quinta-feira, 31 de março de 2016

A mulher da minha vida

Autora: Conceição Gomes

Sentados à mesa de um boteco, desses de beira de calçada, final de tarde, com os pinguços de todos os tipos encostados no balcão, contando ou ouvido mágoas presentes e passadas, lá estava eu ouvindo a história de amor de meu amigo Abelardo. Entre um gole de cerveja e a degustação de batatas fritas, iniciou sua história.  Pois é amigo, foi num certo trinta de junho, dia de São Marçal, em uma festa junina, na casa de uma amiga. Quando eu cheguei, ela estava em pé, sozinha, apreciando os casais dançando a quadrilha. Quando a olhei, não pude me conter de emoção. Lá estava a mulher de meus sonhos. Aproximei-me dela e tomando seu rosto em minhas, disse quase num grito incontido: você tem os olhos mais lindos que já vi em toda a minha vida. Aqueles olhos de um verde indescritível, me deixaram extasiados, literalmente apaixonado. Ela sorriu e fitou-me sem nada dizer, talvez surpresa por tão inusitada declaração de amor. Dançamos até a festa terminar, rostos e corpos colados, no afã de ultrapassar os limites das mãos ávidas de contatos mais ousados. Vieram os encontros em que buscamos nos conhecer melhor. Ela trabalhava de dia e estudava a noite no mais tradicional colégio da cidade. Como ficava graciosa no seu uniforme escolar, na candura de seus vinte e dois anos. Perdera os pais muito criança ainda e desde os dezoito anos, era responsável pela sua própria vida.  Morava na casa de uma família que a adotara quase como filha. Mas isto não significava nada para mim. Quando decidimos ter nossa primeira e tão esperada intimidade maior ela me confessou que eu não seria o primeiro homem a possuí-la. Meu mundo veio abaixo. Não podia imaginar que a mulher que eu escolhera para a vida toda, não fosse mais pura. Ainda ficamos juntos algum tempo, mas o ciúme daquele passado, imaginá-la nos braços de outro, corroía minhas entranhas. E quando ela percebeu que eu jamais a assumiria, mudou-se de cidade. Quando eu a deixei no aeroporto, na hora da despedida, ela disse: estou grávida. E se foi, sem mais nada dizer. Ainda mantivemos algumas correspondências, até que conheci outra mulher, e pouco mais de um ano depois da partida de Anita, casei-me e então lhe enviei uma carta dizendo no final: diga ao nosso filho que papai morreu. Só voltei a encontrá-la dez anos depois, formada, com um emprego de destaque onde morava e com nosso filho com nove anos de idade. No esplendor de sua beleza e maturidade, disse nada querer de mim, apenas que nosso filho queria conhecer o pai. Assim foi. Mas não tive coragem de assumir a criança.  Nossos caminhos nos levaram cada um para os seus destinos. Sei que está casada. Não sei se é feliz. Quanto   a mim, vivo um casamento sem amor. Maldito preconceito que me fez perder a mulher da minha vida. Escutei calado, pensando que hoje, virgindade é um valor tão ultrapassado e que o fato de uma mulher já ter tido vários homens não é mais obstáculo para nenhum casamento. Os tempos mudam e com ele, alguns valores. Meu amigo Abelardo sabe disso, mas sabe também, que agora é tarde, muito tarde para um final feliz entre os dois.

Autora: Conceição Gomes - Curitiba/PR

2 comentários:

Anônimo disse...

Muito bom texto, perfeitamente dentro dos parâmetros do concurso. Parabéns a quem o produziu

Marina Alves disse...

Muito amores foram e são sacrificados pelo preconceito, o que é realmente lamentável . Ótimo conto, parabéns ao autor.