domingo, 28 de setembro de 2014

Neblina - Autor: Gerson Carvalho Silva

O ônibus chegou no horário de sempre. Preciso. O motorista era o mesmo,  assim como a maioria dos passageiros. A novidade era a neblina bastante intensa naquela manhã. A viagem até o trabalho de Gilberto, era a mesma rotina de sempre.

Entretanto, algo estava estranho. Ele jamais dormia em transporte público. Ainda mais agora que conseguira mais um emprego, o quinto em dois anos. Depois do acidente que o deixara em coma por quase dois meses, ele jamais fora o mesmo. Sua capacidade de raciocínio não era a mesma. A cada novo emprego, uma função mais simples. Era que era economista por formação, agora organizava o estoque de uma pequena empresa de cosméticos. Estivera internado em clínicas para resolver seus surtos de ausências. Clínicas que em sua opinião não passavam de novas versões dos antigos sanatórios. O sono foi chegando, pesado, irresistível. Tentou não dormir, tinha medo de chegar atrasado e perder novamente o emprego. Não conseguiu. Dormiu.

Ao acordar não reconheceu o lugar onde o ônibus parara. A neblina cada vez mais densa. O motorista não mais estava. Ninguém estava. Desceu. Andou pela rua quase sem visibilidade alguma até avistar um lugar iluminado. Era um pequeno bar. Entrou e pediu um café ao homem gordo atrás do balcão. Olhou ao redor e estranhou a clientela. Estavam fantasiados para o carnaval: um Pierrô, um Arlequim e na outra mesa vários Bate-bolas (Clóvis).

Ao servir o café o balconista disse o preço. Gilberto procurou pela carteira e não a encontrou. Ficou sem graça. O homem gordo jogou o café na pia e lavou o copo. Gilberto envergonhado já ia se retirar do bar, quando uma Colombina e uma bailarina entraram e levaram consigo o Pierrô e o Arlequim. Está parecendo folhetim barato, pensou ele. Mal estes pensamentos lhe atravessaram a mente. Ele estremeceu. Na saída do bar os Bate-bolas o cercaram e começaram a agredi-lo com suas barulhentas bolas. Cercado e desnorteado não sabia o que fazer. Foi salvo por um homem de enormes bigodes, portando um bumbo, que provocou a dispersão dos Bate-bolas e que se apresentou como Zé Pereira, a seu dispor. Saiu cantando e batendo seu bumbo:

O Pierrô apaixonado, que vivia só cantando,
Por causa de uma Colombina, acabou chorando... 
 
Passou um bloco. Todos cantam e dançam.

Quanto riso, oh! Quanta alegria.
Mais de mil palhaços no salão...

De repente, gritaria. Um palhaço se suicidara no meio da rua. Gente ao redor do cadáver. Alguém pegou a arma.

- É de brinquedo! Afirmou.

O palhaço suicida, então, levantou-se deu uma bela gargalhada e saiu cantando:

Alegria de palhaço é ver o circo pegar fogo...

Sumiu na neblina e bloco avançou até desaparecer da visão de Gilberto, que ficou pensando: é carnaval? Não me lembro. Tentou voltar ao local onde o ônibus estava. Não o encontrou. Lá estava uma menina cantando uma cantiga de roda. Aproximou-se e perguntou:

- Onde está o ônibus?

-Não sei. Foi embora o moço levou.

- Para onde, perguntou Gilberto.

- Sei lá, como vou saber? Saiu pulando e cantando Ciranda, cirandinha.

E agora, onde estou? Parece um dessas cidadezinhas onde há carnaval de rua. Mas é carnaval? Seus pensamentos começaram dar lugar ao medo. Seria uma alucinação? Tivera algumas, até ser internado. Sentou um leve torpor veio chegando.

- Cavalheiro, disse uma voz. O senhor está bem?

- Não sei. Onde estou? Não obtendo resposta.

- Vamos leva-lo até a delegacia. Ele não está falando coisa com coisa.

Na delegacia uma moça parecida com Lúcia, sua antiga namorada fez uma série de perguntas. Ele nunca soube o que respondeu.

A moça parecida com Lúcia disse que ele não parava de citar personagens do carnaval e que estavam em Setembro. Falara de um ônibus que o abandonara em uma cidadezinha, não sabia qual. Ela só não sabia explicar a grande quantidade de confete e serpentina que estavam em seu cabelo e no bolso do paletó. Tentaram em vão encontrar sua família e acabaram por encaminhá-lo ao Centro de Atendimento a Problemas Mentais. Ficou internado por algum tempo e, sem lugar para ir, não se lembrava, passou a morar nas ruas. Passou a ser conhecido como o maluco que tocava um tambor de lata e dizia ser o novo Zé Pereira...

Autor: Gerson Carvalho - Santo André S/P

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