domingo, 5 de fevereiro de 2017

O anjo

Apenas mais um dia.
Como tantos outros, voltaria para casa, apenas por voltar, sem qualquer motivo. Ou simplesmente para não dormir nas ruas.
Para que voltar? Por quê?
O que poderia ser, para ele, a casa? O lar?
Julio já não podia distinguir. Não sabia a diferença entre a casa, lar ou local de trabalho. Para ele existia a repartição e o seu dormitório, que infelizmente estavam em locais diferentes e distantes. Uma realidade que exigia dele aquela rotina de ir e vir.
Seu cotidiano era o ônibus, sempre cheio e desconfortável. Os motoristas pareciam estar conduzindo carroças. Totalmente despreparados não fazia diferença o que transportavam. Freavam bruscamente, as curvas eram sempre feitas em velocidade incompatível com o conforto do passageiro. Mulheres, crianças e até idosos viajavam em pé e eram jogados de um lado ao outro pela falta de qualificação do condutor.
Como nada havia para pensar, Júlio se concentrava nesses detalhes. Mas sabia ele que se lá houvesse alguém que o esperasse tudo seria diferente. A viagem de ônibus até a casa seria uma prazerosa aventura. A chegada seria compensada com um abraço amoroso de boas vindas.
O que resta para Júlio?
Depois de tudo, nenhuma esperança ou sonho alimenta. Acostumado com aquela rotina já nem sentia saudade. Tornou-se um ser robótico, sem sentimentos.
Mas sua vida já havia sido diferente.
Teve alguém. Um amor, quem sabe? Mas certamente alguém que lhe fazia companhia no café da manhã, sempre preparado com carinho.
Alguém que sempre o aguardava à porta quando do trabalho voltava. Que gozava a preferência da sua companhia em agradáveis passeios pelas montanhas, onde admiravam a natureza e a exaltavam, comparando aquela harmonia ao seu amor.
As caminhadas pela areia da praia, as ondas atingindo seus pés que permaneciam molhados enquanto percorriam a linha da água, sempre de mãos dadas, com comentários agradáveis que os animavam e os conservavam envoltos naquela felicidade que parecia não ter fim.
Vivia Júlio uma felicidade, para ele, infinita.
Pela intensidade do amor que nutria por Danny, jamais poderia imaginar que um dia houvesse um fim.
Danny, também, pensava assim. Um anjo em sua vida, alguém que sarou seu coração e lhe fez ver as flores ao longo de sua estrada. Um anjo que lhe deu a mão e a ajudou nas subidas. Um anjo que removeu as pedras de seu caminho. Aquele que a protegia de tudo e de todos. Tantos eram seus cuidados que chegavam a incomodar.
Danny, às vezes, preferia correr algum risco a ser objeto de tantos cuidados. Com a preocupação de dar a ela a preferência de tudo, Júlio esqueceu de si. Não imaginava que para prosseguir precisava de uma luz que iluminasse seu caminho. Danny cercada de cuidados e carinho, jamais se preocupou com esse detalhe. Imaginou Júlio um ser superior, capaz de tudo providenciar para seu bem estar. Imaginava ela que jamais precisaria de qualquer cuidado, nem mesmo de uma palavra de conforto ou aprovação. Para quê, se ele era tão completo e que havia entrado em sua vida para proporcionar-lhe o que pudesse haver de melhor.
Por isso Júlio sentia-se frustrado, quando esperava algum retorno ou no mínimo, algumas palavras de incentivo. Palavras que jamais vieram.
A sabedoria do tempo foi implacável. Num certo momento, Júlio pretendeu uma contrapartida que não existiu. Pediu, argumentou e esperou, mas Danny, incapaz de compreender, não deu.
Então resolve partir e deixar tudo que lhe parecia tão importante. Inconformado e carente vai em busca de alguma coisa, que nem imaginava o que pudesse ser.
Julio, desde então, procurou substituir sua carência de um amor por dedicação exagerada ao trabalho.
Quando voltava para casa, nada mais pensava ou esperava. Só a cama o consolava.
Mas naquele dia foi diferente.
Júlio descia do ônibus, no ponto costumeiro.
No trajeto até sua casa, passava pela padaria, onde comprava pão fresco para o lanche noturno.
Tudo estava normal, até que atingiu a portaria do seu prédio.
Lá estava Danny.
Ele custou a acreditar. Uma confusão mental e nada fez com que se lembrasse o que havia acontecido.  Danny, abriu os braços, aguardando sua aproximação. Assim seus corpos se encontraram. Tudo parecia estranho. Por que não tinha acontecido antes?
Promessas e incontroladas juras de amor foram gritadas, naquele momento, Júlio perdido e Danny apaixonada se abraçavam e beijavam jurando amor eterno.
—Um anjo, repetia Danny. Meu anjo.
—Descobri que você é o anjo que me foi enviado. Não para me proteger, mas para me ensinar a amar. Um anjo para me ensinar o significado do amor.
—Você é o meu anjo, o meu amor.
—Jamais se afaste de mim outra vez.

Autor: Nêodo Ambrósio de Castro - Eugenópolis/MG

3 comentários:

Anônimo disse...

Nunca é tarde para começar tudo de novo. Felizes os que conseguem. Um belo conto, muito bem elaborado. Gostei, Conceição Gomes

marina Alves disse...

O que está traçado ninguém pode mudar. Uma bela história de amor. E que bom que o anjo foi plenamente reconhecido em seu valor. Muito bom!

Anônimo disse...

Muito bom texto, desenrolar envolvente e perfeitamente dentro dos parâmetros do concurso. Parabéns a quem o produziu.

Alberto Vasconcelos