O nosso reencontro foi tenso, muito tenso, cheio de desejos e ansiedades. Ela ali, parada em um canto. Eu aqui, vendo-a sem ter coragem de tocá-la. Não sabia o que fazer. Rodei pela sala, procurei um livro. Terminei na geladeira. Eu tomei uma cerveja e ela ficou no canto, como que me olhando, rindo de meu nervosismo.
Tomei coragem. Fui até ela, decidido. De um gesto só, tirei-lhe a roupa. Foi um susto. Ela estava do mesmo modo. Não reagiu, não sorriu, não protestou, não faz nada, nadinha mesmo. Toquei em seu corpo, acariciei sua face e nada. Ela não reagiu. Ficou muda, como a deixei.
Eu e ela, no passado, fomos amantes, companheiros, confidentes. Noites e noites conversávamos a sós. Ela ajudou-me a afogar mágoas. Tantas vezes serviu-me de porta-voz, sem nada dizer, sem protestar. Tomou conhecimento dos meus amores, ajudou-me a conquistar outros e curtiu fossas comigo.
Não era ciumenta a minha amante, não dizia nada. A sua submissão era total, completa e, mesmo assim, a abandonei. Nos afastamos sem despedidas. Ela estava em casa, sozinha, e se foi sem me dizer adeus. Acho que estava zangada. Não a encontrei mais e já tinha perdido a esperança de reecontrá-la um dia. Se tivesse magoada, até compreenderia. Não lhe dei a devida atenção, não lhe cuidava bem. Acho que até gostou do que aconteceu.
Agora ela estava ali, muda, em um canto. Não me pediu desculpas e nem deu explicações. Eu aqui, sem saber o que dizer depois de tê-la deixado completamente nua. Era ela, a mesma, a mesma que se foi um dia. Estava do mesmo modo como eu a tinha visto no último dia.
Tomei outra cerveja, sozinha. Ela não bebe. Criei coragem novamente. Rumei para seu lado. Sentei-me na banqueta e a puxei para bem perto de mim. Precisava acariciá-la mais, sentir cada uma das partes de seu corpo. Sim. Precisava ser mais carinhoso, afinal, tantas vezes ela foi carinhosa para comigo, me permitiu extravasar todo meu sentimento, foi confidente de meus desejos e minhas angústias. Era o mínimo que poderia exigir.
Novamente usei de violência, como tantas vezes fizera no passado. Imediatamente a sala encheu-se de barulho. Era o mesmo barulho de alguns anos. Eu introduzi os dedos em suas partes e as teclas foram se movimentando como da última vez em que estivemos juntos.
No papel preso ao cilindro, alguma coisa começava a tomar forma. Como no passado, estávamos nos tornando amantes outra vez, eu e minha máquina Olivetti, línea 98.
Graças ao tempo, suas partes estavam intactas. Felizmente o ladrão que a roubou não tinha por ela o mesmo sentimento de cumplicidade que eu tenho. Por isso, eu e minha Olivetti voltamos a ser os mesmos amantes de antes!
(Crônica premiada)
Autor: Carlos Costa – Manaus/AM
Publicação autorizada pelo autor
Um comentário:
E pensar que essa crônica tem mais de 26 anos de feita? Poderia ter sido composta hoje! É um texto que nos remete a escrever. É a própria inspiração ou um convite a nós mesmo. Material é material, mas podemos dar vida a um material. Disso Carlos Costa sabe muito bem.
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