Uma tarde dessas em que fico lagarteando com a mana em Itajaí, alguém nos perguntou o que é o tal de vento norte. Tentamos, sem sucesso, explicar o fenômeno tão peculiar ao coração do Rio Grande. Ambas salientávamos a intensidade do inverno gaúcho, o frio seco, do vento Minuano cortante [sentido sul] se infiltrando por qualquer vão das blusas tricotadas. Só assim daríamos a dimensão da felicidade proporcionada pelo verão instantâneo trazido pelo vento norte.
Certamente, o vento norte é a minha maior saudade do pago. Chimarrão tem por aqui, churrasco, é só trazer a carne gaúcha [e espeto] que se dá um jeito, os amigos vieram pra cá, em sua maioria, até Polar de 600mL mas o vento norte… Santa Maria tem uma geografia especial, situa-se na depressão central do RS [famoso buraco], circundada por um cinturão de morros, por isso o fenômeno só se dá por lá.
Para tentar elucidar com maiores informações e menos metáforas a dona Evelyn, vou ilustrar um dia de vento norte [fenômeno peculiar apenas à minha terra]. Imagina ir para a cama à noite num frio de -5°C, tremendo, sentindo tudo gelado, sob uma pilha de acolchoados, sim, porque edredom é falácia. Para frio de verdade, viva os acolchoados de lã de ovelha que as vovós costuram. Aliás, ir ao banheiro de madrugada, esquece, mais bem-vinda uma cistite pois só de imaginar o frio do acento do vaso, tu desiste. Contudo, o frio cruel é seco, de vento cortante, sem umidade.
E então, como que num passe de mágica, tu acorda, abre a janela pela manhã, tem um sol lindo brilhando, o céu limpinho, os termômetros marcam de 35 a 39°C, é um dia de verão [veranico como se diz]. E sopra um vento quente, que atinge de 40 a 60 km/h, varrendo as ruas, despenteando as loiras madeixas das santamarienses, batendo portas e derrubando placas, eis o vento norte. Invariavelmente, o dia de vento norte tem céu de brigadeiro e temperatura alta.
Os pesados cachecóis e as luvas são trocados por minissaias e roupas leves, o “encolhimento” inerente aos dias de friagem, é substituído por sorrisos abertos. A felicidade se estampa nos rostos [carpe diem], as ruas ficam lotadas de gente empunhando sorvetes de casquinha pois sabe-se a regra: o dia é único, a trégua não durará mais que 24h. Nessa noite, lotam-se os bares, ouve-se risadas sonoras vindas dos apartamentos e os carros andam de janelas abertas. É tão mágico porque tem prazo de validade e há de se aproveitar cada minuto. Amo!
O dia posterior ao “veranico” é de tamanha umidade que escorre pelas paredes, os vidros embaçam, os cabelos desandam, o frio “de renguear cusco” [abaixo de zero] se apresenta novamente. E, exatos três dias pós vento norte, cai uma enxurrrada [toró], caprichos climáticos da cidade universitária. Não parece possível que na mesma semana usou-se trajes tão opostos.
Confesso que detesto inverno entretanto tenho saudade do frio do pago só pelo vento norte. Continuo afirmando como naquela tarde que se eu tivesse um presente para te dar, Evelyn, certamente seria um dia de vento norte. Aliás, é um dia que eu guardaria numa caixinha para presentear os meus netos.
Autora: Bruna Barievillo
Publicação autorizada por escrito pela autora da obra
Blog da autora: Crônicas do Quotidiano
Endereço: http://brunabarievillo.wordpress.com/
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2 comentários:
obrigada, Carlos, sucesso no seu blog!
Bruna Barievillo, conheci sua bela Itajaí e o famoso Vento Norte. Parabéns pelo deliocioso texto e, um dia volto aí.
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