quinta-feira, 20 de março de 2014

A televisão - Autor: Eduardo Costta

Lá estava a televisão. Um modelo antigo, mas ainda funcionava. Talvez os ladrões a tivessem esquecido, mas nada disso, levaram tudo e a deixaram no chão da sala. Que tinha de mais naquela televisão? Era boa, imagem "assistível", além de poder conectar um VHS, DVD era muito moderno para ela.

Levaram o rádio, levaram a geladeira, levaram o computador, mas deixaram a tv. Foi lá que seu avô tinha visto o primeiro beijo em uma novela, a visita do homem à Lua, também onde  tinha assistido a final da Copa de 98, o final do Roque Santeiro e da Odete Roitman. Mesmo em preto e branco, foi nesse aparelho que choraram a morte do Senna, o ataque às Torres Gêmeas e a morte do rei do pop. Tanta história, tantas gerações e os ladrões não viram o valor que ela tinha. Apenas a deixaram ali no chão entre poeira e soalho.

Foi presente de pai para filho, de avô para neto. Tinha algo de valor. Ela, por mais que não registrasse nada, presenciou a familia crescer, ver os filhos dos filhos dos filhos. "Essa televisão nunca vai sair daqui", esse era o lema da família. Dito e feito.

Foi a primeira a chegar no povoado. Todos se reuniam às noites para assistir qualquer coisa que passasse. Só o prazer de vê-la já emocionava. Quando terminava, todos iam para suas casas comentando o que assistiram e a televisão era guardada a sete chaves. Agora, ali, recusada pelos ladrões.

"Fazer o quê? Se nem eles querem algo de tamanho valor, o que farei com isso?"

Juntou a enorme caixa de madeira e colocou na frente da casa, à espera de alguém passar e recolher décadas e décadas de história.

Autor: Eduardo Costta - Curitiba/PR
Na foto, o autor com Luis Fernando Veríssimo
Publicação autorizada por escrito pelo autor da obra

3 comentários:

Caca disse...

Olá, Carlos. Conheço esta crônica do Eduardo e o acho um grande talento. foi uma das primeiras que li quando entrei no recanto. Abraços e ótima semana.
PS: seu blog é muito bom!

Missionário do blog elias farias lior disse...

Pois é Eduardo Costta, até a matéria tem vida. Temos o poder de dar-lhe vida, desde que ela se identifique com nossas vidas. Gostei da sua matéria A televisão. Parabéns.

João Carlos Hey disse...

Pois é, conterrâneo. Coisa velha os ladrões não querem. Mas na sua história vale o simbolismo. Podem nos tirar tudo, mas o que vivemos e passamos, ninguém é capaz de levar. A televisão velha sempre fica.