Autor: Maria Mineira
Havia um sitiozinho
solitário perdido na imensidão da Canastra, casa de avós, onde crianças alegres
passavam as férias. Toda manhã tinham leite puro, leite que estava diretamente
ligado à grama que é consumida e ruminada lentamente em horas de silencioso
mastigar dos animais com seus grandes olhos voltados para o chão e para o céu,
olhos enormes e quietos. Daquele ruminar ao entardecer, dependia o leite tão
saboroso na manhã seguinte.
Além das vacas,
cabritos e aves, havia ali um burrinho velho deixado pelo boiadeiro que pediu
pouso e ao tentar pagar a hospedagem, o avô se recusou a cobrar. O animal era
de cor marrom, pelo ralo e olhos mansos. Virou montaria de intrépidos
cavaleiros e amazonas, passava os dias pastando a grama que crescia verdinha,
ali em volta da casa. Deram-lhe o nome de Burrim
Véi.
A menina começou a
protegê-lo, tão manso e indefeso parecia ser. Até convenceu o avô a construir
um cocho, onde depois dos passeios pelos pastos, o deixavam ficar comendo
farta e sossegadamente o milho, as canas e até cenouras que as crianças traziam
da horta.
Dizem que os burros
têm mais intuição que os cavalos, principalmente para distinguir o perigo, em
estrada molhada, para descer morro e até para atravessar rio, o burro é mais
garantido. Nas férias de final do ano a menina foi a primeira a
chegar, procurou no gramado onde o burrinho ficava e não o
encontrou. Com o coração apertado perguntou ao avô:
—Cadê o Burrim Véi,
vovô?
O avô nunca mentia
para os netos e com semblante triste contou:
—Seu tio vendeu ele...
—Vovô, cumé qui o
sinhor teve corage de deixá vendê ele? Por
quê?
—Ieu num dexei minha
fia, sabia qui ocêis tinha amor nele. Foi seu tio qui vendeu no dia qui o vô
num tava im casa.
O tio apareceu e sem
um pingo de dó foi logo dizendo aos sobrinhos:
— O burro véi docêis,
uma hora dessas já virô salame. Oia as butina novinha qui ieu comprei com os
cobre.
A menina chorou sem
parar. Se recusava olhar para o tio, não falava com ele. Não pedia mais a
benção. Era seu inimigo. Não gostava nem de ver as
roupas dele no varal. Um dia o tio ficou doente e quase
morreu. .
O avô pegou a neta
pela mão e levou-a até o tio. Ela olhou-o e saiu do
quarto correndo. Sentia um mal estar enorme diante dele, uma coisa inexplicável.
Depois de algum tempo
a convenceram voltar a falar com o tio. A benção ela tomou de longe, com medo
que ele morresse. Não disse mais nada. Sua presença a magoava, isso durou
anos.
A cicatriz ficou,
apesar de o tempo ter se encarregado de amenizar, fazer doer menos.
Restou a saudade do
Burrim Véi... Em volta da casa a grama cresceu.
Página da autora:
http://www.recantodasletras.com.br/autor.php?id=86838
Publicações autorizadas pelos autores
Autora: Maria Mineira - São Roque de Minas/MG
3 comentários:
Que história mais linda, e triste... me fez lembrar de uma pata branca que eu tinha quando pequena, que me seguia a todo lugar. Um dia, minha mãe a deu para meu irmão quando eu estava na escola. Ele a matou e comeu.
Primeiro tenho que dize que adorei a foto, quanto ao seu conto, ah, seu talento está presente em tudo que escreve, pois você deposita sua alma em cada linha. Lembrei-me de um casal de pintinhos que demos a minha filha, eles cresceram e um dia desapareceram de nosso quintal, ela chorou por muitas semanas.... Um bj a vc
Maria, parabéns pelo seu trabalho. Cada vez melhor! Um grande abraço.
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