Autor: Professor Wanderley Dantas
O velho caipora vai sempre lá em casa. Aliás,
caipora visita todas as casas da aldeia todos os diaspela
manhã. Caipora é um índio com uns 80 anos de idade,
que se arrasta com seu andar bem vagaroso ajudado por um pedaço de pau que
funciona como muleta. Ele está quase cego. Para falar conosco, costuma se
aproximar bem para conseguir distinguir nosso vulto. O médico da cidade falou que
caipora ficara cego por causa da sífilis. Sim, doenças venéreas são um problema
grave enfrentado pelos povos indígenas e elas têm deixado sua triste marca.
Os outros índios
brincam muito com caipora, uma vez que ele já não enxerga bem e também já não
se lembra mais de muita coisa. Os índios gostam de
contar para o caipora que ele tem mulher em outra aldeia e que ela está
esperando por ele. Ele acredita nessas histórias e começa a contar outras: diz
que já foi casado há muito tempo com uma mulher branca e que teve filhos com
ela. Os índios dizem que isso é mentira, mas todos na
aldeia concordam que caipora foi um grande caçador de onça, caçador de arco e
flecha.
Um dia, antes de
entrar na casa do cacique, na qual eu estava morando, caipora entrou na casa
vizinha e viu ali o pequeno índio Marcos de quatro
anos de idade. Marcos é uma criança ligeira e logo depois correu da casa do
vizinho para a casa em que eu estava. Pouco tempo depois, veio também o velho
caipora.
- Hehu! Onde você estava? Suas filhas estiveram
por aqui procurando por você? Mentiram para o velho caipora os índios da minha casa. Estavam se referindo às duas
enfermeiras brancas que tinham visitado há pouco a aldeia para uma ministração
geral de remédio para verme.
- É mesmo?! Minhas filhas vieram aqui? Caipora
acredita.
- Ô, velho, você não viu elas aqui?
Perguntavam, enquanto todos na casa seguiam rindo das mentiras que contavam
para o caipora.
- Sim, eu vi. Eu precisava que elas lavassem
minha rede, está muito suja... Estou com saudade da mãe delas... Preciso dela
para me aquecer...
Toda aquela situação me cortava o coração,
pois caipora ficava triste mesmo.
- Quando eu estava junto delas -continuou
caipora - uma vez eu fui atrás de uma onça. Peguei no arco e na flecha. Hoje, índio nenhum sabe caçar mais no arco e na flecha. Eu fui
campeão de arco e flecha! Recordava-se o velho caipora das suas aventuras da
juventude. Enquanto os índios riam do caipora, de
repente ele olhou para o pequeno Marcos e se assustou.
- Que menino é esse?
- Ô, velho, é meu filho. Disse alguém.
- Mas esse menino estava lá na outra casa
agora mesmo!
- Ô, velho, não é o mesmo não. Você viu foi o
irmão dele lá na outra casa. São dois, são gêmeos. Mais uma vez, mentiram para
o caipora. Contavam essas coisas e todos na casa riam do susto do velho caipora
que, então, começou a praguejar.
- Gêmeos? Que absurdo! No meu tempo, não
acontecia um horror desses. Como já se viu, deixar essas crianças vivas! Está
tudo errado! Gêmeos! Não acontecia essas coisas quando eu era mais moço... E
caipora saiu da casa, soltando suas imprecações. Enquanto isso, os índios riam e riam da mentira que contaram para o velho.
Não há gêmeos na cultura. Eles sabem que uma
das crianças tem um espírito mau, mas como não sabem qual dos gêmeos tem esse
espírito mau, assim que nascem, enterram ambas as crianças vivas.
Autor: Professor Wanderley Dantas
http://o-seringueiro.blogspot.com.br/
Publicação autorizada pelo autor
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