quinta-feira, 20 de março de 2014

Quando havia quintais - Autor: Dilermando Cardoso

As frutas nos seduzem através dos sentidos. Suas cores, cheiros, sabores, formas... são irresistíveis! A mais famosa de todas é a maçã, que o Demônio usou para convencer Eva a pecar; dando força, Adão embarcou junto. O papo-furado de padre perguntar na hora do casamento se é “na alegria e na tristeza”, veio daí. Reclamam alguns, porque neste vale de lágrimas ainda pagamos as consequências do pecado original; outros dão vivas, pois usufruimos vantagens da situação: caso contrário estaríamos confinados no Paraíso. Não é por nada, não – mas a ideia de passar a vida cantando hinos sacros e fazendo preces, não faz muito minha cabeça. E se foi pecado, foi doce e saboroso! Pela contramão vai-se à mal afamada Casa do Capeta, onde a gandaia é liberada... conquanto no recinto faça um calorão dos infernos!

Precisava ser alguém muito bobinha para acreditar naquela conversa fiada, sobretudo vinda de uma cobra! Porém, dê-se o desconto: Eva era apenas uma adolescente curiosa e, desconfiam muitos... loiríssima! Haverá programa melhor para os marmanjos, numa tarde de verão, que saborear cervejas geladas e por tira-gosto curtir a paisagem maravilhosa duma beira de piscina, povoada de evinhas com biquínis minúsculos? Portanto...

Voltando às frutas (vegetais, claro!), de que falava ao me embrenhar por atalhos que realçam minha cretinice, não existe fórmula para resistir a elas. É impossível esquecer o cheiro da cagaita. Ignorar a doçura da mangaba. Nem se cogita algum prazer que supere ao de chupar jabuticaba, madurinha, trepado no pé. E abacaxi? Por fora espinhento, assustando os medíocres; descascado, em fatias, recorda o mel do primeiro amor... É pena que hoje não se conheçam mais as frutas do cerrado: araticum, bacupari, gabiroba, jatobá, mama-cadela, pequi...

Do que me recordo, apenas de uma nunca fiz questão em comer: a tal jaca! Recoberta de espinhos falsos, furta-cor, obesa, fedorenta... regula com melancia-gigante e fica dependurada pelo talo, lá em cima, no pé. Caso despenque na cabeça do infeliz, certo como dois e dois não somam três, a viúva mete a mão na grana do seguro de vida – sirigaitando com namorado novo!

Pela variedade das frutas, dois quintais em Bom Despacho nunca serão esquecidos por mim: o da sinhá Mariazinha, no Jardim-sem-flor, medindo um quarteirão inteiro - semelhava o próprio Éden! Com outros moleques fiz ali deliciosas colheitas. Certa noitinha, em que lá apanhávamos mangas, tentando identificar os larápios para denunciar aos respectivos pais, a dona Maria apareceu empunhando uma lamparina. Lusco-fusco, vista fraca, foi em vão. Daí, pegando um bambu comprido, ela começou a chuchar a bunda de quem estava mais embaixo. Não demorou nada, o Pacau arrancou pela braguilha seu instrumento de mijar, e apagou a luz. E nós meninos escafedemos, quintal abaixo, incógnitos pelo menos até a próxima safra!

Outro pedaço do céu na terra, que visitei às escondidas, foi o pomar da Joanita do Babau, próximo ao Larguinho, onde hoje crescem - mas não florescem e nem dão frutos - eifícios e condomínios! A vida em apartamento é tediosa: sem quintal, pés de frutas, terra pra sujar... Contudo, em tempos não muito remotos, localizou-se na dita quadra uma das sete maravilhas bom-despachenses, devido a excelência das frutas! A dona Joanita não precisava cutucar intrusos: seu pomar era vigiado por um cachorrão que metia medo até dormindo... Porém não bastante para impedir que ali fizéssemos incursões oportunas, roubando gostosuras. É que antes, calculadamente, alguém da turma passava no Açougue do Peké, surripiando ossos e muxiba de carne de gado, para a fera!




Autor: Dilermando Cardoso - Bom Desapcho/MG

http://recantodasletras.com.br/autor.php?id=73941
Publicação autorizada através de e-mail de 18/05/2012

3 comentários:

Ana Bailune disse...

Muito bom! Lembrei-me de quando roubava pêssegos (verdes) do vizinho... uma vez, ele nos pegou. Disse apenas: "Era só pedir!" Mas que graça teria?

Celêdian Assis disse...

Meu querido conterrâneo Dilermando, quanto tempo não leio as suas deliciosas (como as frutas) crônicas. Revi nesta o nome de algumas frutas que eu adorava na infância, quando ia para a fazenda de meus avós, como a gabiroba e mama-cadela. Essa última nunca mais vi e a maioria das pessoas por aqui, nunca ouviram falar dela. No meu caso, a graça nem era roubar as frutas, mas as incursões pelo cerrado à procura delas.

Você continua com o mesmo humor adorável em seus textos.
Um abraço, amigo.
Celêdian

Carlos Costa disse...

Ah, Dilermando, como era doce a vida de todos quando tinham quintais!