A canção vem de longe. Acorda a
lembrança e sacode a memória, vinda do fundo do Tempo, doce e envolvente,
percorrendo de volta os caminhos da infância.
Eu era o mais taludinho do grupo,
criado ao sol e à chuva, seis a oito “capitães da areia” dos marmeleiros e das
malvas da Fazenda Cangalha, na vila de Custódia, que branquejava ao sol do
sertão.
Devia ser maio ou junho, íamos pela
vereda estreita e de repente, num deslumbramento, apareceu aos nossos olhos
atônitos o açude cheio, sangrando na fúria da enchente. Moitas verdes boiavam
na água barrenta, onde o sol rebrilhava e as andorinhas ligeiras molhavam as
penas nos voos curtos de flechas.
No ar pairava o cheiro forte da terra
molhada, o odor da vegetação que surgira, de noite para o dia no milagre das
primeiras chuvas, tapetando de verde o sertão, que ressurgia feliz. A babugem
enchia o olfato, perfume agreste de mato novo surgindo da terra molhada,
estadeada ao sol, salpicada de flor-de-jurema na festa da fecundação.
Paramos no alto e ficamos olhando a
paisagem fulgurante, diante dos nossos olhos. Depois sentei-me à sombra de um
pé-de-turco que floria ao lado, crivado de florzinhas amarelas. Ao redor em
silêncio, o grupo aguardava ordens: Jobelino, de riso largo, Pedrinho que
chamava manancia, Apolínio, invencível na baleadeira. Erasmo, orgulhoso no
canivete Corneta, “Lulu” de claros olhos e cabelos caídos à testa, Quincas e
Abraão, este o caçula da turma, gordinho e rosado, chorando com a picada das
urtigas. Também havia a índia. Sim, ali estava Xarapa, de negros cabelos e
talhe delgado, ágil como as corças, que a fome tangera de Vila-Bela para a vida
farta da fazenda de “seu” Nemésio Rodrigues.
Um dia ela chegara, de olhos baixos e
voz sumida, vestida de trapos, cabelos endurecidos pela poeira das estradas,
quase nua e faminta, pedindo um pouco dágua e um pedaço de pão.
Dona Marta lhe matou a fome e lhe
cobriu o corpo que desabrochava.
Ela ficou ajudando a preta Ana, nos
afazeres da copa.
E quando a gente varava o mato em
busca de fruta silvestre e de ninhos de pássaros, de uma curva qualquer dos
caminhos, ela saltava à nossa frente, de olhos brilhando, o cabelo solto, o
corpo esguio e moreno, ligeira como as corças. Nós a batizamos de Xarapa.
Porque ela era do grupo, tinha
direitos adquiridos, tomava parte nas brincadeiras e nas traquinadas e quando
menos se esperava, desaparecia, voltava para a preta Ana, chegava desconfiada,
a malícia nos olhos de amêndoa, pisando de leve, com pés de gato.
E sem palavras, lavava os pratos,
levava a ração aos porcos, varria o alpendre e o terreiro. Logo mais, porém,
quando menos se esperava, lá estava ao nosso lado, caçando ninho de rolinhas e
de pomba avoante, procurando umbu maduro e murta cheirosa. Ali à beira do
açude, fiamos olhando a água nova, o voo certeiro das andorinhas, a paisagem
deslumbrante do açude sangrando.
De repente Xarapa começou a cantar
uns versos magoados que ela trouxe de Vila-Bela. Talvez a lembrança do pai
morrendo à míngua, intoxicado com farinha de mucunã, a mãe desgarrada pelo
mundo; dois filhos nos braços e um no ventre, talvez a via crucis da retirada
exaustiva, sangrando os pés nos caminhos, tudo isso amolentou a garganta e adocicou
a voz de Xarapa.
Porque a música era tão triste que
doía na alma e nos chumbava em silêncio.
O tempo apagou os versos daquela
canção dolorosa.
Só a música persistiu, a melodia é
que ficou na memória, plangente e magoada como um poema que tivesse perdido as
palavras e ficasse gravado na lembrança feito somente de sonoridade.
Crônica
de Luiz Cristóvão dos Santos, extraída do livro Caminhos do Pajeú. Ed. 1954
Texto enviado por Jorge Farias Remígio em 03/05/2020
ENTREVISTA: RENATO SIQUEIRA DIRETOR DO LONGA: ”ATRAÇÃO DE RISCO”
Bruno Sorc
24.03.20
Prepare-se para um interessante bate-papo com Renato Siqueira, um profissional que ostenta a bandeira e luta diariamente pelo cenário independente do país. Diretor, roteirista, produtor, montador, ator e especialista em efeitos especiais, também é professor de atuação no SENAC.
Nascido em São Paulo nos anos 80, se formou em radialismo e teatro. Desde os seus 14 anos de idade, se prova um amante de cinema, dedicando a sua carreira em diferentes vertentes e acumulando mais de 30 obras ficcionais.
Além de diversas participações na TV, recebeu indicações em diversos festivais de cinema com o seu filme de estréia, no qual se tornou o primeiro longa-metragem de terror sobre possessões a ter lançamento mundial para 86 países via NETFLIX. A sua jornada com Diário de um Exorcista – ZEROse tornou inspiração para produtores nacionais e internacionais.
Recebam agora o grande Renato Siqueira! Agradeço aqui o tempo cedido pelo cineasta. Seja bem-vindo ao espaço do Cinem(Ação).
Dito quem é o “Renato’’, nos apresente Atração de Risco e fale um pouco do que se trata o seu Longa.
Renato Siqueira: Trata-se de um thriller de suspense, recheado de segredos, mistérios e reviravoltas, com toques de terror psicológico que mistura estilo o “psicopata” com “stalker”.
É um prazer saber que somos os primeiros a entrevistá-lo!E estamos aqui falando de um filme 100% independente ou que contou com alguma lei de incentivo?
Renato Siqueira: Eu sempre trabalhei com investimento privado, seja com o dinheiro do meu bolso, ou com empresas e parceiros que invistam no cinema, portanto, meus filmes são até agora 100% independentes. Eu não sou de forma alguma contra as leis audiovisuais, só acho que elas não funcionam como deveriam funcionar. Essas “leis” pregam em ajudar quem precisa, mas não é isso que acontece. Nós sabemos que essas “leis” só beneficiam uma classe, que eu a costumo chamar de “elite”. Essa “elite” monopoliza todo o dinheiro público designado para os projetos e também a publicidade da forma que deseja. Se o seu filme não tiver rostos conhecidos, ou um diretor contratado de certas “empresas”, então, o mercado se fecha para você. Não vou mentir, eu fui atrás de órgãos públicos para tentar ganhar algum incentivo, mas devido a burocracia no processo de seleção, captação e outros problemas, evitei novamente a recorrer a essa ilusão. Eu espero que tudo seja reformulado e as leis funcionem e beneficiem quem realmente precisa, que a repartição seja justa para todos.
Entendo perfeitamente. Queria registrar aqui o meu agradecimento pela oportunidade de entrevistá-lo novamente, viu? Tive a honra de bater esse papo quando o Diário de um Exorcista – ZEROchegou no NETFLIX e já gostaria de perguntar: o cenário nacional melhorou ou piorou de lá pra cá?
Renato Siqueira: Eu que trabalho focado no empreendedorismo, está muito melhor, pois acredito que o cinema está passando por um ciclo de mudanças que para alguns “chorões” isso não é bom. Para mim é extremamente maravilhoso, porque vejo um cinema nacional mais forte, com opções tanto na parte privada, quanto na pública. Uma se torna extensão da outra, trabalhando juntas, fortalecendo e dividindo os incentivos para arte e cultura. Pensa comigo, no atual momento de todas as mudanças no cenário cinematográfico brasileiro, com a escassez de conteúdos novos, as produtoras, distribuidoras e investidores no geral, ficam sem opções para ofertar conteúdos novos, e o que acontece? Nesse momento o investimento privado torna-se essencial, sem estar vinculado ou dependente de financiamentos públicos, ou seja, essas empresas investem em seus produtos ou abrem falência. As que trabalham sério, continuaram no mercado, porque não sobrevive somente do governo, e assim o mercado se recicla, ficando só a coisa boa, surgindo uma nova leva de investidores, que vão investir sem medo no cinema, porque terão um bom retorno financeiro. E essa maravilha já está acontecendo bem diante dos nossos olhos.
Se me permite, quanto tempo demorou para vocês terem alcançado o ápice do projeto, desde a pré-produção até a pós?
Renato Siqueira: Foram 2 meses de gravação e 10 meses de pós-produção. Foi uma longa jornada, aproximadamente 1 ano de noites em claro, longe da minha família. Só eu, Deus e a minha ilha de edição. Porque para mim, se não tiver sacrifício, não á ganho, não há vitória.
Eu citei o Diário de um Exorcista – ZERO porque foi um grande marco para o cinema independente, mas como você disse, Atração de Risco não tem demônios e nem possessões. Trocaram os espíritos por um belo suspense. O que te fez mudar a pegada do horror macabro e explorar o thriller psicológico ?
Renato Siqueira: Eu sempre gosto de dizer que eu não sou o cara do terror, sou eclético. Gosto de mudar e me adaptar, mas não posso negar que tenho muito apreço pelo terror e pelo suspense. Não tenho uma regra, de repente posso escrever um drama, uma comédia, sei lá, depende do meu estado de espírito.
E essa diversidade em suas obras, essa busca por mostrar domínio cinematográfico, você acredita que vai circundar todos os subgêneros do terror ou acabar ultrapassando esses limites e talvez um dia produzir um romance ou um material de ação desenfreada?
Renato Siqueira: Como disse, sou bastante eclético, depende do meu estado de espírito, mas vou revelar um segredo. Meu gênero favorito é o suspense e sabe porque? Porque dentro do espaço fílmico desse gênero, eu consigo transmitir com mais facilidade a sensação de pavor que o nosso cérebro desencadeia quando estamos com medo. Sabe aquele frio na espinha que nos arrepia? É, eu gosto de mexer com isso, acho fascinante… E porque eu estou dizendo isso? Primeiro, porque essa é a minha forma de trabalhar, antes de começar a roteirizar uma história, eu me insiro nela, criando uma metalinguagem direta ou indireta. Direta é quando quero que o público saiba que muita coisa que aconteceu no filme, realmente aconteceu em “partes”, na minha vida. Indireta é quando não quero que isso seja perceptível ao público, mas as sensações, os medos e pânicos que vivi nessa vida, sempre estarão lá, presentes nas minhas obras. Essa é minha assinatura. Transformar meus pesadelos e acontecimentos da minha vida, em material orgânico para sétima arte. Dessa forma, eu me sinto livre para me entregar de corpo e alma ao trabalho. Eu sempre digo isso, quer me conhecer? Assista e decifre meus filmes.
Renato, você sempre atuou em seus filmes? De onde surgiu essa vontade? Pois hoje eu sou roteirista, louco pra dirigir, mas não quero atuar de jeito nenhum. Nos conte um pouco sobre essa trajetória.
Renato Siqueira: Essa história de atuar é complicado, daria uma entrevista bem longa (risos). Eu sempre tive vontade de atuar para o cinema, e como fazia filmes desde os 14 anos e atuava neles. Gostei tanto que quis estudar. Entrei nas artes dramáticas, comecei teatro, estudei, ganhei alguns prêmios e foi isso. Quando fui para publicidade e cinema, eu percebi que não sabia nada, porque é uma linguagem totalmente diferente. Eu parei e pensei “pô, o que os profissionais em um set de filmagem querem do ator?”. Para que eu pudesse ter o conforto de estar em cena. Aí eu comecei estudar tudo. Mas você sabe que quando sai de qualquer faculdade você sabe um pouco disso, um pouco daquilo, mas isso eu não queria. Como eu estava naquela base de conquistar uma atuação verdadeira diante da câmera, de me sentir confortável, eu comecei a estudar mesmo. Me formei como câmera. Como diretor de fotografia. Como diretor artístico. Montador. Efeitos visuais e quando vi que tinha um grande currículo, fui trabalhar em novelas. Mas eu encontrava grandes erros, via câmeras quebrando o eixo. Via várias coisas erradas de profissionais. E me veio o estalo, “vou fazer os meus próprios filmes”. E comecei e não parei mais, porque me apaixonei e tinha toda uma bagagem para isso. Não precisava de nenhum profissional para fazer, porque eu fazia tudo.
Vejo que a produção de Atração de Risco está em um nível ainda mais alto e conta com grandes nomes no casting. Você diria que o Diário de um Exorcista – ZERO abriu muitas portas para você?
Renato Siqueira: Sem dúvidas as portas se abriram. Após o lançamento do “Diário de um Exorcista”, eu e meu parceiro, meu braço direito, Beto Perocini, ganhamos uma certa confiança no mercado. Sempre fazendo propostas de produzir com pouco, mas fazendo com qualidade. Com essa visão, estamos avançando e recebendo outras propostas para produzir longas nesse mesmo formato. Eu sempre digo, se me derem uma verba de 5 milhões para produzir um longa, eu faço com esse dinheiro 6 longas com extrema qualidade. Uma proposta bastante atrativa para quem quer investir em cinema, não acha? A partir dessa premissa, as chances de um investidor ter retorno é infinitamente maior.
Ô se é! É um jeito interessante de pensar e propor trabalho. Aliás, eu gosto muito do casting, parece que você escolheu a dedo esse pessoal. Como foi trabalhar com tamanha equipe?
Renato Siqueira: Quando abrimos os testes para o “Atração de Risco” não sabíamos o que nos esperava. A seleção foi anunciada em duas etapas, a primeira o ator/atriz tinha que enviar uma cena, com um texto que a produção estava disponibilizando. A partir daí escolheríamos os candidatos para o teste presencial. Até aí tudo bem. No segundo dia da primeira etapa ficamos assustados, já tínhamos recebidos 1300 vídeos, e até o fim da data estipulada recebemos um total de 8 mil vídeos. Meu irmão, é vídeo teste que não acaba mais. Tivemos que redobrar nossos esforços e passar algumas noites em claro para escolher minuciosamente os atores para a segunda etapa. De 8 mil vídeos, selecionamos 40 pessoas para o teste presencial. Por isso posso dizer, meu elenco eu selecionei a dedo com muito amor. E posso me gabar também, pois meu faro de diretor está a cada dia mais apurado.
Oito mil?! Que demais!Confesso aos leitores que já assisti o filme e é coisa de louco. Recomendo! Mas queria frisar que houve uma grata evolução entre seus longas, isso é graças a equipe? Bugdet? A pós está incrível!
Renato Siqueira: Como teve uma verba privada, eu consegui terminar esse material todo em um ano. Melhorei muito na parte da equipe, estou com uma equipe fantástica para gravação e o próximo passo será investir em ter outros editores trabalhando comigo, porque na parte de montagem, edição e pós produção, meu irmão, ficou igualzinho ao “Diário de um Exorcista”. Eu tive que arcar com tudo. Eu editei, eu montei, eu fiz o som 5.1. Eu fiz tudo que você pode imaginar, color grading. Tudo que você viu ali foi trabalho meu. Não tive ajuda de ninguém. Posso dizer que o Beto me ajudou em algumas coisas, mas já com 80% do material pronto.
Que trabalheira! Nos conte mais sobre essa parceria com Beto Perocini, de onde surgiu essa amizade? Cedo demais para perguntar se já planejam mais coisas juntos?
Renato Siqueira: Beto Perocini, além de ser um grande profissional, que eu admiro muito, hoje ele é meu amigão também. Eu trabalho com cinema desde os meus 14 anos, atuar então, vem de berço. Nos anos 2000 comecei a lançar meus curtas na internet e foi assim que o Beto me conheceu. Olha que honra, ele se tornou fã do meu trabalho e quando estava para se formar na escola de cinema, me convidou para atuar em seu TCC. O Perocini foi até a minha casa, com bastante humildade para me mostrar o roteiro do curta, eu amei. Se tratava de um curta de super herói, fiquei motivado em participar do projeto e tomei a liberdade de chamar para atuar também no projeto, um outro grande amigo, Ruben Espinosa. Claro, com a permissão do Beto. O trabalho aconteceu, ficando bem satisfatório para época, e a partir daí, iniciamos nossa jornada de trabalho e amizade que já dura muito anos. Eu e o Betão, como costumo chamá-lo, estamos já com um novo projeto de suspense engatilhado, se não fosse pela quarentena devido ao Coronavírus, já até teríamos iniciado a produção dele.
Olha só! Mais um trabalho indo pro forno, demais! Se me lembro bem, Diários de um Exorcista – ZERO foi uma adaptação literária, é verdade que Atração de Risco está fazendo o caminho inverso?
Renato Siqueira: Na verdade tanto o “Diário de um Exorcista”, quanto o “Atração de Risco”, fizeram o caminho inverso. Primeiro, eu e o Beto escrevemos os roteiros juntos, e no processo de gravação dos longas, fomos adaptando a história para letras. No “Diário de um Exorcista”, chamamos para nos ajudar a escrever e também para ser co-autor da obra literária, o escritor Luciano Milici. O mesmo processo aconteceu com o “Atração de Risco”, para nos auxiliar, chamamos o escritor Dan M que também se tornou co-autor da obra. Os dois livros ficaram sensacionais, o “Diário de um Exorcista” está a venda nas livrarias e o “Atração de Risco”, está em produção e logo será lançado.
Em nossa última entrevista – convido a leitura de todos – perguntei quais diretores o inspirava e sua resposta não se limitou apenas ao cinema de horror. Sendo assim, dessa vez lhe pergunto quais obras de suspense lhe inspira?
Renato Siqueira: Sou fanático pelo terror e suspense dos anos 80 e 90. Eles me inspiram muito. Bom, vou citar só alguns nomes de filmes do gênero suspense, ok? “Atração Fatal”, “Instinto Selvagem”, “O Silêncio do Lago”, “Invasão de Privacidade”, “Silêncio dos Inocentes”, “Infidelidade”, “Obsessão Fatal”, “Dormindo com o Inimigo”, “A mão que balança o berço”, “Medo”, “Anjo Malvado” e por aí vai…
Agora, quebrando o gelo um pouco com uma leve brincadeira, você teria algum ator/atriz que seria um sonho poder dirigir e atuar ao lado? Se sim, por que exatamente essa pessoa?
Renato Siqueira: Vamos ao sonho que nunca vou realizar (risos). Ellen Burstyn e Al pacino, para mim, atuar ou dirigi-los, tanto faz (risos). Agora porque essas pessoas? A resposta se encontra no trabalho magnífico que eles exerceram durante as suas carreiras.
Agora vamos ao que interessa! Quando esse filmão estréia e por onde o leitor do Cinem(Ação) poderá assistir?
Renato Siqueira: A partir do dia 16/04/20, a produção estará disponível nas seguintes plataformas digitais: NOW, Looke, Google Play, iTunes, Vivo Play e Microsoft Store.
Poxa, no atual cenário de pandemia, será ótimo! Facilita bastante! E este formato de streaming vem sendo uma escolha estratégica da equipe ou um pedido do mercado em geral?
Renato Siqueira: No momento trabalhar no mercado de nicho ou formato Streaming, como preferir, está sendo muito melhor em questões financeiras.
Com a sua experiência no segmento, como você vê o cenário nacional hoje? O que temos que evoluir para virar uma indústria? O streaming é o caminho natural para isso?
Renato Siqueira: No Brasil temos excelentes profissionais e quanto ao streaming, com certeza é o futuro. Já é. Porque possibilita que o produtor independente tenha um bom retorno financeiro. Agora vem o principal, sermos empreendedores, não ficar só na dependência do dinheiro público, buscar outros caminhos, fazer do investimento privado algo tão rentável quanto ao cinema de financiamentos públicos. Quando essa proporção ficar equiparada, teremos um grande avanço no cinema nacional, eu diria até o início de uma indústria.
Queria primeiramente parabenizá-lo por tamanha dedicação e competência, e falar que sempre estarei aqui, torcendo, consumindo e te ajudando a divulgar. Em breve farei uma crítica por aqui. Parabéns mesmo pelo esforço, e espero em breve estar fazendo uma terceira entrevista!
Agora para encerrar, te presenteamos com este espaço para que convoque o público a assistir “Atração de Risco” no dia 16/04e deixe uma mensagem para o pessoal do Cinem(Ação).
Renato Siqueira: Se você quer ver boas atuações em um suspense nacional de tirar o fôlego, assista “Atração de Risco” pois, a tentação é a mais afiada das lâminas.
ENTREVISTA PARA O CINEM(Ação), publicada em sua integridade no Blog Gandavos, autorizado por Renato Siqueira, diretor do filme Atração de Risco, em 25/03/2020.
Atualmente percebo com
tristeza o que tem acontecido nas escolas, principalmente nas públicas. É
lamentável! Agressão de alunos a professores, violência e drogas entre os
jovens, depredação dos prédios e outras tantas barbaridades...
Fala-se em militarizar
as escolas, colocar policiais armados, rondas da Polícia Militar. Coloca-se
câmeras de segurança nos pátios, tudo na tentativa de inibir a ação de alunos
sem interesse nos estudos. Eles vão à escola para passar o tempo e fazer
arruaças e assim, atrapalham aqueles desejosos de aprender.
Em minha opinião, tudo isso é consequência de
décadas de descaso com a educação pública no país por parte dos governantes,
agravada na década de noventa com a implantação da progressão continuada que,
na verdade, implica aprovação automática.
Vou
recordar como era na década de setenta, quando eu cursei o chamado na época de
Ginásio e Colegial, que correspondem agora ao Ensino Fundamental Ciclo II e
Ensino Médio respectivamente.
Não sou contra a evolução dos tempos! Muitas
coisas facilitaram muito nossas vidas, mas junto com isso, vieram os problemas
que desafiam as autoridades da área da educação.
A escola que frequentei fica no município de
Presidente Alves, interior do estado de São Paulo. Chamava-se Escola Estadual
de Primeiro e Segundo Grau “Cel. José Garcia”. Depois, na década de oitenta,
teve seu nome mudado para Escola Estadual de Primeiro e Segundo Grau
“Professora Maria Aparecida Coimbra”. Houve mudança também do prédio escolar.
Ela ficava em uma esquina. Era um terreno
grande com um declive para o fundo. O prédio fora construído afastado da
calçada. Em frente, nas duas ruas, havia apenas uma mureta baixa e entre ela e
o prédio havia muitos canteiros de flores.
Os alunos entravam por
um portão lateral ao fundo que dava para um pátio coberto ligado ao prédio por
um corredor também coberto. Na saída do pátio, havia dois degraus, um lance,
mais dois degraus, outro lance e chegava a uma escada de aproximadamente seis
ou sete degraus que dava num saguão. Nos dois lados encontravam-se salas de
aula, à frente perto da saída, a secretaria, depois uma escada para o piso
superior. Subia-se um lance, fazia-se uma curva e outro lance para chegar ao
andar de cima, onde existiam mais salas de aulas.
Ao pé da escada, devido à curva em cima,
ficava um vão entre a escada e a sala da diretora, em seguida era a sala dos
professores. Nesse vão, de aproximadamente, dois metros de largura por três de
fundo, havia um armário para guardar materiais escolares, uma mesa e uma cadeira. Lá era o posto de trabalho
do responsável pela ordem e pelo cumprimento dos horários da escola.
Ele não era fortão, não lutava artes marciais,
não usava arma e nem levantava a voz com ninguém. Pelo contrário, era um homem
de meia idade, de estatura pequena e calvo. Seus instrumentos de trabalho eram
apenas um relógio de pulso de pulseira de couro preta para marcar a hora de
trocar as aulas, um sino de bronze com cabo de madeira, para dar o sinal de
entrada, troca de aulas e saída e uma régua de madeira de trinta centímetros.
Era o inspetor de alunos, Sr. Alcides Moreira
de Oliveira, conhecido pelos professores, funcionários, alunos e pais de
alunos, apenas por seu Dadi.
Seu Dadi impunha respeito pela sua postura
séria. Era enérgico, sem ser autoritário. Chamava a atenção sem humilhar
ninguém. Os adolescentes e jovens o respeitavam, mas não o odiavam, pelo
contrário, estimavam-no.
Meu irmão, minha irmã, eu e outros colegas
morávamos na fazenda e estudávamos à noite, assim como muitos de outras
fazendas e mais os alunos da cidade. Seu Dadi conhecia os pais, se não de
todos, da grande maioria dos alunos.
Na hora do recreio, o pátio e os espaços entre
o prédio e o pátio ficavam cheios de alunos de quinta série a terceiro
colegial. A idade variava de 11 a 18 anos, e havia alguns repetentes com mais
de 18.
Quando as vozes e risadas estavam alta demais,
ou havia correria dos meninos, seu Dadi chegava no alto da escada e ficava
batendo com a régua na mão, até que os barulhentos viam e uns avisavam os outros e a ordem era
restabelecida rapidamente.
Não digo que nunca houve problemas.
Esporadicamente acontecia sim alguma briga entre os meninos, ou um mau
comportamento por parte de algum aluno, mas nesse caso, seu Dadi, sem
dificuldade, os encaminhava para a sala da diretora.
Nas formaturas, tanto do ginásio como do
colegial, todo ano, seu Dadi estava entre os escolhidos pelos alunos, como
paraninfo, patrono ou homenageado de honra da turma. Em minha formatura do
terceiro colegial em 1979, nossa turma o escolheu como homenageado de honra.
Eram outros os tempos! Os jovens de hoje
jamais entenderão! Não tínhamos celular, tablet
ou notebook. Não possuíamos mochila
de marca nem material sofisticado. Cada um se virava como podia, de acordo com
o poder aquisitivo dos pais.Mas existia
algo que não dependia de dinheiro, posição social ou tecnologia. Havia respeito.Em
primeiro lugar aos mais velhos. Isso já dava uma enorme vantagem ao seu Dadi.
Depois, devido ao seu cargo, pois ele era uma autoridade constituída dentro
daquelas dependências.
Os alunos se dirigiam aos professores sempre
respeitosamente. Usavam o tratamento de “senhor” ou “senhora’. Seria
inimaginável um adolescente tratar um professor ou professora de “você”. Quando
a diretora entrava em uma sala de aula, todos ficavam em pé até que ela os mandasse
sentar. No corredor, se seu Dadi, ou um professor ou mesmo um servente da
escola chamasse atenção de um aluno, este dificilmente responderia alguma
coisa, sentir-se-ia envergonhado.
Infelizmente esse tempo passou e não volta
mais.Ele só existe na memória de quem viveu essa época. Termino este relato com
o coração apertado de saudade e também de tristeza por saber das condições de
nossas escolas atuais!Que pena!
Dizem que um livro é uma casa de ouro. Tive a grata satisfação ser presenteada com o ouro do meu amigo Carlinhos de Zé das máquinas, era assim que Carlos Lopes era conhecido na nossa Custódia. “Dedos de prosa” afloraram doces lembranças, vivas nas gavetas de minha memoria. Senti a mesma sensação quando um monomotor singrava o espaço aéreo de Custódia, era um alvoroço, o povo sai de dentro das casas para olhar o céu, a meninada corria e gritava. As meninas não tinham a mesma liberdade dos meninos de correr até o campo de Pouso, ficávamos sempre na barra da saia de nossas mães sob olhar vigilante das mesmas. Oportunidades como essas de reviver meu universo são valiosas. Vivíamos numa época sem televisão. Lembro-me que o grande acontecimento era assistir filmes nos finais de semanas no cinema do pai de Carlinhos.
Havia um trato, o filme só começava depois da missa. O bom cristão tinha que assistir a missa toda semana. Minha mãe católica convicta levava sua prole à igreja depois da missa passávamos correndo na farmácia para nosso pai nos dar o dinheiro dos ingressos e íamos ao cinema com o coração saindo pela boca. Quem chegasse primeiro pegava os melhores assentos. Era emocionante ficar esperando o Leão da Metro Goldwyn Mayer abrir a boca anunciando que a película ia começar. Uma ocasião o padre se estendeu muito na homília e nos avisos. Estávamos ansiosos para irmos ao cinema ver um clássico da sétima arte: Bonanza. Meu irmão Marcelo ficou impaciente, pois não queria perder nenhum pedacinho do filme. Finalmente quando o padre falou: Vão em paz e que o Senhor os acompanhem. Meu irmão gritou em alto e bom tom: AMÉM. Diante daquela insubordinação nossa mãe ficou brava e não deixou que ele fosse ao cinema. Ele foi para casa chorando na maior frustação. Por causa dessa e outras ele se tornou ateu.
Lembro-me do filme polêmico que foi apreendido pelas autoridades. O comentário da cidade no dia seguinte era que após o filme os marmanjos fizeram fila na Rua do Sipitinga, a procura das meretrizes.
Sempre digo que a poesia não existe apenas em versos. Vejo fotos e gravuras que considero poemas visuais. Na hora que vi a capa do livro fiquei encantada com a cena. Gostei de saber que aquela menininha da gravura é minha amiga Das Neves, irmã de Carlinhos. Também gostei de ver a gravura de dona Celeste, aquele sorriso eu conheço bem. Ele me acolhia quando eu ia à casa de dona Celeste estudar com Nevinha. Parabenizo o artista Edmar Sales pelo belo trabalho e a você Carlinhos pela gentileza de compartilhar comigo suas boas prosas, Um abraço da sua irmã sertaneja, Texto: Jussara Burgos - Luziânia-GO
Talvez os cemitérios, longe de somente guardar os
mortos guardam também as inesgotáveis angústias dos vivos, o cheiro das velas
acesas e o riscar inclemente das ceras caindo incólumes em todos os tipos de
chãos, terra, cimento, azulejos, gramas e lágrimas e o vento faz as árvores
gemerem no lamento profundo da solidão.
De solidão se fazem os incansáveis corredores que
levam de jazigo a jazigo, de jazigo a jazigo trazendo a dor e a desesperança
nas fotos estampadas, muitos altaneiros, outros em preto e branco, carcomidas
que são pela ação inexorável do tempo; números presos somente por pequenos
parafusos que refletem a luz do sol da vida. Um paradoxo. Uma contradição.
Era nisso que pensava quando finalmente cruzou o
portão do cemitério. Tinha ido colocar flores no túmulo da vizinha que havia
lhe ajudado tanto com os filhos. E agora havia partido, para cair no
esquecimento daqui a alguns anos, ou décadas talvez, mas haverá um tempo que
ninguém mais se lembrará daquela mulher, do que morreu o que fez e talvez não
haja mais herdeiros - pois na corrida muitas vezes lamentável do espaço - que
chorem por ela e aquela foto não passe somente de uma foto e suas inscrições
apagarão para todo o sempre. Como tudo na vida.
Lá fora o sol brilhava mais forte e pareceu que se
transportava automaticamente para outro mundo: o dos vivos com o crepitar dos
trabalhos aqui e acolá, ônibus apressados levando gentes mais apressadas ainda
e a tinta dos paralelepípedos que se desgastam pouco a pouco, de chuva em chuva,
como nós.
Passou em frente a uma casa amarela, com janelas
marrons, muito cuidadas, um extenso jardim de rosas que se desdobravam à medida
que seus passos iam avançando pela calçada e as pessoas que tomavam o chimarrão
e falavam de outras pessoas no julgamento pertinente de todo ser humano.
A sacola que carregava, pois não queria carregar as
velas na mão, agora pesava em seu braço, porque as velas não foram acesas no
túmulo daquela vizinha, não achou jeito de fazer isso, mesmo tendo no
pensamento que além das flores – uns crisântemos brancos dentro de um vaso –
acenderia as velas e rezaria e também passaria um bom tempo por lá a lhe fazer
companhia na solidão dos corredores do cemitério.A sacola que carregava pesou em seu braço,
roçando-lhe as costas, fisgando seu rim. E não foi capaz de ficar cinco minutos
em frente ao esquife da vizinha.
Ela encontrou adolescentes aos beijos cabulando
alguma aula. Um ônibus passou levantando a poeira daqueles dias secos e lembrou-se
de quanta coisa tinha que fazer em casa, varrer as calçadas, limpar os
armários, espanar o pó, secar a roupa, encontrar o marido aposentado sentado
numa cadeira de palha vendo o tempo passar e o mato crescer por entre o cimento
da garagem.
O trinado de um passarinho que ela esquecera o nome
aliviou o pensamento sombrio que estava tendo naquela manhã, fora os beijos
apaixonados e agora esse trinado em hora tão propícia, andava pensando
bobagens, que tudo sobrava para ela fazer e sorte os filhos terem crescido e
pensando melhor, sorte não ser um deles aos beijos na outra esquina, não
saberia o que faria e a sacola pesou mais um pouco em seu braço, pedindo
arrego, uma troca de braço e foi o que ela fez.
Faltava duas quadras para chegar em casa e mais uma
vez um ônibus passou pela rua levantando migalhas de outras vidas e pensou em
quanta gente havia passado por ali com as mesmas passadas que dava ou nas
pessoas que tinham aberto aquela rua há muito tempo atrás, um retrocesso de
memória invadiu sua mente e invocou recordações minúsculas de um tempo que nem
sabia precisar se existira ou não, um vazio sem precedentes: e aqueles que se
foram? Um dia iria também, mas à essa ideia arregalou os olhos, estremeceu e
disse de si para si, falando alto mesmo para que alguém, mesmo que fosse ela
mesma, escutasse que ainda não estava preparada, que não podia partir, queria
ver tantas coisa, talvez um filho formado, ou um neto. Não se achava velha, mas
vendo o marido da esquina, sentado onde achava que ele estaria sentado, imerso
em pensamentos vazios, por que não acendera as velas no túmulo da vizinha?
Faltava pouco para chegar e resolveu comprar pães
no mercadinho ao lado de sua casa. Tinham saído do forno. Cheiravam a infância,
cheiravam a calor humano e pegou uma pontinha para saciar a fome de vida que
tinha ao entrar naquele cemitério de outrora, quando tinha ido mesmo? Mastigava
enquanto pensava no marido e nas velas que incomodavam sobremaneira; um peso
incomum, uma inverdade que não foi capaz de levar adiante, não foi capaz de
acender as velas em seu túmulo de amiga, não foi capaz de cumprimentar o marido
sentado naquela cadeira de palha, onde acharia que estaria e de fato estava, o
que fazia aquele inócuo?
Pendia para o lado, quase caindo, dormindo talvez,
muito sol na cabeça dá nisso e como está quieto. Cutucou-lhe o braço para
acordar, porém não acordou, caiu no chão como caem os pássaros abatidos e sem
defesas, esperando por ela talvez. Caíram os pães e todo o frescor infantil,
caíram as vidas, dele e a sua por não ter derrubado a sacola com as velas não
acendidas no cemitério. Caiu a noite em plena manhã de sol. Seria preciso
acender as velas agora, sem mais tardar.
Falar de amor é chover no molhado. Pois se fala de amor desde tempos que não podem ser relembrados. Como não falar desse sentimento que transforma as pessoas em seus opostos? Tudo já se falou sobre o amor. Mas nada ainda foi suficiente para explicá-lo. Fala-se e cala-se. Porque muitas vezes é o silêncio que mais fala sobre o amor.
Por amor tudo se faz. Por amor tudo se justifica. Por amor se vive e por amor se morre. E também se mata. Sem amor ninguém vive. Mas só de amor, também não.
São muitas as formas para se falar de amor. Falam de amor os artistas em todas as suas manifestações. As manifestações da arte e as manifestações do amor. E o tema nunca se esgota. Fala de amor o homem do povo e o homem da elite. As linguagens podem ser diferentes, o sentimento não. Cientistas, filósofos, o milionário e o sem nada nos bolsos. O crente e o descrente. Não há quem não fale, fala até o envergonhado, o sem jeito, o destrambelhado. Eu falo de amor e você também. Nós todos falamos, de um jeito ou de outro.
Se temos asas, é o amor que nos dá. E é com essas asas que voamos para o mundo da fantasia.. Para o amor tudo é possível.Mas, o amor ao mesmo tempo que liberta, escraviza. Nos faz servos e senhores. Os ouvidos são surdos quando se fala o que parece ser contra o amor. Mas isso não pode ser esquecido: há o amor que eleva e o amor que reduz o ser amante a menos que nada. É preciso escolher, escolher sempre entre essas formas de amor. Quem escolhe a forma rastejante está perdido, sempre estará á sombra, nunca será sol. Quem escolhe a forma que eleva está salvo. Livre para voar, livre para criar. Livre para amar.Mas como escolher se o amor sempre pega de jeito de um jeito que deixa tudo de pernas para o ar?
Amam os que são iguais e os que são diferentes. O côncavo e o convexo. Ama o feio e o belo, o novo e o velho. Não existem regras para os sentimentos embora possa haver para os envolvimentos.
Todos os amores são bem vindos. Mas o maior de todos os amores deve ser o amor a si próprio porque é esse amor que propicia o amor sadio ao outro. Quem não se ama não se respeita. Quem não se respeita também não sabe respeitar o outro. Quem não sabe respeitar não sabe amar. Utiliza em suas relações um arremedo do amor. Um amor cambeta. Um amor que não vale a pena ter. Nem falar sobre ele.
Estela
examinou novamente suas unhas; queria que estivessem absolutamente impecáveis.
Também retocou a maquiagem, borrifou um pouco mais de perfume e passou uma
escova de leve pelo vestido preto colante - o mesmo que Rogério lhe dera no seu
primeiro aniversário juntos, e que ela estava guardando justamente para uma
ocasião como aquela. Olhou o relógio: Ele estava meia hora atrasado.
Estela
respirou profundamente, sentando-se no sofá e ligando a TV. Estava acostumada
Àqueles atrasos, e até mesmo, a ausências sem quaisquer explicações.
Tentando
manter-se calma, procurou concentrar-se no filme, mas a história penetrava em
seu cérebro como água em uma peneira, o enredo escorrendo sem esforço para o
carpete bege. Ela lembrou-se da última conversa que tivera com Carla, há
algumas horas - aliás, as duas tinham brigado. Carla era sua amiga desde os
tempos de colégio, e não conseguia entender que apesar de serem amigas, quem
mandava em sua vida ela era mesma. Havia certas áreas de sua vida que Estela
não permitia que ninguém penetrasse. Lembrou-se mais uma vez das palavras duras
da amiga; palavras que ela tentava esquecer, encobrir, mas que continuavam a
vir à tona toda vez que ela se distraía.
Pensou em
ligar para sua mãe ou para sua irmã, mas estava nervosa demais para conversar.
Sentia calafrios percorrendo a sua espinha.
Ela olhava
em volta, pensando que em breve ele estaria ali, morando com ela; quem sabe,
ele acharia melhor comprar um apartamento maior para eles? Estela estava cheia
de esperanças.
Porque
naquela noite, ele havia prometido que a levaria a um lugar especial a fim de
comemorarem seu segundo ano juntos. Tentou alegrar-se; afinal, ele lhe
prometera que daquela vez conversaria com a esposa; explicaria a ela que já não
a amava mais, e que deveriam separar-se. Estela varria para longe as memórias
das outras vezes em que Rogério lhe fizera aquela mesma promessa, mas que não
cumprira. Sempre havia um motivo para não fazê-lo: a morte da sogra, a doença
da filha pequena, o aniversário da mãe, mudanças importantes no escritório que
exigiam que ele passasse a imagem de alguém com uma vida sólida e regrada. E
ela chorara todas as lágrimas a que tinha direito em cada uma daquelas
ocasiões, mas daquela vez, ele jurara a ela que seria diferente. Pediu-lhe que
ficasse bem bonita, pois quando viesse buscá-la, já estaria livre, e os dois
poderiam sair para jantar fora como qualquer casal normal, sem medo de serem
descobertos.
Novamente,
a voz de Carla ecoando em seus ouvidos. Estela deixou-a vir mais uma vez ao seu
consciente:
-Será que
você não vê que ele está enganando você? Ele não vai deixar a esposa! Para ele,
é muito cômodo ficar com as duas, já que nenhuma dá um ultimato. Você já tem 35
anos, Estela! Logo sua juventude terá acabado. Você quer ser a outra para sempre?
Ou quer passar seus últimos anos de juventude com um homem que não a merece,
enquanto poderia estar tentando encontrar o cara certo?
-Não se
meta na minha vida, Carla, já lhe pedi isso várias vezes! Somos amigas, mas se
você continuar insistindo nesse assunto, teremos que romper a amizade! Já
disse que sou bem grandinha para fazer minhas próprias escolhas!
Carla havia
pego sua bolsa sobre o sofá e saído do apartamento batendo a porta atrás de si,
enquanto Estela secava o rímel borrado - estivera se maquiando para sair com
Rogério - e tentava parar de chorar para poder reaplicá-lo.
Agora, o
atraso chegava a trinta e nove minutos. Estela tentou acalmar-se. Na TV, o
filme continuava. Ela não fazia a menor ideia do que estava acontecendo naquela
história. De repente, ela pensou que também não fazia ideia do que estava
acontecendo na sua própria história. Só sabia que estava apaixonada por
Rodrigo. Viam-se duas vezes por semana, às vezes, menos. Ela não podia
mandar-lhe mensagens - ele cuidava de comunicar-se com ela quando necessário.
Tinha cadastrado seu nome como sendo um tal Jean Carlos, gerente de outra
filial de sua companhia. Jean Carlos realmente existia, caso a esposa
desconfiasse e fosse checar, porém os dois nunca tinham se falado. Rogério pediu
a Estela que, caso a esposa tentasse passar-lhe alguma mensagem por aplicativo,
ela respondesse como se fosse Jean. E que jamais atendesse ligações. Mas a
esposa de Rogério nunca tinha tentado se comunicar com ela, ou com Jean.
Rogério era
cuidadoso, e tinha certeza que a esposa não desconfiava de seu caso com Estela,
mesmo após dois anos. Se ele pensava em deixar a esposa? Às vezes; mas, na
maior parte do tempo, ele gostava do calor do lar, e da companhia da mulher e
da filha, que lhe transmitiam segurança. No fundo, amava a mulher e sua vida.
Amava a casa confortável e ampla onde viviam, e a ideia de sair dela não o
agradava. Mas também estava apaixonado por Estela. Ela era para ele o sal da
vida, o tempero, o que lhe dava forças para enfrentar um dia difícil no
escritório.
Estela era
o seu segredo mágico, sua fonte de vitalidade e prazer.
Duas horas
mais tarde, Estela estremeceu ao ouvir o celular bipar. Mensagem de Rogério:
-"Oi,
amor. Não vai dar. Estamos com visitas. Te vejo amanhã. Beijos."
Simples
assim.
As lágrimas
caíram uma a uma, molhando a saia do vestido.
Suzo Bianco - Celêdian Assis de Sousa - Maria Marcondes Alves - Willes S Geaquinto - Ana Bailune - Maria do Rosário Bessas - Alice Gomes - Augusto Sampaio Angelim - Maria Mineira - Elizabeth Vargas Marcondes - Erick de Oliveira e Silva - Socorro Beltrão - Cristhian Dias - Michele Calliari Marchese - Gerson de Carvalho Silva - Geraldinho do Engenho - Alberto Vasconcelos - Denise Coimbra - Oliveiros Martins de Oliveira - João Batista Stabile - Jussara Burgos - Patrícia Celeste Lopes Jesuíno - Carlos A Lopes - Tadeu de Araújo Teixeira - Viviane Rodarte - Conceição Gomes - José Batista de Lima - José Soares de Melo - Adão Nhozinho - João Batista Silva - Ronan Tales de Oliveira