Jericó,
o burrinho que sabia os dias da semana( Esta estória eu a escutei da boca do
meu avô, que a ouviu da boca do avô dele – de nome Romualdo – com quem
acontecera o caso de um burrinho muito inteligente que sabia os dias da semana
de cor e que virou uma lenda no Centro-Oeste de Minas Gerais)
─Jericó
... Eta burrinho inteligente .... Veja vocês que ele sabe os dias da semana
de cor...
Quando
eu falei assim, o Matias Beba, um vaqueiro ruivo e de sardas na cara, riu
assoberbado. ─Donde já se viu burro inteligente,
compadre Romualdo? E o Posico, crioulo alto, cabelinho de picumã, acabando de
enrolar seu palheiro, emendou: ─Uai, burro é burro, tem jeito
de ser inteligente não, Rumuardo! O próprio nome já conta!
A gente
era em cinco pessoas, os outros dois, o Tõe Ludovico e o Zé Sinhana ficaram
calados, mas sacudiram a cabeça em sinal de concordância, como a dizer: ─Tá dereito! Tá dereito!”
O
risinho irônico daqueles dois caboclos parecia estar debochando da minha fala
sobre o Jericó e apoiando as tiradas do Matias e do Posico.
Comigo
não, Sebastião. Como existe Deus no céu, vou provar provadinho que o que tô
falando num é mutreta não. É verdade verdadeira.
Nós
tinha acabado de tirar o leite das vacas do coronel Venício Ramalho,
no retiro dos Munjolos. Enchemos três latões de 50 litros. Um era levado para
dentro, usado nas despesas da casa grande, pra fazer queijo, requeijão, doce,
biscoito, bolo, broas ... Aquelas gostosuras que a dona Afonsina fazia como
ninguém numa fartuura que o povo da família comia, os empregados e as visitas
também e ainda sobrava.
Mas
voltando às latas de leite, as outras duas que não entraram nesses pormenores,
essas eram levadas todo santo dia para a cooperativa da cidade. Ah! ia
esquecendo, de menos no domingo.
Com o
tempo, tinha-me esquecido do pouco caso dos meus companheiros sobre minha
conversa a respeito do burrinho Jericó.
Mais num
é que fiquei sabendo que os merda andaram esparramando o causo e muita gente
tava mangando de mim de eu dizê que o Jericó era inteligente e sabia os dias da
semana de cor!!! ─ Isso é pataquada do Romuardo –tão
falando por aí.
Então,
de noite, lá em casa, debaixo das coberta, consurtei os conseio da Barbina,
minha muié. E ela achou que eu tinha mais é que reagi. E conseio da Barbina
pra mim é ordem.
Decidi,
portanto, que eu ia prová pressa gente que Romuardo Rufino Garbaza, filho de
Raimundo Rufino e Rita Garbaza lá do Puladô, é caboclo sério. Num é home de
pataquada.
Aí falei
pra Barbina: ─Eu vou é partir pro debate com esses
mequetrefes.
No
domingo de tarde, cheguei mais cedo na venda do Pedro Miséria, no arraial do
Mato Seco. A turma tava toda lá. Bebendo cachaça, garrada no truco, jogando conversa
fora. Fui entrando, meio espaventado, dei bons dias como é de praxe pela boa
inducação. Logo fui falando antes que arguém me argüisse:
─Sem
contá esse, daqui a dois domingo, cês tejam todos aqui. Vou provar com
testemunhas idôneas o que falei e tenho dito sobre o Burrinho Jericó.
Houve
um silêncio domo o de velório de defunto importante. Cheguei no barcão e pedi
uma cachaça. Bebi de um trago. Paguei o Pedro Miséria. Dei boas tardes pra todo
mundo. Cisquei da venda, sem proseá mais nada com ninguém. Montei meu cavalo
rusio e vortei pra fazenda.
No dia
marcado, eu tava de vorta lá na vendinha. Um povão me esperava num burburinho
de desconfiança. Chegaram comigo o Posico, o Matias, o Ludovico e o Zé Sinhana.
Além deles, o Néia, filho do meu patrão. Cheguemo. Abrimo caminho até o balcão.
Cada um,
na sua vez, foi falando: ─O Romualdo tem razão. O Jericó é um
burro inteligente. Ele sabe mesmo os dias da semana de cor. Na vez do Néia, ele
falou que tinha visto, por duas semanas, com seus óios que a terra hão de
comer, o seguinte sucedido:
─De
segunda a sábado, às seis horas da manhã, o Romualdo pegava o cabresto e ia, lá
no fundo do pastinho, buscar o Jericó. Ele chegava no curral. Comia o que tinha
no cocho. Era cana, mio ou fubá a fim de lhe dar sustança pra viagem. O
Romuardo esperava ele acabá. Botava freio, baixeiro e sela. Punha o peitoral.
Apertava a barrigueira. Punha as latas no lombo dele e os dois iam trotando pra
cidade.
Aí o
Néia, ante uma platéia atenta, encerrou:
─Mas no
domingo, gente, acreditem se quiser...só no dia de domingo,
que é o dia de forga do Jericó, num carece de buscá. Ele vem sozinho. Amanhece
na porteira do curral para comer sua ração no cocho. Conclusão: ele então sabe
contá divera os dias da semana de segunda a domingo direitinho.
E
arrematou: ─É só o que eu tinha pra contá. E hoje
ninguém se preocupe, não A bebida é à vontade e por minha conta em homenagem ao
Jericó, o burrinho mais inteligente do mundo, e ao
Romualdo, homem de palavra. Pra esse eu boto a mão no fogo. Tudo que ele falar,
todo mundo deve acreditar.
5 comentários:
(Padrão usado em todos os textos comentados para dar a todos um tratamento igual). Fazendo pois uso dos critérios apontados no regulamento, deixo aqui minha impressão: ortografia, gramática e pontuação mostram o domínio da norma, o sotaque da fala e sua transcrição é uma das características mais marcantes de ‘causos’ e não se deve considerar erro. Muito pelo contrário: é uma escrita muito consciente do que deseja comunicar. E esse é um causo dos bons. Uma história muito agradável de se ler, contada de forma envolvente e com muito bom humor, o desfecho é típico, funciona e valoriza o texto. Diria que está dentro da proposta do concurso (observando o requisito de demonstração de afeto pelo animal). Lembrando que estou apenas comentando os textos sem compromisso. Avaliação pessoal: ótimo causo! Parabéns à autora ou ao autor e muito boa sorte! (Torquato Moreno)
Texto bom, dentro dos parâmetros do concurso com boas imagens literárias. Parabéns a quem o produziu.
Tem humor já gosto logo! E a boa fala da roça também me cativa de imediato. O texto é envolvente, o final muito bem tramado, com suspense e tudo. Parabéns. Marina Alves.
Tem humor já gosto logo! E a boa fala da roça também me cativa de imediato. O texto é envolvente, o final muito bem tramado, com suspense e tudo. Parabéns. Marina Alves.
Gosto de causos, e este é um dons bons.Conceição Gomes.
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