O
ônibus chegou no horário de sempre. Preciso. O motorista era o mesmo, assim como a maioria dos passageiros. A
novidade era a neblina bastante intensa naquela manhã. A viagem até o trabalho
de Gilberto, era a mesma rotina de sempre.
Entretanto, algo estava estranho. Ele
jamais dormia em transporte público. Ainda mais agora que conseguira mais um
emprego, o quinto em dois anos. Depois do acidente que o deixara em coma por
quase dois meses, ele jamais fora o mesmo. Sua capacidade de raciocínio não era
a mesma. A cada novo emprego, uma função mais simples. Era que era economista
por formação, agora organizava o estoque de uma pequena empresa de cosméticos. Estivera
internado em clínicas para resolver seus surtos de ausências. Clínicas que em
sua opinião não passavam de novas versões dos antigos sanatórios. O sono foi
chegando, pesado, irresistível. Tentou não dormir, tinha medo de chegar
atrasado e perder novamente o emprego. Não conseguiu. Dormiu.
Ao acordar não reconheceu o lugar onde o
ônibus parara. A neblina cada vez mais densa. O motorista não mais estava.
Ninguém estava. Desceu. Andou pela rua quase sem visibilidade alguma até
avistar um lugar iluminado. Era um pequeno bar. Entrou e pediu um café ao homem
gordo atrás do balcão. Olhou ao redor e estranhou a clientela. Estavam
fantasiados para o carnaval: um Pierrô, um Arlequim e na outra mesa vários
Bate-bolas (Clóvis).
Ao servir o café o balconista disse o
preço. Gilberto procurou pela carteira e não a encontrou. Ficou sem graça. O
homem gordo jogou o café na pia e lavou o copo. Gilberto envergonhado já ia se
retirar do bar, quando uma Colombina e uma bailarina entraram e levaram consigo
o Pierrô e o Arlequim. Está parecendo folhetim barato, pensou ele. Mal estes
pensamentos lhe atravessaram a mente. Ele estremeceu. Na saída do bar os
Bate-bolas o cercaram e começaram a agredi-lo com suas barulhentas bolas.
Cercado e desnorteado não sabia o que fazer. Foi salvo por um homem de enormes
bigodes, portando um bumbo, que provocou a dispersão dos Bate-bolas e que se
apresentou como Zé Pereira, a seu dispor. Saiu cantando e batendo seu bumbo:
O Pierrô apaixonado, que vivia só cantando,
Por causa de uma Colombina, acabou chorando...
Passou um bloco. Todos cantam e dançam.
Quanto riso, oh! Quanta alegria.
Mais de mil palhaços no salão...
De
repente, gritaria. Um palhaço se suicidara no meio da rua. Gente ao redor do
cadáver. Alguém pegou a arma.
- É de brinquedo! Afirmou.
O palhaço suicida, então, levantou-se deu
uma bela gargalhada e saiu cantando:
Alegria de palhaço é ver o circo pegar fogo...
Sumiu na neblina e bloco avançou até
desaparecer da visão de Gilberto, que ficou pensando: é carnaval? Não me
lembro. Tentou voltar ao local onde o ônibus estava. Não o encontrou. Lá estava
uma menina cantando uma cantiga de roda. Aproximou-se e perguntou:
- Onde está o ônibus?
-Não sei. Foi embora o moço levou.
- Para onde, perguntou Gilberto.
- Sei lá, como vou saber? Saiu pulando e
cantando Ciranda, cirandinha.
E agora, onde estou? Parece um dessas
cidadezinhas onde há carnaval de rua. Mas é carnaval? Seus pensamentos
começaram dar lugar ao medo. Seria uma alucinação? Tivera algumas, até ser
internado. Sentou um leve torpor veio chegando.
- Cavalheiro, disse uma voz. O senhor está
bem?
- Não sei. Onde estou? Não obtendo
resposta.
- Vamos leva-lo até a delegacia. Ele não
está falando coisa com coisa.
Na delegacia uma moça parecida com Lúcia,
sua antiga namorada fez uma série de perguntas. Ele nunca soube o que
respondeu.
A moça parecida com Lúcia disse que ele
não parava de citar personagens do carnaval e que estavam em Setembro. Falara
de um ônibus que o abandonara em uma cidadezinha, não sabia qual. Ela só não
sabia explicar a grande quantidade de confete e serpentina que estavam em seu
cabelo e no bolso do paletó. Tentaram em vão encontrar sua família e acabaram
por encaminhá-lo ao Centro de Atendimento a Problemas Mentais. Ficou internado
por algum tempo e, sem lugar para ir, não se lembrava, passou a morar nas
ruas. Passou a ser conhecido como o maluco que tocava um tambor de lata e dizia
ser o novo Zé Pereira...
Autor: Gerson Carvalho - Santo André S/P
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