sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Um homem de sorte - Autor: Augusto N Sampaio Angelim

Noite de muitos mosquitos e besouros, que chegaram com as primeiras chuvas do ano no sertão. As poucas ruas do lugarejo estão enlameadas. Numa bodega, três homens conversam. Um pequeno lampião a gás ilumina, parcamente, o local. Na mesinha de quatro tamboretes, três homens. Um deles tem um cigarro de palha aceso no canto da boca. Outro usa chapéu e também fuma. O terceiro tem óculos. Três copos, todos com aguardente. Entre uma bicada e outra as conversas se arrastam vagarosamente. A bodega tem três portas. Duas na parte da frente e a outra, fica na esquina. Prateleiras do começo ao fim da parede. De tudo um pouco. Pregos. Doces. Carne seca. Charque. Sal.Fósforos. Giletes. Fumo. Papel de enrolar fumo. Bebidas. Geladeira de querosene. A energia vem  de um motor a diesel, que fica no final da rua e é desligado as dez da noite. Nas festas, as lâmpadas das ruas ficavam acesas a meia-noite ou até quando o prefeito tivesse vontade. Entre o balcão e a geladeira, um cachorro dormindo.

- Esse minino de Dona Júlia vai mermo prá Sum Paulo, cumpadre Nanô?

Mais uma bicada sorvida vagarosamente. Põe o copo na mesa. Pega papel, enrola o fumo. Vai, responde o compadre. O cachorro levantou uma orelha, como se quisesse saber da resposta.

O homem de óculos fala. Tai, se fosse da idade dele e não tivesse essa ruma de fios, eu tunbém ia.


A brasa do cigarro brilha e, por pouco tempo, clareia o local. A densa fumaça, logo, cobre-lhes os rostos.

- D. Júlia ainda não tirou o luto. Recomeça a conversa, o homem de chapéu, o mais velho deles, pegando a faca que tira da cinta para limpar a sujeira das unhas.

- Faz dois anos do passamento do farmacêutico, diz Nanô.

- Tão dizendo que a viagem do minino prá Sum Paulo é arrumação. Pro mode seu Chico da Loja.

- Nada disso, a viúva é direita.

- Eita, que seu Chico da Loja tem uma sorte disgramada, termina a conversa o homem que tinha puxado o assunto.

Ficam em silêncio. O cachorro abaixa a orelha. Somente se ouve o barulho da geladeira. Uma chuvinha fina começa a cair. Os besouros que estavam na rua, voam para dentro da bodega.

Autor: Augusto N Sampaio Angelim - São Bento do Una/PE
Publicação autorizada por escrito pelo autor da obra

Um comentário:

Celêdian Assis disse...

Olá Augusto, é um prazer encontrar seus textos também aqui neste espaço, tão esmeradamente construído pelo amigo Carlos Lopes, reunindo excelentes contadores de estórias.

Seu texto retrata com riqueza um cenário tão típico dos pequenos lugarejos (rua deserta e enlameada, a bodega, o lampião, etc) , no qual os personagens ganham movimento e nos transporta para a cena, como se estivéssemos ali ouvindo a conversa. A realidade deles, as caraterísticas de cada um e uma noite tipicamente pachorrenta dos lugarejos, os homens se ocupando da vida alheia, como se a própria vida não lhes oferecesse nada de novo. Enfim, um conto espetacular, como tantos outros que conheci de sua obra.

Um abraço, amigo.
Celêdian