domingo, 19 de agosto de 2012

Tédio do domingo - Autor: Iratiense Joel Gomes Teixeira


Tarde de domingo...Sabe aquêles dias em que você não faz a menor idéia daquilo que quer?...Bate uma saudade (?) não sabe-se de que ou de quem? Aí,então,você começa a fazer um monte de coisas para preencher o tempo e acaba por descobrir que nenhuma delas te satisfaz.Pois bem,hoje eu estou assim.O meu vizinho da frente postou-se no portão (da casa dêle),ávido de uma conversa.(Vai ver êle também está "meio assim"... "tipo" eu).

Fujo.Despisto por detrás da cortina para que êle não me veja.Apesar do nosso bom relacionamento seria êle,no dia  de hoje,o último dos mortais com quem eu jogaria uma conversa fora.Seu repertório (política,juros altos,como tirar proveito nos negócios,e outras amenidades do gênero) decididamente para mim,ao menos nêste momento, estão fora de cogitação.Pego o telefone.O convencional (aquêle!...),não tenho celular.Busco entusiasmado por um número. Não!Este com certeza não está em casa.Adora passear e a esta hora deve estar "ruando".Ligar para o seu celular? Impossível. Meu aparelho (aquêle!...), não faz ligação para celulares.Outro número...Ih.!Êste viajou a três dias...foi passar um final de semana com o irmão que mora na capital. Mais um número....Chiii!...(faço o sinal da cruz) em respeito.Êste já se foi.Que pena!...Seria um ótimo papo,tinha uma cabeça genial...


Subitamente começo a entrar numa espécie de pânico e me dou conta de que estou só.Num dos cômodos da casa, na televisão ligada , aquêle sorridente apresentador das tardes de domingo não foi suficientemente capaz de prender a atenção da minha fiel companheira de trinta e tantos anos que,estirada no sofá,dorme o sono das (quase) justas.Aquêle que acomete depois de um bom vinho.A minha dose foi bem menor;insuficiente para me levar sequer a um cochilo.


Penso em retornar à janela.A vista por aquêle ângulo chega a ser interessante.Impossível!...O vizinho continua em posição de ataque.A língua afiada posta à espera de uma incauta vítima a ser impiedosamente atacada com todo o conteúdo "político-financeiro" armazenado naquela cabeçinha indecente.

Descubro uma forma de saída pelos fundos da casa.Vou até o portão que dá para outra rua (moro numa esquina);a visão é sombria...A quadra de esportes,sem ninguém...O posto de saúde,fechado,Os meninos e suas massacrantes bicicletas,sumiram...Um pouco acima:O cemitério. Reluzente e silencioso,com seu depósito de ideais pêgos de surpresa,interrompidos abruptamente.Tenho necessariamente de olhar para êste cenário todos os dias e não vejo nada de extraordinário;à excessão de hoje quando a visão me causa estranhesa,algo do tipo "sinistro" como diz a rapaziada.

Resta-me de bom , as acácias da rua Espíirito Santo destilando um cheiro agradável no ar.Uma sensação de pureza e frescor;e as águas da chuva torrencial que caiu pela madrugada entrando nas "bocas de lobo" entoando uma cantiga dolente.


Retorno à casa,sirvo-me de café e uma fatia de bolo de laranja.Ligo (Pasmem!) o toca-fitas...Sim,um rádio gravador.Ainda que lhes pareça jurássico,tenho ainda um em meu poder.Apesar de todo o modernismo que se nos oferece,acho-o bastante prático.Sintonizo uma emissôra qualquer,vou deslizando o sintonizador (antiga essa,não?) e quando encontro algo que me agrada:Gravo.Assim,ouço somente o que me interessa,só o que realmente aprecio.


Está no ponto certo.Aperto o "play" e a tarde intediosa some,empreende uma fuga alucinante...A magia de "Que C'est triste Venise" na voz de "Charles Aznavour" remete-me à espaços sublimes,diferentes...O maldito tédio escapou .Escafedeu-se logo aos primeiros acordes da magniifica introdução.Livre agora do incômodo,viajo por lugares fantásticos!...Apesar da letra quando traduzida afirmar "Como é triste Veneza"(será?).


Pela vidraça alguns pingos de chuva começam a rolar de mansinho.Vistos aos olhos da poesia,daria para se adaptar à letra de uma antiga ( e muito conhecida ) canção que afirma:"A tarde está chorando por voçê!"Que bobagem,atino com meus botões...O vapor que se desprende da xícara de café,faz contorcionismos pelo ar...Cadenciados,parecem acompanhar os acordes e a voz endeusada de "Aznavour".


Levanto-me,volto à janela...Cautelosamente afasto a cortina.Êle (o vizinho) continua em sua longa espera.


Autor: Iratiense Joel Gomes Teixeira - Irati/PR
Publicação autorizada pelo autor através de e-mail de 06/10/2011

Um comentário:

Celêdian Assis disse...

Meu amigo Joel, meu prazer é renovado a cada texto seu que leio e é igualmente prazeroso vê-lo também aqui compondo este blog.

O tédio de domingo é uma perfeita descrição do sentimento de nostalgia, que se assoma quando a solidão se instala e que deixa aquela sensação de enfado. Excelente, meu amigo.
Um abraço,
Celêdian