terça-feira, 18 de novembro de 2014

O menino da bicicleta vermelha - Augusto N Sampaio Angelim

Todas as tardes, eu voltava do Colégio Góes Calmon para casa, no Sítio Riacho Seco, no Município de Itaberaba, pedalando com alegria uma velha e boa bicicleta Monark, de cor vermelha desbotada pelo tempo e de pneus que, de tão gastos, não resistiam aos espinhos e pedras da estrada de terra. Gostava de ouvir o barulho macio dos pneus na areia e o vento no rosto, assanhando meus cabelos.

Era um percurso de cerca de cinco quilometros, quase todo plano, perpendicular à Rodovia BR 242, no sentido de Seabra. Essas viagens diárias eram solitárias, quase ninguém transitava por ali. Aqui, acolá, um morador atravessava o caminho, um ou outro senhor, vinha olhando seus pastos, a cavalo.

Do final do perímetro urbano até à minha casa, contavam-se exatas 04 casas. Todas de gente conhecida. Uma delas pertenceu ao finado, João de Seu Dezinho, que, correndo atrás de uma rês desgarrada, caiu do cavalou e bateu com a cabeça num lajedo. Morreu lá mesmo, na hora, como se diz. Toda a vizinhança ficou consternada. Minha mãe, comovida pela dor e solidão de D. Magnólia, a viúva, passou um mês inteiro, indo prosear e consolar a jovem viúva. Quando eu estava voltando da Escola, lá estavam as duas conversando na varanda da casa enlutada. Eu parava a bicicleta, sequer descia. Boa tarde, Dona Magnólia. Boa tarde, Pedrinho. Minha mãe, se despedia, subia na garupa da bicicleta e reclamava o tempo todo para que eu fosse mais devagar.

O tempo foi passando e as visitas de minha mãe foram diminuindo, mas, sempre que avistava D. Magnólia na varanda ela me cumprimentava com um sorriso e um leve aceno de cabeça. Vez por outra, fazia sinal para que parasse e mandava uma encomenda para minha mãe. Bolo, tapioca, doce. Tenha cuidado, menino, não vá deixar cair.

Eu tinha 13 anos e já tinha despertado para as coisas do sexo. Na escola, nas horas de recreio, ou se jogava bola, ou se falava em sexo. Os meninos que moravam na rua, se vangloriavam de suas proezas, dizendo que tinham visto e isto e aquilo de uma moça ou mulher. Da minha parte eu não tinha nenhuma vantagem para contar. O que sabia, era de ver os animais se reproduzindo. Isabel, uma menina que sentava no canto esquerdo da sala de aula, me olhava de um jeito diferente. Tinha vontade de ser seu namorado, mas faltava coragem. Ao se aproximar do final do ano, fiquei desesperado quando soube que ela ia deixar a Escola, pois o pai dela, funcionário dos Correios, fora transferido para Feira de Santana.

Minhas amizades com os outros meninos iam aumentando e, na mesma proporção eu tomava conhecimento de suas gabolices e me sentia diminuido.  Até que numa sexta-feira, ao passar em frente à casa da viúva, ela mandou que eu parasse e perguntou se eu poderia lhe levar até à nossa casa, pois precisava falar com minha mãe. Pois, não, D. Magnólia, pode subir. Quase tive vontade de dizer que ela não se acanhasse e subisse logo.  Ela entrou em casa, pegou um embrulho pequeno e subiu na garupa da bicicleta. Talvez por falta de costume, passou a mão direita em minha cintura, fazendo com que eu sentisse um leve cheiro de alfazema. Meu coração acelerou e minhas pernas reduziram a velocidade da bicicleta. Foi uma viagem pequena, para as sensações que eu estava experimentando. Logo chegamos e, ao escutar o tilintar da buzina da bicicleta, minha mãe já veio ao nosso encontro. As duas ficaram conversando na cozinha de casa, enquanto eu fui cumprir minhas obrigações de menino de roça. Já era noite quando mamãe ordenou que levasse a visita de volta. Eu já estava esperando por isto, mas mesmo assim, foi grande meu contentamento e, depois, das despedidas, fui pedalando devagar. O pneu traseiro furou e acredito que não podia ter acontecido nada melhor, pois ela tentou me ajudar no remendo da câmara de ar. Ficamos com nossos rostos pertos um do outro. De soslaio, pude olhar para o volume estonteante dos seios dela. Consertado o pneu, retomamos o caminho e, novamente, ela me envolveu com seu braço. Na chegada, ela despediu-se e agradeceu a gentileza. Não foi nada, respondi. Fiquei parado, ela subiu as escadas da pequena varanda de sua casa e, quando estava abrindo a porta, voltou-se e me viu ali parado. Disse-me, quase em tom de ordem: vá embora Pedrinho. Não se demore, D. Rita vai ficar preocupada. Quase não consegui pregar os olhos naquela noite. Passei o sábado imaginando muitas besteiras. Quando fomos à igreja, no domingo, não consegui sequer rezar direito a oração da Ave-Maria. Na segunda-feira, na hora do recreio, me enchi de uma coragem mentirosa e disse aos outros, que tinha visto os seios dela pelo decote do vestido. E como isto ainda poderia pouco, aumentei mais ainda a pabulagem dizendo, também, que ela tinha me dado um forte e longo abraço, que quase encostava os seios na minha boca. Os outros meninos ficaram de olhos arregalados e não sei se todos deram confiança às minhas fantasias, mas eu, com o passar dos anos, passei a acreditar piamente nelas. Uma prova disto é que minha velha bicicleta ainda existe. Eu trouxe para Salvador depois que terminei a Faculdade de Direito, mandei fazer um primoroso serviço de restauração nela e, aos domingos, com pneus novinhos, pedalando pela orla de Amaralina, de vez em quando, ainda sinto o perfume da alfazema de D. Magnólia.


Autor: Augusto N Sampaio Angelim - São Bento do Una/PE
Publicação autorizada através de e-mail (..)

3 comentários:

Celêdian Assis disse...

Quando somos crianças as fantasias que povoam nossas mentes são tão simples, mas em geral são lembranças que guardaremos a vida toda. Quando somos maduros e elas vem à tona, trazem consigo doces sensações, que nos gratificam enormente.

Excelente texto, Augusto, sempre com a sua marca registrada de sensatez e muita sensibilidade.
Um abraço,
Celêdian

Carlos Costa disse...

"Tinha vontade de ser seu namorado, mas faltava coragem. Ao se aproximar do final do ano, fiquei desesperado quando soube que ela ia deixar a Escola, pois o pai dela, funcionário dos Correios, fora transferido para Feira de Santana."

"Minhas amizades com os outros meninos iam aumentando e, na mesma proporção eu tomava conhecimento de suas gabolices e me sentia diminuido."

"De soslaio, pude olhar para o volume estonteante dos seios dela"

"Quase não consegui pregar os olhos naquela noite"

Companheiro, muito do que vc escreveu aqui, já me aconteceu também na minha adolescêncica, por isso tomei a liberdade de copiar e colocar aqui, de seu próprio texto. Na adolescência, tive uma colega do Grupo Escolar, filha de um Oficial de Justiça, a Claudine, por quem tinha uma paixão de adolescente e notei que a colega de sala faltava as aulas seguidamente. Fui visitá-la. O pai autorizou minha entrada no quarto dela e meu coração disparou: a ví só de camisola! Fiquei louco! Depois, passei a dizer na Escola que eu já a tinha visto nua (aumentei um pouquinho, né, mas a camisola dela era transparente e eu vi sua calcinha e, para mim, já foi mais do que eu poderia esperar). Adorei seu texto e, por isso, decidi copiar e colar as partes que mais me identifiquei dentro de seu explendido discorrer. Um forte abraço, companheiro.

Augusto Sampaio Angelim disse...

Boa noite Carlos. Somente agora li o teu comentário e fiquei muito lisonjeado, mas, é pura fantasia deste aprendiz de escrivinhador, embora, às vezes, eu me veja em alguma passagem. Um grande abraço. Augusto Sampaio