quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Um caso de preconceito

Autor: João Batista Stabile

Até os anos setenta o perfil dos moradores desta fazenda tradicional cafeeira era  a grande maioria famílias de brancos católicos, viam-se poucos  pardos e raramente aparecia por lá uma família de negros, quando isto acontecia o povo tratava-os com um certa reserva até ir conhecendo depois que faziam amizade tudo mudava. 
Protestante só tinha uma família que apesar de já serem conhecidos do pessoal, ainda tinha alguns que guardava uma distancia deles, não que os desrespeitasse, mas longe faziam comentários sobre sua religiosidade.
Mas o preconceito que hoje é tão comentado e muito justamente é combatido, isso naquela época ninguém conhecia, nunca se ouviu falar sobre isso, agiam de acordo com  o costume  e  sabemos pela história que a nossa sociedade sempre foi machista e preconceituosa.
Bom dito isto, vamos ao caso.  Aconteceu no ano de 1975 após a grande geada, chegou para morar na fazenda um homem de aproximadamente uns quarenta anos, sozinho negro e para piorar a situação tinha vindo de São Paulo seu nome era Benedito, foi morar numa casa na ponta da colônia.   
Imaginem o alvoroço que causou entre os moradores, os homens mais discretos por vergonha de assumirem que estavam também receosos com ele quase não comentavam, mas as mulheres e as crianças estavam apavoradas diziam uns será que não é um maloqueiro, outros ou um feiticeiro? Veio de São Paulo ta fugindo da polícia.
O pobre nem imaginava o que se passava vivia  tranqüilo trabalhava, a tarde fazia sua comida, o que chamavam na época de (queimar lata), um dia ele muito inocentemente viu que não tinha sal em casa foi na vizinha pedir um pouco emprestado, ai que as suspeitas aumentaram pois o povo supersticioso  diziam que não era bom emprestar sal.
Passado uma semana de comentários e preocupações chegara o domingo e Benedito foi  para a cidade com uns colegas de serviços,  foi visitar uma família  de amigos que moraram muitos anos na fazenda e era conhecida de todos.
A tarde a notícia chegou as colônias que Benedito era amigo de tal família, foi um alivio geral então ele não era má pessoa, era amigo dos fulanos, tudo mudou a partir deste dia o pessoal já o via com outros olhos, sem aquela desconfiança.
Como disse antes ele chegou logo após a geada, numa época difícil que o pasto estava todo seco, o administrador encontrando dificuldade em alimentar o gado, teve uma idéia que logo se viu que não deu certo.  A única planta que estava verde era a taboa nos brejos, ele mandou que Benedito fosse  com uma carroça na beira do rio cortar taboa e trazer para o curral para ver se o gado comia, não comeram apesar da insistência.
O corte de taboa não deu certo com alimento para o gado, mas rendeu-lhe um apelido que ele carregou pelo resto de sua vida,  agora sem medo as pessoas já com uma certa liberdade o apelidaram de Dito taboa.
Dito taboa com o passar do tempo revelou-se  uma ótima pessoa, amigo de todos respeitador, trabalhador era também um pândego, gostava de caçoar dos colegas de trabalho.
Tinha um defeito que só a ele prejudicava, quando bebia exagerava más não brigava nem desrespeitava família de ninguém, ficava sim mais brincalhão ainda e perturbava os amigos.   
A vida dele sozinho era difícil, então com o tempo começou a namorar uma moça, encontrou um pouco de resistência por parte da família porque ela não era lá muito certinha da cabeça, mas mesmo assim um dia fugiram e foi morar juntos ai família acabou aceitando.
Dito taboa tinha experiência de vida, morou muito tempo em São Paulo foi  metalúrgico, então tinha muito assunto para conversar com o pessoal  de pouco estudo e quase nada viajado nas horas de descanso ele estava sempre no meio da roda contando estórias.
Ele também gostava de jogar truco e de futebol, naquele tempo havia torneios de fazendas, ás vezes no campo da cidade ou então em uma fazenda onde reuniam os times para jogar.
A fazenda em outros tempos tivera time de futebol até bom, mas agora não tinha gente suficiente para formar um time que pudesse disputar campeonato, Dito taboa já fazia alguns anos que morava ali e lutava para conseguir formar um time, mesmo pegando algum jogador da cidade ainda assim era difícil, ele conseguiu até um jogo de uniformes más  time mesmo nada.
Um domingo tinha um torneio numa fazenda  e Dito taboa tentou por todos os meios conseguir um time para participar, chamava um, chamava outro, mas ninguém  queria ir, foi então que ele pegou o jogo de uniforme colocou dentro de um saco e foi para a fazenda onde se realizaria o torneio.
Chegando ao local tinha muita gente conhecida que iam jogar ou apenas assistir e nesses eventos sempre montavam um barzinho, e foi ali que ele encostou com o seu saco de uniformes e começou tomar umas cachaças e conversa com um, com outro  convidar  uns jogadores  de um time que havia perdido e não ia jogar mais, outros  de  outro time na mesma situação e mais alguns do povo que estava assistindo os jogos, conseguiu fazer um catado e formar um time.
Tudo isso foi feito acompanhado de umas boas doses de cachaça, quando o time estava formado ele já estava bêbado, então ele distribuiu os uniformes e já não agüentando mais deitou numa sombra e dormiu, terminado o torneio contrariando todas as expectativas o time do Dito taboa foi campeão, foram acordá-lo  para  receber o troféu.
Neste dia ele chegou de volta na fazenda já noite, com o saco de uniformes nas costas, bêbado porque depois que ganhou o torneio ele foi beber mais para comemorar, passou de casa em casa  mostrando o troféu que havia ganhado todo feliz.
Dito taboa morou um tempo, não sei ao certo quantos anos, talvez tenha chegado uma década, trabalhou em diversos serviços, durante todo esse tempo foi amigo brincava com todo mundo, nunca se ouviu falar que ele tenha faltado com o respeito com uma mulher, moça ou criança.
Na década de oitenta quase todos desta época já havia ido embora, a maioria para a cidade, Dito taboa também foi embora depois de um tempo soube-se que ele morreu.
Ficou a lição de como a sociedade é injusta e como podemos fazer com que uma pessoa encontre barreiras para adaptar-se ao meio em que vive, seja pela cor de sua pele , pela posição social, religião  ou apenas por ser  um estranho, hoje sabemos que isso é preconceito mas naquela época ninguém tinha esta consciência. 

Autor: João Batista Stabile - Marília/SP

Um comentário:

Celêdian Assis disse...

Olá, João!
Prazer conhecer mais um integrante da família Gandavos. Seu texto aborda uma temática que é alvo sempre de tantas discussões - o preconceito - de uma maneira interessante, através de uma inserção do conteúdo em outro tempo e em outra diversidade de vida, mas que remete ao nosso presente, onde, mesmo que de outras formas, o preconceito ainda impera tão arraigado na mente das pessoas.
Um abraço
Celêdian