segunda-feira, 25 de março de 2013

Lágrimas profundas de um desamor


Autor: Rangel Alves da Costa
 
Deixe-me chorar minha lágrima, padecer meu pranto, entristecer de vez...
Deixe-me assim tão silencioso e rio, tão desalento e mar, tão angustiado e temporal.
Deixe-me com minha tempestade, com minha inundação, com minha insanidade. Raios, trovões, relâmpagos, esse céu que se corta sobre minha cabeça e se torna flecha em meu peito e tudo.
Foi somente uma palavra. Uma só palavra. Uma palavra. Palavra para dizer adeus. E disse adeus com borracha, com tinta fresca, com tapume, com outra cor sobre tudo.
Simplesmente disse adeus como se mil anos de nossas vidas fosse apenas um muro que se apaga num gesto o que há tanto tempo estava escrito.
E na palavra a borracha, a tinta fresca, o tapume, uma cor sobre tudo...
Disse adeus e depois a porta, depois a rua, depois a esquina, depois a sombra, depois o nada. E o que ficou para trás ficou para trás.
Os passos não alcançam aos que caminham sem volta. E não merece busca quem escolhe seguir adiante sem a mão que lhe ajudaria a caminhar.
A sombra que virou a esquina e o mundo construído que se perdeu, que foi embora, não restarão senão como espaço vazio em quem ficou. Em mim.
Mas eis a visão da sombra na sombra do quarto vazio, ao lado do corpo vazio, escorrendo pelo olho de rio, imenso caos no olhar que se perde em nuvens.
Se tudo fosse diferente e de repente a vida no lugar do vazio, da solidão, do medo, da eternidade que se anuncia. E tudo é diferente, e de repente o nada, o vazio, o caos...
O grito não quis gritar por medo de ser ouvido e o olhar se voltar apenas para confirmar o adeus. A boca não quis falar porque já não existia. Não podia mais.
Somente um desamor assim para tudo ser vento, folha de outono, restos que voam no ar. Está adiante e já não está, e o olho se perde querendo achar.
Ah, você diria que eu não deveria amar assim. Você diria que eu não deveria chorar assim. Você diria que eu não deveria sofrer assim. Você diria tudo. Mas você não seria capaz de sentir o amor que sinto.
Grande honra reconhecer o amor, reconhecer que ama, reconhecer a falta que faz. As casas desabam porque há feridas nas estruturas, e não porque o vento soprou nos seus lados.
O amor se completa em si mesmo, é tudo, é mais. Não será verdadeiro aquele amor somente na presença do outro. E por ser tudo, será ainda amor mesmo que o outro não deseje mais amar.
O vento sopra a fogueira, apaga a chama, mas deixa a brasa; a correnteza leva o manto da areia, mas deixa a semente plantada; a cortina esvoaçada cortando o silêncio, porém a mudez permanece; o amor desama em um, mas no outro metade desse amor permanece.
E o outro sou eu, permanecendo no amor. E pouco importa se apenas sou parte, se sou apenas o verso do espelho, se sou a metade escondida, se sou o pouco que resta. Mas tudo uma parte e parte de tudo que já não é mais.
Não é mais o amor na parte que foi, que saiu, que disse adeus, que virou sombra, que dobrou a esquina, que sumiu. Mas na outra parte, a parte que sou, permanece o amor inteiro, completo, absoluto.
E não me diga do erro de amar assim. Fingir o amor quando tudo acaba é a covardia dos apaixonados que não sabem amar. Não sou assim. Se amo com amor assim permaneço amando, ainda que nunca mais a outra parte perdida.
E se amo assim, dou-me o direito de expressar a saudade, a angústia, a aflição, a tristeza, o sofrimento, tudo, da maneira mais honesta que alguém possa ser consigo mesmo: chorando sem medo e sem culpa. Apenas chorando.
Então me deixe assim tão tristonho e rio, tão sentimental e mar, tão angustiado e temporal.
Deixe-me com minha tempestade, com minha inundação, com minha insanidade. Raios, trovões, relâmpagos, esse céu que se corta sobre minha cabeça e se torna flecha em meu peito e tudo.
Deixe-me assim. Deixe-me ficar assim. Seria mentira não estar assim.


Autor: Rangel Alves da Costa - Aracaju/SE
Poeta e cronista
Publicação autorizada pelo autor

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