o Juvenal tinha guardado e que não cabiam mais nos dedos, mas que serviram em seus corações.", que fala por si só. Parabéns, Michele, bom ver você aqui em meio aos contadores!
Carlos, obrigada pelo convite! Patricia, pelas suas palavras encorajadoras e Helena... pela nossa amizade! Obrigada!
Michele C.Marchese
Li e gostei, parabéns a autora Michele.
Num clima de jagunços e bandidagem, o amor perene salvaguardando a ideia de que o amor não conhece as razões do homem, do tempo ou do espaço. Parabéns, Michele. Marina Alves.
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