sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Memórias da minha infância - Autor: Nêodo Ambrósio de Castro

             Naqueles tempos, ainda uma criança de pouco mais de 7 anos, via tudo de um jeito diferente. Os adultos pareciam muito grandes. As ruas, eram como avenidas e as casas, tinham sempre uma  aparência de casarão, isso me  fazia parecerem maiores do que realmente eram. Assim foi, para mim, o jeito de ver as coisas.

              Nasci em uma comunidade que, na época, parecia uma cidade, mas era apenas uma parada de trem, com um certo progresso que já vai longe (ou melhor: já foi), mas tinha um aspecto de pequena cidade , onde todos se conheciam e estavam sempre juntos em tudo. Haviam festas de São João, com fogueira, quadrilha de crianças e adultos, casamento na roça. Nesse dia eu aproveitava, tudo era alegria, uma alegria diferente, coisa que não tinha no dia a dia. Acontecimentos de festa mesmo.

               Assistia missa. Essa minha cidade – parada de trens – não tinha padre, mas tinha uma Igreja muito bem organizada e mantida muito limpa e conservada pela dona do lugar. Sim, o lugar tinha um dono, pois tudo ficava nas terras de um fazendeiro poderoso da região e a sua esposa, como quase todas da época, era uma pessoa dócil, dedicada e vivia para as coisas do lar, o que na ocasião era muito comum.

               Que bom acompanhar a procissão com roupa nova segurando vela na mão e cantando os hinos religiosos próprios para a ocasião.

               Na noite anterior, já havia rolado a fogueira e as brincadeiras. As barraquinhas eram o charme da festa, cada qual com suas iguarias deliciosas . Eu sempre pedia de tudo. Não ganhava, mas pedia. Mas no último dia da festa após a procissão havia o leilão, isso sim, me deixava com água na boca de tanta coisa gostosa que arrematavam. Eram tantas guloseimas arrematadas, que as pessoas, às vezes precisavam de ajuda para levarem para casa. Minha família mesmo, arrematava pouco, a gente vivia uma vida simples, mas tínhamos de tudo, não precisávamos de nada, minha mãe achava que levar para casa, por levar, não era nenhuma vantagem. Por isso só levava o que precisava. Não arrematava, simplesmente, para ostentar.

                Essa foi a minha primeira infância. Nada de especial, a não ser quando ia para o sítio da minha avó materna. Aí era bem diferente. Minhas tias estavam sempre me cobrindo de mimos e eu aproveitava. Me lembro do leite que tomava, tirado do diretamente do peito da vaca para a minha caneca de lata, onde já tinha o café, cuidadosamente, o “retireiro” Nelson, propositalmente, fazia espuma com o leite dentro da caneca de café. Parecia que dava um sabor especial ao café com leite. Me lembro das tachas de melado fervendo, onde meus tios cozinhavam o inhame que comíamos de manhã. Me lembro do engenho rodando amassando a cana de onde extraiam a garapa para fazer a rapadura. Quando a rapadura secava e era tirada para o depósito, sobravam pequenas porções que eles chamavam de raspas. Havia os passeios a cavalo, sempre puxado por um dos tios. Coisa de 20 ou 30 metros, mas para mim era uma viagem.

                Não esqueço da venda do meu tio (esse, irmão de meu pai), e também do balanço feito por um empregado que não guardo o nome. Balanço feito de caixote de madeira, vazio. Mas era das minhas primas, não me deixavam brincar. O tio Antônio matando um boi e cortando a carne. Meu outro tio matando um porto. Minha avó assando broa na folha de bananeira no forno enorme que havia no terreiro da casa. Entre tantas outras coisas. Essa parte foi muito agradável, a melhor.

                Aos sete anos, foi necessário mudar, pois tinha que iniciar os estudos no grupo escolar. Custei para me acostumar com aquela enormidade de cidade, na época menos de 5 000 habitantes. Mas tinha um grupo escolar. Uma Igreja com vários padres, um seminário e ruas calçadas, com luz elétrica durante o dia (novidade já que na outra localidade, a tínhamos somente à noite), um jardim, muito bem cuidado, com muitas flores e um chafariz, onde a meninada se reunia à noite para brincar.

                Na escola, quando comecei, minha inocência de roceiro se manifestou de uma forma não muito agradável. Por não entender os princípios aplicados à disciplina da escola, transgredia as normas sem maldade, mas era castigado como se as tivesse planejado, dolosamente. Minhas pequenas transgressões me valeram bons puxões de orelhas e algumas varadas nas pernas. Outras vezes pancadas na cabeça com uma régua que mais parecia uma taboa de construção. As professoras eram sádicas, faziam questão de descer a lenha nos alunos. Bastava um olhar para o lado ou uma distração, para ser trazido de volta à realidade com um daqueles golpes, quase mortais, de réguas de 50 cm. Nunca entendi, porque professora tinha as unhas tão grandes e fortes e mantinha sobre sua mesa uma régua daquele tamanho.

                Minhas aventuras pela escola não pararam por aí. Foram muitos atritos com colegas, os quais, inevitavelmente, terminavam  na troca de socos e chutes. Chegar em casa com o olho roxo, significava encrenca. Minha mãe não agradava muito da aparência. Então era contemplado com mais varadas e castigos.

                Mas encarava tudo como normal e necessário. Apanhar quando criança, muitas vezes, nos livra de situações embaraçosas no futuro, quando já crescidos. Parece que ficava mais experto e saia da zona de litigio com maior desenvoltura e segurança. Acho que se tornou experiência. Encarava como um aprendizaido e ainda menino, naquela época,  já me sentia mais seguro que muito adulto de hoje.

                Para mim, tudo transcorria normalmente, para os padrões muito rígidos da época. Não posso considerar os tombos, os "galos" na cabeça, cortes que me deixaram cicatrizes e furos nos pés, ora por espinhos de laranja ou mexerica ou pregos enferrujados em algum pedaço de madeira deixado por algum adulto desavisado. Todos passavam por isso. Já havia acontecido com meus pais e tios.

                Aos 13 anos tive que ir para o colégio interno. Não durou muito, mas foi uma experiência inesquecível. Nos tempos de exército, não sei bem porque, mas me lembrei muito dessa época.
               No internato, tudo era contado e muito bem controlado. Os horários inquestionavelmente me torturavam, pois sempre era advertido por atrasos. Se atrasasse para o banho, era anotado, se chegava ao refeitório alguns segundos atrasados ganhava mais uma anotação.

                Quando conseguia permissão para sair à rua – aos sábados e domingos era permitido – tinha hora certa para sair e para voltar. Atrasos não eram tolerados. O castigo era sempre a proibição de sair assim como perder o horário de lazer, quando disputávamos uma partida de futebol (uma pelada) no campo já quase sem grama do colégio. Cada anotação valia uma falta, uma falta significava ficar sem o lazer daquele dia, duas nos deixavam fora, também, no dia seguinte e assim por diante, até o limite de 7 faltas que me valia o castigo de ficar preso na sala de estudos, de castigo no fim de semana.

                Nos fundos do colégio passava um rio, mas era proibido nadar, mesmo quando insistíamos em nadar às escondidas, éramos, fatalmente apanhados. Tinha sempre um chefe de disciplina rondando as margens e flagrando os atletas da natação.

                Se esquecíamos de trancar a mala, que era um grande baú ou o armário, sempre desaparecia alguma coisa. Não adiantava reclamar com ninguém. A primeira lição era manter tudo trancado e a chave pendurada por uma cordinha no pescoço. Qualquer descuido era fatal.

                Marcávamos as brigas com horário e local. Afinal dois alunos atracados no pátio ou nos corredores acabava em expulsão. Todos nós sabíamos que nossos pais não eram muito simpáticos à esse acontecimento o que o tornava muito constrangedor. Por isso marcávamos no banheiro, onde um dos alunos mais velhos e maiores fechavam a porta e assistiam de camarote a peleja dos menores. Nessas pinimbas, os chefes de disciplina não intervinham, nem mesmo para assegurar a integridade dos menores. Era cada um por si.

                 As aulas de educação física eram sempre ministradas antes do horário habitual de aulas. Nos dias normais, levantáva às 6 horas, tomáva café às 6:30 e às 7 horas esta dentro da sala de aulas. Nos dias de educação física perdía uma hora. Levanta às 5 da manhã e o restante do horário era, totalmente, o do cotidiano. Nada mudava, apesar dessa disciplina ser obrigatória, não era ministrada no horário das aulas, ou seja, madrugada. Mas para os alunos externos, a educação física era feita, no período da tarde, após a última aula do dia. Só os internos tinham o privilégio de levantar às 5:00 da manhã para praticar atividade física. Esta era uma das atividades que tive, em comum, no exército. Levantar de madrugada para praticar ginástica.

                  Passado esta fase, voltei para a minha cidade que, nessas alturas já tinha um ensino ginasial, e os alunos que estudavam fora da cidade começaram a voltar para casa. Mas nem todos tiveram essa sorte. Alguns permaneceram nos internatos de cidades próximas. Só vindo em casa nas férias ou nos feriados mais prolongados.

                  Assim, vivi e sobrevivi à minha bela e agradável infância.

Autor: Nêodo Ambrósio de Castro - Eugenópolis/MG

Publicação autorizada através de 15/11/2011

Um comentário:

Carlos A. Lopes disse...

Amigo Nêodo Ambrósio, em primeiro lugar obrigado pelos textos enviados. Será um prazer publicá-los. O amigo tem colaborado com o blog desde o seu início. Em segundo lugar, agradeço pelas amáveis palavras dirigidas ao meu modesto texto. Como um dia lhe disse, aprecio o seu jeito de escrever; no entanto, falta-me (o que lamento) o dom natural que o amigo tem ao escrever. Um abraço.