Autor: Rangel Alves da Costa
Deixe-me chorar minha lágrima, padecer meu pranto,
entristecer de vez...
Deixe-me assim tão silencioso e rio, tão desalento e
mar, tão angustiado e temporal.
Deixe-me com minha tempestade, com minha
inundação, com minha insanidade. Raios, trovões, relâmpagos, esse céu que se
corta sobre minha cabeça e se torna flecha em meu peito e tudo.
Foi somente uma palavra. Uma só palavra.
Uma palavra. Palavra para dizer adeus. E disse adeus com borracha, com tinta
fresca, com tapume, com outra cor sobre tudo.
Simplesmente disse adeus como se mil anos
de nossas vidas fosse apenas um muro que se apaga num gesto o que há tanto
tempo estava escrito.
E na palavra a borracha, a tinta fresca, o
tapume, uma cor sobre tudo...
Disse adeus e depois a porta, depois a rua,
depois a esquina, depois a sombra, depois o nada. E o que ficou para trás ficou
para trás.
Os passos não alcançam aos que caminham sem
volta. E não merece busca quem escolhe seguir adiante sem a mão que lhe
ajudaria a caminhar.
A sombra que virou a esquina e o mundo
construído que se perdeu, que foi embora, não restarão senão como espaço vazio
em quem ficou. Em mim.
Mas eis a visão da sombra na sombra do
quarto vazio, ao lado do corpo vazio, escorrendo pelo olho de rio, imenso caos
no olhar que se perde em nuvens.
Se tudo fosse diferente e de repente a vida
no lugar do vazio, da solidão, do medo, da eternidade que se anuncia. E tudo é
diferente, e de repente o nada, o vazio, o caos...
O grito não quis gritar por medo de ser
ouvido e o olhar se voltar apenas para confirmar o adeus. A boca não quis falar
porque já não existia. Não podia mais.
Somente um desamor assim para tudo ser
vento, folha de outono, restos que voam no ar. Está adiante e já não está, e o
olho se perde querendo achar.
Ah, você diria que eu não deveria amar
assim. Você diria que eu não deveria chorar assim. Você diria que eu não
deveria sofrer assim. Você diria tudo. Mas você não seria capaz de sentir o
amor que sinto.
Grande honra reconhecer o amor, reconhecer
que ama, reconhecer a falta que faz. As casas desabam porque há feridas nas
estruturas, e não porque o vento soprou nos seus lados.
O amor se completa em si mesmo, é tudo, é
mais. Não será verdadeiro aquele amor somente na presença do outro. E por ser
tudo, será ainda amor mesmo que o outro não deseje mais amar.
O vento sopra a fogueira, apaga a chama,
mas deixa a brasa; a correnteza leva o manto da areia, mas deixa a semente
plantada; a cortina esvoaçada cortando o silêncio, porém a mudez permanece; o amor
desama em um, mas no outro metade desse amor permanece.
E o outro sou eu, permanecendo no amor. E
pouco importa se apenas sou parte, se sou apenas o verso do espelho, se sou a
metade escondida, se sou o pouco que resta. Mas tudo uma parte e parte de tudo
que já não é mais.
Não é mais o amor na parte que foi, que
saiu, que disse adeus, que virou sombra, que dobrou a esquina, que sumiu. Mas
na outra parte, a parte que sou, permanece o amor inteiro, completo, absoluto.
E não me diga do erro de amar assim. Fingir
o amor quando tudo acaba é a covardia dos apaixonados que não sabem amar. Não
sou assim. Se amo com amor assim permaneço amando, ainda que nunca mais a outra
parte perdida.
E se amo assim, dou-me o direito de
expressar a saudade, a angústia, a aflição, a tristeza, o sofrimento, tudo, da
maneira mais honesta que alguém possa ser consigo mesmo: chorando sem medo e
sem culpa. Apenas chorando.
Então me deixe assim tão tristonho e rio,
tão sentimental e mar, tão angustiado e temporal.
Deixe-me com minha tempestade, com minha
inundação, com minha insanidade. Raios, trovões, relâmpagos, esse céu que se
corta sobre minha cabeça e se torna flecha em meu peito e tudo.
Deixe-me assim. Deixe-me ficar assim. Seria
mentira não estar assim.
Autor:
Rangel Alves da Costa - Aracaju/SE
Poeta e
cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
Publicação
autorizada pelo autor
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