quinta-feira, 20 de junho de 2013

Minha terra natal

Autor:  João Batista Stabile

Antes de começar o texto, quero deixar claro que não sou contra a evolução dos tempos nem tampouco contra o avanço tecnológico, apenas tenho saudades dos tempos que vivi com minha família e meus amigos, uma vida simples e saudável na zona rural.          
A humanidade está em constante evolução, é natural que seja assim a tecnologia também, e tem facilitado muito a vida moderna em todos os sentidos em contra partida tem gerado problemas de difícil solução que se não for resolvido poderá comprometer seriamente a vida de todas as espécies no planeta, a questão ambiental como o aquecimento global, o lixo, o esgoto  e outros mais.
Dentre tantos fatores que mudaram completamente a nossa vida, vou citar apenas um, a televisão.
Minha infância na fazenda até inicio da década de 1970, ninguém tinha televisão, as pessoas chegavam a tarde da roça tomava um banho de bacia, chuveiro de balde  ou em alguns casos apenas (si lavava), jantava ouvia radio AM eu me lembro que tínhamos um velho radio de caixa de madeira que pegava muito bem rádios de São Paulo e de  outros estados, deve ser porque naquele tempo tinha poucas rádios, não havia tantos sinais, ouvíamos programas sertanejos.
Na colônia que eu morava, quase todas as noites o pessoal reuniam-se num gramado em frente, cada um levava um saco de estopa vazio para sentar. Os adultos homens e mulheres conversavam contavam casos e as crianças brincavam, até no máximo  nove horas da noite horário que o fiscal batia o sino nove badaladas que significava silencio, somente aos sábados e vésperas de dias santos isto é que ninguém trabalharia no outro dia aí o sino não tocava e teoricamente havia liberdade para entretenimento até mais tarde.
Já que falei em sino, vou contar algumas coisas sobre isso. Havia antigamente nas fazendas um sino que ficava geralmente junto à casa do fiscal, este servia para a comunicação com todos os empregados, pois quando soava  ouvia-se em qualquer lugar que tivesse da área habitada ou seja das colônias, além de avisar que era hora  de ir descansar (não era obrigatório e sim simbólico) para o trabalho no outro dia,  servia também como sinal de alerta que era usado em caso de incêndio em qualquer parte da fazenda.   
Lembro-me quando criança de ouvir-mos à noite o sino tocar aceleradamente, às vezes estávamos já deitados, mas todos sabiam o que significava. Meu pai levantava vestia uma roupa, calçava o sapatão de  serviço, pegava uma ferramenta, enxada ou foice ou as duas e saia.
Minha mãe e nós meus irmãos e eu saiamos na porta da casa e já víamos os outros homens da mesma forma saindo de suas casas para cumprir o dever de todos que era independente do dia ou da hora dirigir-se imediatamente ao local do incêndio, que dependendo da distancia de casa dava para ver o clarão das chamas, às vezes era longe porque a fazenda era grande ou então era em outra fazenda  pois o dono tinha outras fazendas da região.
Depois quando eu já era jovem tive a oportunidade de participar destas tarefas algumas vezes.
Sempre tinha uma ou duas vezes ao mês terço em alguma casa a noite, fora aqueles em dias de festa, por promessa ou para agradecimento  a algum santo. Aos sábados ocasionalmente tinha um bailinho em alguma casa da colônia, onde colocava uma vitrola que chamávamos  de sonata  com alguns discos antigos e o povo dançava homens e mulheres, rapazes e moças.
Nestas ocasiões sempre circulava um litro de pinga com uma xícara de louça para os homens tomar um traguinho. Era gostoso e havia respeito era um ambiente familiar, os jovens aproveitavam para namorar. A dança ia até aproximadamente duas ou três  horas da madrugada nunca mais que isso.
Outro costume que havia, e esse eu já jovem fiz muitas vezes, era aos sábados jogar truco, em quatro ou seis pessoas, aqui também sempre estava presente  o litro de pinga com a xícara de louça, que ficava no pé da mesa ao alcance do dono da casa que de vez em quando parava o jogo para uma rodada de pinga.
Outra coisa que era comum não só nas fazendas mas também na cidade, era os homens fumar, não se tinha consciência dos malefícios do tabaco, os meninos começavam a fumar muito cedo, foi o caso do meu irmão e eu. Então quando íamos jogar truco, já fazíamos um cigarro de fumo de corda e palha de milho já bem grande para não perder tempo fazendo depois que começava o jogo.
Esse jogo começava sempre após a janta, por volta das oito horas da noite e  ia até aproximadamente duas ou três horas da madrugada.
Aos domingos muitos iam à cidade, que chamávamos simplesmente de (vila), alguns iam a missa como meu pai e eu ia muitas vezes com ele, os jovens ficavam passeando no jardim em frente a igreja paquerando, os mais velhos conversando, sempre encontravam algum amigo que morava em outra fazenda, ficávamos até umas dez horas ou pouco mais e depois íamos embora.
Com a entrada das televisões na década de 70 nas colônias, os costumes foram aos poucos mudando, como era novidade todos ficavam ansiosos para assistir aos programas, novelas, filmes e infelizmente as famílias e vizinhos já quase não se reuniam mais para bater papo, mas para assistir televisão.
Os terços, bailinhos e jogo de truco continuaram ainda, mas tornaram-se mais raros.
Com a decadência da cafeicultura na região no final desta década, aos poucos as famílias foram mudando para a cidade, nós também mudamos em 1982, depois de mais alguns anos já não havia mais lavoura de café na fazenda, apenas gado.
Mais para frente à fazenda foi dividida, parte  ficou para um herdeiro do velho fazendeiro e a parte que ficava a sede e tudo ao em torno e as colônias foi vendida.
Hoje já não existe mais nada, a sede foi transformada não tem mais o terreirão, o secador e a máquina de beneficiar  café, também não tem o rancho das carroças e dos carros de boi com suas mangueiras para os animais.
Das colônias não se vê nem vestígios, quem passar por lá nem imagina que naquele local havia três colônias grandes que viviam ali muitas famílias.
Quantas histórias de vidas de felicidades e tristezas, como eu quantas pessoas  lá nasceram e foram criadas, muitos vieram de fora passaram um tempo e foram embora novamente, alguns lá morreram.
De tudo isso como eu já disse antes não há nem sinal, existe apenas na lembrança daqueles que viveram, amaram como eu, aquele pedaço de chão, minha terra natal.

Autor: João Batista Stabile - Marília/SP

http://www.recantodasletras.com.br/autor.php?id=111693

Publicação autorizada pelo autor

2 comentários:

Maria Mineira disse...

Seja bem vindo ao blog, João.Vai gostar de publicar seus contos aqui. Gandavos é um lugar onde encontrei grandes amigos e tive a oportunidade de publicar meus textos em um livro.

Ana Bailune disse...

Deliciosas memórias, João! Parabéns pelo texto.