Autor: João Batista Stabile
Até os anos setenta o perfil dos moradores desta
fazenda tradicional cafeeira era a
grande maioria famílias de brancos católicos, viam-se poucos pardos e raramente aparecia por lá uma
família de negros, quando isto acontecia o povo tratava-os com um certa reserva
até ir conhecendo depois que faziam amizade tudo mudava.
Protestante só tinha uma família que apesar de já
serem conhecidos do pessoal, ainda tinha alguns que guardava uma distancia
deles, não que os desrespeitasse, mas longe faziam comentários sobre sua
religiosidade.
Mas o preconceito que hoje é tão comentado e muito
justamente é combatido, isso naquela época ninguém conhecia, nunca se ouviu
falar sobre isso, agiam de acordo com o
costume e sabemos pela história que a nossa sociedade
sempre foi machista e preconceituosa.
Bom dito isto, vamos ao caso. Aconteceu no ano de 1975 após a grande geada,
chegou para morar na fazenda um homem de aproximadamente uns quarenta anos,
sozinho negro e para piorar a situação tinha vindo de São Paulo seu nome era
Benedito, foi morar numa casa na ponta da colônia.
Imaginem o alvoroço que causou entre os moradores,
os homens mais discretos por vergonha de assumirem que estavam também receosos
com ele quase não comentavam, mas as mulheres e as crianças estavam apavoradas
diziam uns será que não é um maloqueiro, outros ou um feiticeiro? Veio de São
Paulo ta fugindo da polícia.
O pobre nem imaginava o que se passava vivia tranqüilo trabalhava, a tarde fazia sua
comida, o que chamavam na época de (queimar
lata), um dia ele muito inocentemente viu que não tinha sal em casa foi na
vizinha pedir um pouco emprestado, ai que as suspeitas aumentaram pois o povo
supersticioso diziam que não era bom
emprestar sal.
Passado uma semana de comentários e preocupações
chegara o domingo e Benedito foi para a
cidade com uns colegas de serviços, foi
visitar uma família de amigos que
moraram muitos anos na fazenda e era conhecida de todos.
A tarde a notícia chegou as colônias que Benedito
era amigo de tal família, foi um alivio geral então ele não era má pessoa, era
amigo dos fulanos, tudo mudou a partir deste dia o pessoal já o via com outros
olhos, sem aquela desconfiança.
Como disse antes ele chegou logo após a geada, numa
época difícil que o pasto estava todo seco, o administrador encontrando
dificuldade em alimentar o gado, teve uma idéia que logo se viu que não deu
certo. A única planta que estava verde
era a taboa nos brejos, ele mandou que Benedito fosse com uma carroça na beira do rio cortar taboa
e trazer para o curral para ver se o gado comia, não comeram apesar da
insistência.
O corte de taboa não deu certo com alimento para o
gado, mas rendeu-lhe um apelido que ele carregou pelo resto de sua vida, agora sem medo as pessoas já com uma certa
liberdade o apelidaram de Dito taboa.
Dito taboa com o passar do tempo revelou-se uma ótima pessoa, amigo de todos respeitador,
trabalhador era também um pândego, gostava de caçoar dos colegas de trabalho.
Tinha um defeito que só a ele prejudicava, quando
bebia exagerava más não brigava nem desrespeitava família de ninguém, ficava
sim mais brincalhão ainda e perturbava os amigos.
A vida dele sozinho era difícil, então com o tempo
começou a namorar uma moça, encontrou um pouco de resistência por parte da
família porque ela não era lá muito certinha da cabeça, mas mesmo assim um dia
fugiram e foi morar juntos ai família acabou aceitando.
Dito taboa tinha experiência de vida, morou muito
tempo em São Paulo foi metalúrgico,
então tinha muito assunto para conversar com o pessoal de pouco estudo e quase nada viajado nas
horas de descanso ele estava sempre no meio da roda contando estórias.
Ele também gostava de jogar truco e de futebol,
naquele tempo havia torneios de fazendas, ás vezes no campo da cidade ou então
em uma fazenda onde reuniam os times para jogar.
A fazenda em outros tempos tivera time de futebol
até bom, mas agora não tinha gente suficiente para formar um time que pudesse
disputar campeonato, Dito taboa já fazia alguns anos que morava ali e lutava
para conseguir formar um time, mesmo pegando algum jogador da cidade ainda
assim era difícil, ele conseguiu até um jogo de uniformes más time mesmo nada.
Um domingo tinha um torneio numa fazenda e Dito taboa tentou por todos os meios
conseguir um time para participar, chamava um, chamava outro, mas ninguém queria ir, foi então que ele pegou o jogo de
uniforme colocou dentro de um saco e foi para a fazenda onde se realizaria o
torneio.
Chegando ao local tinha muita gente conhecida que
iam jogar ou apenas assistir e nesses eventos sempre montavam um barzinho, e
foi ali que ele encostou com o seu saco de uniformes e começou tomar umas
cachaças e conversa com um, com outro
convidar uns jogadores de um time que havia perdido e não ia jogar
mais, outros de outro time na mesma situação e mais alguns do
povo que estava assistindo os jogos, conseguiu fazer um catado e formar um
time.
Tudo isso foi feito acompanhado de umas boas doses
de cachaça, quando o time estava formado ele já estava bêbado, então ele
distribuiu os uniformes e já não agüentando mais deitou numa sombra e dormiu,
terminado o torneio contrariando todas as expectativas o time do Dito taboa foi
campeão, foram acordá-lo para receber o troféu.
Neste dia ele chegou de volta na fazenda já noite,
com o saco de uniformes nas costas, bêbado porque depois que ganhou o torneio
ele foi beber mais para comemorar, passou de casa em casa mostrando o troféu que havia ganhado todo
feliz.
Dito taboa morou um tempo, não sei ao certo quantos
anos, talvez tenha chegado uma década, trabalhou em diversos serviços, durante
todo esse tempo foi amigo brincava com todo mundo, nunca se ouviu falar que ele
tenha faltado com o respeito com uma mulher, moça ou criança.
Na década de oitenta quase todos desta época já
havia ido embora, a maioria para a cidade, Dito taboa também foi embora depois
de um tempo soube-se que ele morreu.
Ficou a lição de como a sociedade é injusta e como
podemos fazer com que uma pessoa encontre barreiras para adaptar-se ao meio em
que vive, seja pela cor de sua pele , pela posição social, religião ou apenas por ser um estranho, hoje sabemos que isso é
preconceito mas naquela época ninguém tinha esta consciência.
Autor: João Batista Stabile - Marília/SP
Autor: João Batista Stabile - Marília/SP
Um comentário:
Olá, João!
Prazer conhecer mais um integrante da família Gandavos. Seu texto aborda uma temática que é alvo sempre de tantas discussões - o preconceito - de uma maneira interessante, através de uma inserção do conteúdo em outro tempo e em outra diversidade de vida, mas que remete ao nosso presente, onde, mesmo que de outras formas, o preconceito ainda impera tão arraigado na mente das pessoas.
Um abraço
Celêdian
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