Quatro horas da madrugada. Saio ao portão para
abri-lo, fechando bem o roupão para me proteger do frio. Lá fora, o brilho no
asfalto molhado. No beiral do telhado, ainda as gotas deixadas pela intensa
garoa que cessara de cair. "Quem sabe - penso - hoje o sol apareça
trazendo o conforto, um dia com menos frio." Meu filho se despede , com
otimista sorriso, saindo para trabalhar.
Fechando o
portão avisto, sentado na calçada, o menino de oito ou dez anos, reparando
também que ali se encontra só. Deixando de lado um princípio de receio
aproximo-me dele e lhe pergunto o que faz ali... De braços cruzados, não me responde
abaixando o rosto para não me olhar. Noto-lhe os cabelos e roupas molhados; em
meu peito, uma espécie de alfinetada. Desisto de perguntar mais, só se não
gostaria de entrar e tomar um chocolate quentinho com um pedaço de pão. Insiste
ele em seu enigmático mutismo. Peço-lhe que me aguarde , que já voltarei com
uma reforçada refeição. Resolve então, seguir-me, e à luz da sala, estudo-lhe
as feições e os olhos congestionados de quem chorou. Ofereço-lhe um banho
morninho e roupas sequinhas, mas ele não quer. Concorda em lavar o rosto
enquanto preparo o café. O achocolatado, o pão, os biscoitos, o silêncio
quebrado, sua história expressada em "sentimentos molhados", poesia
que me aflora, que agora transcrevo para não esquecer...
"Caminho sob a chuva sem agasalho
Minha
roupa molhada colada ao corpo
Não
sei se está mais fria a chuva ou minh'alma
Meus
pés se ferem sob o cascalho
Como
se fosse um trapo por torcer
Continuo com os sentimentos encharcados
Rumo
a qualquer coisa que me ampare
Debil
busco por sua presença para viver
Mas
tolo sou por ter esperança
Me
abandonou sem piedade
Escolheu a droga para amar
Ao
invés de mim que sou criança"
Nota:
"O nome
do menino é Antonio. Hoje é um jovem senhor de bem, graças a mão amiga de uma
mulher."
Autora: Chila Alves - Santo André/SP
Nenhum comentário:
Postar um comentário