terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Orelha do livro: Gandavos - Contando outras histórias

 
É inegável que, as modalidades textuais pertencentes ao gênero narrativo, o conto é o preferido da grande maioria dos escritores no princípio de suas carreiras. Ao contrário do que se possa pensar, a brevidade de um conto não torna mais fácil a arte de escrever uma boa história. O que muitos não sabem é que este pormenor constitui-se um dos mais difíceis exercícios para um contista. Como nos demais gêneros, escrever é sempre um árduo trabalho, que não dispensa os preceitos gerais da criação, que são o talento e a imaginação.
Neste livro, Gandavos – Contando outras histórias, o leitor perceberá que a criação literária pode dispensar, ou por à parte a verdade, mas não desconsidera a importância de certos elementos ou atributos que lhe conferem veracidade, ou seja, para além da verdade há a necessidade de outros temperos e artifícios, que tornam uma história boa e interessante.  De um modo geral, imagino que os contos aqui apresentados vão provocar no leitor o desejo de ler até a última página do livro. Afinal, tratam-se de textos onde há um mergulho solitário na memória e na imaginação dos talentosos autores, oriundos das mais variadas regiões deste país. E por fim, sábias são as palavras do escritor pernambucano Augusto Sampaio Angelim, quando afirmou, textualmente, no primeiro volume da Coleção Gandavos: “O livro que o leitor agora tem em suas mãos fez uma viagem inversa. Pode-se até dizer que ele veio do futuro para o presente, pois este livro saiu do mundo virtual. Nasceu das páginas digitalizadas sob o endereço http://gandavos.blogspot.com/ ”.  
Carlos A. Lopes
(O livro será entregue pela editora até o dia 15/04/2013)
 
  1.  


  2.  
    Sinto-me lisonjeada em fazer parte deste time! Parabéns, Carlos!!!
     



  3. Faço minhas as palavras das Anas. Estou muito feliz por ver textos meus publicados num livro e já me convido para o próximo. Obrigada, Carlos!
     



  4. Obrigado Ana Bailune, Ana Soares e Maria Mineira. Haverá sim mais livros, já tem até título provisório: Gandavos - Traços & Retraços. E o melhor, deve sair ainda este ano.

"A Casa das Mulheres" - Dias Índios (XXIII)

Autor: Professor Wanderley Dantas
 
Quando elas chegaram, era um final de tarde e nos encontrávamos conversando no centro da aldeia em frente à Casa dos Homens. Sem aviso prévio, fomos surpreendidos por aquele pequeno grupo de mulheres indígenas que logo promoveram uma reunião ali. No meio do grupo que chegava havia uma mulher branca que a Lu reconheceu como sendo uma conhecida defensora do fim do infanticídio indígena.

Todos vieram ao centro da aldeia. Então, aquela indígena de pequena estatura, mas forte nas palavras e na postura agressiva, começou o seu discurso se dirigindo a um dos caciques e ao resto do povo que já sentava pelo chão: "Tio, queremos que duas índias daqui nos acompanhem até o lugar em que acontecerá a primeira reunião das mulheres indígenas da Região. Tio, queremos todo apoio da comunidade, pois é importante que falemos com as mulheres que acabou esse negócio de mulher de índio ficar apanhando do marido. Vamos reunir toda a liderança feminina e falar sobre a lei Maria da Penha, que vale para nós também". Ao ouvirmos aquelas palavras e observarmos a maneira como ela falava com o cacique, eu e a Lu ficamos surpresos e nos olhamos perplexos. Creio que nosso rosto foi flagrado pela indígena, que, subitamente, se dirigiu a nós e começou a dizer na frente de todos: "Professor, a índia tem que mandar também. Os caciques tem que ouvir a gente. A mulher tem que mandar"! Bem, quem conhece como as coisas funcionamculturalmente por aqui sabe que essas palavras dela eram a própria instauração revolucionária. Então, ela continuou: "Professor, índio é assim: não cuida do filho, não quer dar escola para as crianças, é muito ciumento, por isso agora a mulher tem que mandar também"! O cacique ficava ouvindo e rindo dela, mas dizendo "verdade, verdade". Bem, ao findar do discurso dela, algumas indígenas da nossa aldeia a seguiram para a reunião.O machismo é um traço forte na cultura. Mas é óbvio que muitas coisas estão sendo vistas e ouvidas pelas indígenas e, consequentemente, nos povos que já têm um contato maior com a cultura não-índia, lideranças femininas têm surgido.

Ainda sobre esse tema, tivemos o nosso primeiro problema cultural com o povo devido a esse machismo que reagiu ao fato das meninas jovens estarem avançando na escola. "Elas não sabem nada", disse-me um indígena. A escola é bem marcada por esse traço: mulheres somente na série inferior com rapazes mais novos. Na série avançada, só alunos homens. Um pai tirou seu filho da 3ª série, porque não queria que ele estudasse com as meninas. "Elas não sabem nada, não quero que meu filho se atrase por causa delas"! Todavia, elas têm avançado e isso nos causou problemas com homens que não têm estudado na escola. Pela primeira vez, eles me questionaram se eu tenho aplicado "provas", pois "as mulheres não sabem nada". A ideia de que as mulheres não sabem nada é tão realçada que, mesmo entre aquelas que têm aprendido português, elas não falam na presença dos maridos.

A própria organização e divisão de trabalho reflete o papel subserviente da mulher. Por isso, mesmo minha filha mais nova de cinco anos de idade, ao observar a Casa dos Homens e descobrir que essa casa no centro da aldeia é um lugar proibido à mulher, perguntou-nos em sua candura infantil: "Papai, onde então é a Casa das Mulheres?”.






Autor: Professor Wanderley Dantas

http://o-seringueiro.blogspot.com.br/

Publicação autorizada pelo autor




Comentários:

Maria Mineira

Bom dia, professor. Desde que entrei aqui no blog, acompanho suas postagens.Esse é mais um excelente texto. Parabéns! Abraço aqui da Serra da Canastra.

Professor Wanderey Dantas

Obrigado, Maria Mineira. É bom estar aqui realmente. Temos oportunidade de mergulhar em tantos brasis diferentes! Abraços aqui da região do Vale do Araguaia




Capa do livro: Gandavos - Contando outras histórias

 
 
 
Previsão de lançamento: Março/abril 2013
 
Ilustrações: Edmar Sales
 
Uma publicação: Blog Gândavos
 
 
Comentários:
 




Carlos,
Linda capa! Lindo, tudo!
Abraços
Ana Soares
 
Olá Carlos, a capa ficou ótima. Tenho certeza de que ficará um trabalho muito bonito. Estou ansiosa pelo resultado final. Parabéns!
Grata, um abraço
Marina Alves
 
Oi amigo,
A capa ficou excelente, muito linda, bem clean e suave. Você tem bom gosto. O desenho de Sales também ficou muito bom.
Abraços
Celêdian Assis
 
Amigo Carlos Lopes, de inegável beleza a capa da moradia desses contadores de outras histórias. Estou muito honrado em participar desse maravilhoso projeto. Esperando apenas que o conteúdo literário seja da mesma qualidade do perfil ora apresentado. Contudo, há um só probleminha. Corre-se o risco de o leitor adquirir o livro para colocar em moldura as fotografias dessas duas lindas mulheres: Ana Bailune e Maria Mineira. Juro que farei isso. Também.
Um abraço.
Rangel Alves da Costa

 
"A capa ficou excelente, muito coerente com o conteúdo. Um trabalho feito com capricho e responsabilidade.Esse livro sempre vai ter um lugar especial na minha vida.Nele encontrei não só espaço para minhas palavras, encontrei amigos! Quando recebi por e-mail a capa do livro, fiquei muito emocionada por ver um sonho se realizando, por estar ali, junto de outros tantos amantes das palavras escritas. Isso foi para mim, uma grande honra. Escrever é se expor e, portanto, um ato de coragem. Não é sempre que um escritor iniciante, tem a oportunidade de mostrar ao público os seus textos. O blog Gândavos permitiu-me concretizar o sonho de publicação e o estímulo necessário para continuar. Carlos Lopes, muitíssimo Obrigada!"
Maria Mineira

¨O blog Gândavos permitiu-me concretizar o sonho de publicação e o estímulo necessário para continuar¨, disse Maria Mineira. Isso mesmo amiga, a idéia do blog é essa! Só que essa idéia vale também para mim, o administrador do blog. A mesma emoção que a amiga está sentindo eu também sinto pois não disponho de editor interessado em publicar minhas coisinhas ... aliás, nem quero ... digo melhor: nem vou procurar mais. Vamos continuar abrindo essa porta para nós mesmo autores. Certo fazia o nosso Rei do Baião, Luiz Gonzaga: Em tempos de vacas magras ele mesmo pegava os seus discos, botava debaixo do braço e ia vendendo por esse Brasil imenso. Vão revisando seus textos, vem aí o Gandavos 3 ... muito em breve. Breve até demais. A moçada tem muita coisa pra publicar. Então porque esperar  tanto?
Obrigado a todos
Carlos A. Lopes

Vou dar o crédito do complemento do título do livro Gandavos - Contando outras histórias. É do meu querido RANGEL ALVES DA COSTA. Como disse, vem aí o Gandavos (3) ... aceito sugestões do complemento do título. Será, também, de temas abertos, priorizando contos e crônicas.
Um abraço
Carlos A. Lopes

A capa do livro ficou um primor. Tanto a ilustração de Edmar, com um contador de história cercado por crianças como a paginação. Parabéns pelo trabalho.
Abraços
Jailson Vital



Sinto-me lisonjeada por fazer parte deste lindo projeto ao lado de escritores de outros estados do nosso país - Pessoas competentes na arte de escrever, sensíveis e talentosas!
Sinto que estou sendo agraciada cada vez mais...
Obrigada meu DEUS!
Obrigada Carlos Lopes, pela oportunidade.

Ana Soares




 

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

"As regras e o suco de limão" - Dias Índios (XXIV)

Autor: Professor Wanderley Dantas
"Lu, você come peixe quando está menstruada?", perguntou a indígena para minha esposa. A nossa presença dentro da aldeia abre espaço para que eles nos perguntem sobre muitas coisas como essa. Assim, por causa da presença da Lu, as mulheres têm se aproximado dela e sentido liberdade de fazer comparações e indagar sobre si mesmas. É óbvio que não falamos nada que não seja perguntado a nós e, mesmo assim, seguimos toda cautela, porque não queremos realizar esses passos por eles. A situação da proibição de certos alimentos em determinadas épocas está ligada, segundo alguns estudiosos, às questões espirituais, mas também econômicas. Muitas culturas têm "proibições" alimentares. Quem não já ouviu da mãe que não se pode misturar leite com manga ou coisas semelhantes? A própria Bíblia apresentou aos judeus no deserto uma lista de animais puros e impuros.
-Pergunta para elas por que elas não fizeram o suco de limão? Insisti com o indígena agente de saúde amigo meu, que estava me visitando na casa do cacique.
-Elas disseram que é porque você é o dono da comida e não pediu para elas. Bem, diante dessa resposta, eu ri da minha confusão. Aproveitei e compartilhei com eles o que eu estava imaginando que poderia ser.
-Rapaz, sabe de uma coisa? Vou te contar e depois você explica para elas também. Bem, toda vez que eu chego aqui na casa do Cacique, trago uma ou duas caixas de comida (arroz, feijão, macarrão, etc) e entrego ao cacique, dizendo: "Esta é a nossa comida"! Assim, todos na casa comemos da minha comida acrescentada da comida própria deles, peixes e biju. São as filhas do cacique que fazem a comida para todos nós na casa. Entretanto, eu já estou para ir embora e os dois sacos de suco de limão estão aí fechados até agora. Sabe, lembrei de uma história que aconteceu com duas professoras que foram expulsas de uma aldeia e não sabiam o motivo. Não lembro bem dos detalhes, mas sei que elas resolveram fazer o que todos nós deveríamos fazer, o quanto for possível, antes de entrar numa área transcultural: estudar a cultura específica e seus detalhes. O que as professoras descobriram? Todos os dias, elas iam no mato colher limões para fazer suco, todavia, o que elas não sabiam é que naquela cultura o suco de limão era anti-concepcional e o povo logo concluiu que elas deveriam estar dormindo com os maridos da aldeia e, então, as expulsaram! Eu estava aqui pensando: "será que entre vocês também seria assim; será que as filhas do cacique não faziam suco de limão, por causa de alguma proibição semelhante"? Quando meu amigo indígena terminou de ouvir a explicação, riu também.
-Não, não - disse ele rindo do que eu estava explicando - a gente bebe suco de limão sim.
-Mas há alguma coisa parecida, alguma comida que vocês não podem comer?
-Professor, a criança não pode comer peixe e a mãe também não, logo assim que a criança nasce.
-Por quê?
-Não sei... aquele povo da sua história não tinha as regras deles? Então, essas são as regras da gente. Aqui na Região tem povo índio que faz diferente da gente, mas aí já são as regras deles... Essas são as regras dos homens para as mulheres e crianças...
Eu estava encantado com aquilo que eu estava ouvindo. Aquele discurso era lindo e profundo. Era uma auto-avaliação e uma percepção do povo e do mundo que os cercava: "essas são as regras da gente"... Logo eu pensei no mundo bíblico, especialmente em Pedro, apóstolo de Jesus, um homem pescador e também cheio de regras a seguir. Pedro era um legalista que também seguia uma lista rígida de alimentos impuros nos quais não devia sequer tocar (Lev 11). Mas, no meio do dia, Pedro teve uma visão e Deus disse a ele: "Pedro, não chame de impuro o que Deus purificou". Pedro descobriu naquele momento que Deus estava mudando as regras para que o Evangelho pudesse chegar a todos os povos (Atos 10: 9ss). Esta é uma chave preciosa para um futuro discipulado que estou guardando e aguardando: mostrar que na pretensão da rigidez cultural, Deus pode interferir e mudar as nossas regras!

Autor: Professor Wanderley Dantas

http://o-seringueiro.blogspot.com.br/

Publicação autorizada pelo autor

sábado, 1 de dezembro de 2012

Matéria publicada no Jornal de Negócios - Bom Despacho/MG

 
Conteúdo da matéria: 
 
Gandavos - Os Contadores de Histórias
Esse volume foi um presente de meu amigo e acadêmico Geraldinho do Engenho. Obra fruto de uma interessante iniciativa de Carlos Lopes, escritor residente em Recife, que peneirando pela internet, foi garimpando verdadeiros diamantes literários desse consagrado estilo de "Contadores de Casos", que ele juntou com produções suas. Nas páginas de sua agradável coleção nós ficamos sabendo de histórias e estórias cômicas, trágicas ou românticas de pequenas e grandes cidades brasileiras com suas pitadas e com características sui generis.
E entre tantos escritores do país, Carlos Lopes, com seu anzol artístico, pescou dois talentosos representantes de Bom Despacho: Dilermando Cardoso, com a deliciosa crônica "Quando havia quintais" e Geraldinho do Engenho com um "engenhoso" conto rural: "Um cão e um escravo em os olhos do Bugre".
Fonte: Jornal de Negócios - Bom Desapcho/MG, sábado, 22/12/2012
 
Agradecimento:
Em nome de todos os autores do livro Gandavos - Os contadores de histórias, fica o agradecimento ao colega Tadeu de Araújo Teixeira e ao nosso querido Geraldinho do Engenho, ambos de Bom Despacho, MG, pela gentileza e carinho na divulgação do livro.
Blog Gandavos - Os Contadores de histórias
Administrador: Carlos A. Lopes

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Olhe para frente, Margarida - Autora: Maria Olimpia

Não, eu não sou desiludida. Sou realista. A vida quis assim e assim tenho que viver.Não sei se é carma, se é destino. Só sei que é, e não vejo como mudar. Tive meu período bom de vida, uma infância e uma adolescência feliz, pais amorosos. Depois, veio a guinada na vida. Mal eu iniciara o meu primeiro emprego como professora de um jardim de infância e começara meu curso superior de Pedagogia, meu pai perdeu o emprego. Em conseqüência da depressão, começou a beber. Um dia, voltando bêbado para casa, altas horas, foi atropelado. Morrer não morreu, mas também vivo não ficou. Um ser vegetal de quem tínhamos que tomar conta dia e noite. Revezávamos-nos, eu e ela. Conclui a duras penas o meu curso superior e logo que formei passei a fazer jornada dupla de trabalho.Minha mãe também fazia isso, tínhamos que nos desdobrar, as despesas eram muitas e nós o amávamos. Queríamos lhe dar o melhor. Logo que ela se aposentou, ele morreu. Não sofri, já tinha sofrido tudo o que tinha direito. Pensei: agora podemos viver nossas vidas, minha mãe e eu.Ainda sou jovem e ela também. Sem tantos gastos poderemos passear e quem sabe?, talvez até eu encontre alguém para amar. Mas não deu tempo nem para começar. Estávamos planejando nossas primeiras férias quando percebi que ela estava ficando esquisita. Esquecida. Nem era tão velha e estava agindo como. Um dia, na véspera de nossa tão sonhada viagem, saiu de casa para ir buscar as passagens na Agência de Viagem e não voltou. Nem foi lá. Desapareceu. A polícia a encontrou, três dias depois, assentada quietinha em um banco de uma praça distante. Não sabia quem era, nem onde morava.Mal de Alzheimer. Velhice precoce. Caduquice, sei lá. Dê se o nome que se queira dar, só sei que nunca mais foi a mesma. Éramos três, ficamos duas. E de repente só eu, cuidando de uma morta viva, morrendo em vida também.Até que ela também se foi e eu fiquei, completamente sozinha, sem nem mesmo um trabalho. Aposentadoria proporcional para ficar mais com ela. E agora estou eu aqui, tentando recompor os cacos de minha vida, sentada nesse divã, como se alguma coisa pudesse ser mudada, a esta altura dos acontecimentos..

Olhe para a frente Margarida. Olhe para o alto, para cima, para os lados, para qualquer lugar. Procure a vida Margarida. Não fique ensimesmada neste tempo que já passou. Procure alguma coisa, faça alguma coisa. Vá viajar, ver gente, lugares novos. Como se fosse fácil mudar a vida assim de repente. Olhar para os lados eu olho mas o que vejo se não as mesmas caras de sempre, as mesmas pessoas que já se acostumaram em não me ver.Eu olho e não há retorno, cada qual ensimesmado em sua vida. Buscar eu busco mas é tão sem saída porque não vejo a saída. Adeus, psicóloga, se é para gastar meu dinheiro assim, ouvindo o tempo todo, olhe para si mesma Margarida, o que vou fazer é parar de ir aí e realmente seguir o conselho, vou viajar, vou ser outra, encontrar uma vida nova, um mundo novo em qualquer lugar.

Para qualquer lugar, não faz a mínima diferença. Qualquer lugar não existe,senhora, tem que ser um lugar. Tudo bem, me dê uma passagem para um lugar, onde haja sol e haja praia e eu possa caminhar a beira mar com a cabeça levantada e os olhos abertos, mas que seja bem longe daqui, onde ninguém me conheça , onde nem eu mesma saiba quem eu sou e onde eu possa olhar para os lados, para frente e para cima, nunca para baixo. A senhora pode fazer isso aqui mesmo senhora, em todos os lugares isso pode ser feito, mas vou lhe dar uma passagem para um lugar maravilhoso onde todos os seus sonhos podem ser realizados. Como é que você sabe que todos os meus sonhos podem ser realizados se não sabe quais são os meus sonhos se nem eu mesmo sei.? Bem, a senhora tem que tentar...eis aqui a passagem.

E não é que deu certo? Em minha primeira caminhada pela praia eu o vi, um homem simpático, deve ter a minha idade, um pouco mais um pouco menos, e um jeito desacostumado de sorrir assim como eu, e ele caminhava também, ora atrás de mim, ora a frente, e quando estávamos no mesmo plano, ele sorria, esse sorriso torto assim como eu, e abaixava a cabeça e quando parei na barraquinha ele parou também e eu tomei uma água de coco e ele também e ele falou do dia como estava bonito, da cor do céu e do mar, tão iguais que se fundiam no horizonte, assim como os seus olhos, senhorita, senhorita...e eu respondi Eva e então ele riu e apertou a minha mão e ficamos ali sem jeito, ele falou, sou Adão e eu ri por dentro mas por fora fiz apenas um esgar, soltei lhe a mão e virei as costas, o primeiro que me surgiu, tão simpático e já de mentiras comigo, Adão, ora, imagine, ele é tão Adão quanto eu sou Eva.

E lá estava ele. O Adão de novo, no mesmo hotel que eu, sentado a mesa, já servido do jantar, vou passar reto, procurar uma mesa bem longe, mas todas estão ocupadas, meu Deus, agora vou ter que voltar, vou fingir que examino os meus sapatos enquanto ando de volta, ah,..o que? Não quer me dar o prazer de jantar comigo, estou sozinho e estou vendo que a senhorita não encontrou mesa vaga, se não for impertinência...Se não for incomodar-lhe Senhor Adão...só me incomodará se continuar a me chamar de Adão, Eva., e eu custei a perceber que ele falava comigo, e então ouvi a voz, olhe para a frente Margarida, e eu vi os olhos, os olhos brilhantes como mel, um mel escuro e então querendo não ser eu, querendo ser Eva eu me sentei e pedi uma cerveja e ele também e bebemos tantas que quando saímos já tínhamos rido e falado de tudo e de todos menos de nós, e ele me beijou quando chegamos a porta e nem tentou entrar, e eu agradeci a Deus por isso mas fiquei triste porque pensei, ele não gostou de meu beijo, beijo de lábios que nunca beijaram.E a noite toda eu não consegui dormir, repetindo todos os momentos que tinha vivido, querendo mais, muito mais...

E na manhã seguinte eu esperei ansiosa, fiquei a manhã toda esperando que ele aparecesse para o café, queria caminhar pela praia outra vez, mas não podia perdê-lo de vista, mas ele não veio, e eu tomei tanto café que não precisaria mais comer o resto do dia, experimentei todos os pães e bolos, comi as frutas exóticas, bebi todos os sucos e nem consegui sair sem voltar ao quarto, tinha que ir ao banheiro, e tenho que ir a cidade comprar batom, quem sabe um vestido novo, quem sabe? Burra, ele é casado, tem família e já se foi, pra que tantos sonhos, um homem desta idade não está mais sozinho, só você está sozinha, só você nunca amou ninguém na vida . Foi apenas um flerte e ele já se foi, nem disse seu nome verdadeiro, então duas batidas na porta e quando abri ele estava lá com um buquê de margaridas na mão, todo sem jeito, achei que essas flores pareciam com você ele disse, desde que a vi me lembrei das margaridas do jardim de minha mãe, e eu não soube o que falar, e ele entrou no quarto e ligou para a recepção pedindo uma jarra para colocar as flores, e enquanto esperávamos o jarro ele me beijou novamente e eu senti vontade de dizer que meu nome era Margarida mas não tive coragem, porque a Margarida só sabia olhar para o chão e eu não queria mais olhar para o chão.

E então nós passamos uma semana maravilhosa,eu Eva e ele Adão, e eu lhe dei a maçã tentadora e ele comeu a fruta do pecado então ele se foi, disse que era chegada a hora, gostaria de viver comigo o resto da vida, mas tinha um compromisso, um compromisso que absorvia todo o seu tempo, que não podia de modo nenhum ter outro compromisso na vida, obrigar alguém a dividir o seu fardo com ele, tinha sido só uma semana, uma semana de fuga, de busca de felicidade, e me beijou de novo e partiu sem que eu soubesse o seu nome, sem que ele soubesse o meu. Joguei no lixo as margaridas apodrecidas e voltei para casa no outro dia, mas jurei que nunca mais andaria pelas ruas olhando meus pés, estaria sempre atenta, olhando para todos os lados, porque eu tinha que encontrá-lo de novo, fosse como fosse, fosse qual fosse o seu fardo, eu o acharia, mesmo que não se chamasse Adão.

E eu voltei para casa, entristecida, mas de cabeça erguida, olhos dançando para todos os lados, foi então, que ao abrir a porta de meu prédio, senti que de dentro alguém também a puxava e a força que fizemos juntos, porque a porta era emperrada, quase me derrubou e eu olhei para ele, o homem que puxou a porta e ele olhou pra mim e ao mesmo tempo exclamamos nossos nomes: Eva!!! Adão!!!

Bem, hoje ele já sabe que eu não sou Eva, sou Margarida, mas ele é mesmo Adão, professor aposentado, solteirão, mas por pouco tempo, agora que achou quem dividisse com ele os cuidados com o pai, doente há tantos anos que ele já perdeu a conta. Mal de Alzheimer.

E agora quando saímos juntos ele me diz, olha para a frente Margarida, vai acabar tropeçando, mas é tão difícil porque eu quase não consigo tirar os meus olhos dele, e então ele ri e segura com força o meu braço para que eu não caia quando tropeçar.



Autora: Maria Olimpia Alves de Melo - Lavras/MG

http://marilim.net/
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Publicação autorizada pela autora
 

domingo, 25 de novembro de 2012

A menina e a Árvore de Natal

Autora: Ana Bailune
 
Quando passei pelo corredor a fim de chegar até a cozinha, ela veio atrás de mim. Pendurou-se na bainha de meu vestido, pedindo, os enormes olhos castanhos grudados nos meus:

-Tia, me faz uma árvore de natal?

Eu já tinha decidido que este ano, não teríamos uma árvore de natal em casa. Houve morte. Houve acontecimentos tristes. Geralmente, lá para meados de novembro, a árvore está lá na sala, montadinha, com todas as luzes. Mas apesar de ela ter sido descida do sótão e estar me esperando no quarto de hóspedes, passo por ela e pelos enfeites empacotados e finjo não ver... olhei para a menina, respondendo:

-Olha, esse ano, não vai dar...
-Por que, por que, por que? - Ela me perguntou, sacudindo a barra de meu vestido, que soltei-lhe das mãos delicadamente, enquanto continuei em meu trajeto até a cozinha.

-Porque não.

Ela fez beicinho, cruzando os braços:

-Gente grande é tudo a mesma coisa! Sempre falam assim com a gente: "Porque nãããão!"

Ralhei com ela, mas de forma delicada:

-Olha, seja uma boa menina, e vá para a sala assistir TV, o.k? Estou muito ocupada agora.

Mas ela não se deu por vencida, já iniciando uma pirraça: "Aaaahhh! Me faz uma árvoreeeee!"

Respondi, desta vez, zangada:

-Já disse que não! Agora vá assistir TV como eu mandei, e não me enche mais o saco!

Ela me olhou de boca aberta por alguns instantes, e saiu, batendo o pé. Quando passei por ela novamente, ela estava sentada no sofá, vermelha de raiva, fingindo que assitia Tom & Jerry. Olhou para mim de rabo de olho enquanto eu passava, mas não disse nada. Apenas continuou olhando a TV, enrolando no dedo uma mecha de seu cabelo negro e liso.

Pensei: 'Finalmente, ela vai me deixar em paz. Criança esquece rápido, acaba sempre se distraindo com outra coisa!"

Mas, uma hora depois, como não ouvisse nem o som de seus passinhos no assoalho, fui ver o que ela estava fazendo; encontrei-a chorando baixinho, enquanto segurava em suas mãozinhas um papai Noel de plástico, todo melado de brigadeiro. Sentei-me perto dela:

-O que foi agora?

-Você tinha prometido... lá na outra casa, a gente nem sempre podia ter uma... árvore... de ... natal! , Ela disse, entre soluços.

-Mas olha, haverá outros natais... e eu prometo que no próximo ano, a gente...

Ela me interrompeu:

-Você vive prometendo e não cumpre! Eu queria uma neste... (snif..snif...) natal! A gente nem sabe se vai estar aqui de novo no ano que vem...

Suspirei profundamente. Olhei para aquela menina destruída, apenas porque eu lhe dissera que não haveria uma árvore de natal esse ano. Segurei seu queixo, obrigando-a a olhar para mim e vi seu rosto banhado em lágrimas.

-Tá bem, então. Vamos fazer uma árvore amanhã de manhã.

Imediatamente, ela sorriu, o maior sorriso que já vi:

-Promete?

-Prometo!

Então, a menina (que mora dentro de mim) saiu correndo para brincar no jardim.



Autora: Anabailune - Petrópolis/RJ

Blog da autora: http://ana-bailune.blogspot.com.br/

Blog: Ana Bailune - Liberdade de Expressão
Postagem: Face
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sábado, 24 de novembro de 2012

Despertar - Autora: Ana Soares

Os meses de dezembro e janeiro sempre foram pra mim especiais...

Um encontro do fim e o recomeço.

Dezembro é o mês de férias, festividades, família...

É um mês doce com gosto de nostalgia!

É a lembrança do passado, somada à esperança do futuro...

É o lamento do sonho não realizado e a geração de novos sonhos: lindos, limpos e imunes a obstáculos que ainda nem existem.

Janeiro: Ano-Novo ou Réveillon, celebra-se o fim de um ano e o começo do próximo.

Réveillon, termo oriundo do verbo francês réveiller, que significa ¨despertar¨...
 
Mais um ano está chegando ao fim...

Mais um balanço eu faço de tudo que vi, ouvi e vivi!

Lembranças eu deixei, outras me deixaram.

Alguns sonhos eu quis vivê-los e vivi...

Algumas lágrimas escorreram, muitos sorrisos ecoaram.

Conservei alguns amigos, descartei outros, por descobrir não sê-los de verdade...

Levo comigo só o que for fazer valer, e assim, sigo em paz, com toda minha bagagem .

Hoje é só isto que me cabe: mais leveza pro meu mundo novo!

Me despeço de 2012 como quem se despede de mim mesma para me moldar ao novo!

O que eu quero?

- Lavar a alma .

Quero mesmo é re(nascer)!


Ana Soares - Ribeirão Pires/SP

http://www.recantodasletras.com.br/autor.php?id=86576

www.anasoares.prosaeverso.net

Publicação autorizada pela autora
 


 

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Meu filho no cinema pela primeira vez

Autor: Carlos Costa

- Está muito “curo” aqui. Pai liga a luz!

Era e meu filho adolescente, na época com seis anos apenas, quando o levei pela primeira vez em um cinema, dentro de um shopping.

Largou de minha mão em que eu conduzia e correu para dentro da sala de cinema. Depois, olhando que era escuro, retrocedeu e me disse: “Pai, tá muito “curo”. Liga a luz! Onde fica o botão?”

Depois de explicar-lhe que não poderia ligar quaisquer lâmpadas, meu filho tascou de novo:

- Pai, me empresta o“controlho” que quero ligar essa televisãozona, referindo-se à tela de projeção e pedindo-me o controle remoto para o que, na cabeça de meu filho, era uma televisão gigante.

Depois de novamente explicar-lhe que aquilo era um cinema e que dentro em breve assistiríamos a um filme, meu filho me encheu de novo, não antes de falar para ele que havia uma sala, um projetor etc.,

- Pai, onde fica o projetor e por que não se pode ligar luz aqui dentro. Tá muito “curo”.

- Porque não pode e o projetor fica lá atrás, respondi, só para ver se ele parava.

Ufa! Começou a projeção e novamente meu filho me pergunta:

- Pai porque os homens se movimentam!

- Quieto, meu filho, já está começando a projeção do filme e não podemos ficar conversando se não vamos perturbar os outros e olhei para o lados...Estava quase cheio.

- É mesmo...pai, não podemos perturbar os outros, por quê?

Já estava perdendo minha paciência com meu filho quando ele finalmente parou de me fazer perguntas e assistimos ao filme em paz e em silêncio como deve ser.


Autor: Carlos Costa - Manaus/AM
Publicação autorizada pelo autor

Cipó de São João ... Ruminando as lembranças - Autor: Geraldinho do Engenho


No passado a natureza quebrava a monotonia da impiedosa seca, com a magnífica beleza da flor do cipó de são João.
Tivera eu talento para pintar as belas imagens que outrora ilustraram o Vale Picão, com certeza daria um belo quadro na historia universal.
A paisagem harmoniosa criada pela mão de Deus exibida pela natureza, foi algo fascinante. Atualmente vou ruminando nas lembranças a saudade das imagens engavetadas na mente que vão sendo remoídas pelo pensamento.
A simplicidade do cipó de são João com toda sua beleza ecológica é um belo poema escrito pelo criador. Um recado de Deus estampado nas densas latadas do cipó que se vergavam ao peso das flores despencando das arvores despidas de suas folhas quando a natureza as colocava em quarentena, no estado de dormência para vegetarem no seu período de descanço preparando-se para ilustrar a primavera.
Foram com o cipó, que no passado nossos ancestrais sustentaram as estruturas de suas moradias, seus ranchos de madeiras, barreados de chão batidos cobertos de sapê. Recursos oferecidos pela natureza abrigando a dignidade humana dos matutos sertanejos.
Foi com ele que o homem do mato construiu uma diversidade de utensílio utilizada para sua sobrevivência. E na sua demonstração de fé, entrelaçou os mastros das bandeiras enfeitadas de laranjas maduras. Com sua flor ilustrou na sua haste no contraste do amarelo com as demais cores, ao aconchegante calor das fogueiras, na quermesse junina.
Ícone de inspiração a musica sertaneja: na voz de famosas duplas que tão bem o descrevem em sua musica. Raiz do nosso folclore. ”Lá no meio do cafundó onde pia triste o chororó”
Destituído de suas funções foi substituído pelo aço, o cipó cedeu lugar ao arame e os pregos.
Atualmente tanto ele como o chororó, juntas as demais espécies tentam sobreviver, entre fileiras de eucaliptos, projetados por um sistema globalizado que utilizam maquinas potentes, na ânsia louca da guerra mercantilizadas pelas multinacionais.
Os homens que antes causavam pequenos arranhões a natureza com suas ferramentas rudimentares, hoje se tornaram espectadores e vitimas  desta infernal destruição.
Sem perder a ternura a flor do cipó desabrocha de forma singela. Se rastejando pisoteada pela histórica depedração que vai eternizando no tempo.Neste enigmático desabrochar, ela nos prova, que acima de tudo ainda existe um ser maior,imbatível ,criador,que tudo sabe e tudo.E vez por outra manda seu alerta,através dos terremotos e maremotos.
”Os tsunames da história”

Geraldinho do Engenho - Bom Despacho/MG
Publicação autorizada por escrito pelo autor da obra