terça-feira, 4 de dezembro de 2012

"A Casa das Mulheres" - Dias Índios (XXIII)

Autor: Professor Wanderley Dantas
 
Quando elas chegaram, era um final de tarde e nos encontrávamos conversando no centro da aldeia em frente à Casa dos Homens. Sem aviso prévio, fomos surpreendidos por aquele pequeno grupo de mulheres indígenas que logo promoveram uma reunião ali. No meio do grupo que chegava havia uma mulher branca que a Lu reconheceu como sendo uma conhecida defensora do fim do infanticídio indígena.

Todos vieram ao centro da aldeia. Então, aquela indígena de pequena estatura, mas forte nas palavras e na postura agressiva, começou o seu discurso se dirigindo a um dos caciques e ao resto do povo que já sentava pelo chão: "Tio, queremos que duas índias daqui nos acompanhem até o lugar em que acontecerá a primeira reunião das mulheres indígenas da Região. Tio, queremos todo apoio da comunidade, pois é importante que falemos com as mulheres que acabou esse negócio de mulher de índio ficar apanhando do marido. Vamos reunir toda a liderança feminina e falar sobre a lei Maria da Penha, que vale para nós também". Ao ouvirmos aquelas palavras e observarmos a maneira como ela falava com o cacique, eu e a Lu ficamos surpresos e nos olhamos perplexos. Creio que nosso rosto foi flagrado pela indígena, que, subitamente, se dirigiu a nós e começou a dizer na frente de todos: "Professor, a índia tem que mandar também. Os caciques tem que ouvir a gente. A mulher tem que mandar"! Bem, quem conhece como as coisas funcionamculturalmente por aqui sabe que essas palavras dela eram a própria instauração revolucionária. Então, ela continuou: "Professor, índio é assim: não cuida do filho, não quer dar escola para as crianças, é muito ciumento, por isso agora a mulher tem que mandar também"! O cacique ficava ouvindo e rindo dela, mas dizendo "verdade, verdade". Bem, ao findar do discurso dela, algumas indígenas da nossa aldeia a seguiram para a reunião.O machismo é um traço forte na cultura. Mas é óbvio que muitas coisas estão sendo vistas e ouvidas pelas indígenas e, consequentemente, nos povos que já têm um contato maior com a cultura não-índia, lideranças femininas têm surgido.

Ainda sobre esse tema, tivemos o nosso primeiro problema cultural com o povo devido a esse machismo que reagiu ao fato das meninas jovens estarem avançando na escola. "Elas não sabem nada", disse-me um indígena. A escola é bem marcada por esse traço: mulheres somente na série inferior com rapazes mais novos. Na série avançada, só alunos homens. Um pai tirou seu filho da 3ª série, porque não queria que ele estudasse com as meninas. "Elas não sabem nada, não quero que meu filho se atrase por causa delas"! Todavia, elas têm avançado e isso nos causou problemas com homens que não têm estudado na escola. Pela primeira vez, eles me questionaram se eu tenho aplicado "provas", pois "as mulheres não sabem nada". A ideia de que as mulheres não sabem nada é tão realçada que, mesmo entre aquelas que têm aprendido português, elas não falam na presença dos maridos.

A própria organização e divisão de trabalho reflete o papel subserviente da mulher. Por isso, mesmo minha filha mais nova de cinco anos de idade, ao observar a Casa dos Homens e descobrir que essa casa no centro da aldeia é um lugar proibido à mulher, perguntou-nos em sua candura infantil: "Papai, onde então é a Casa das Mulheres?”.






Autor: Professor Wanderley Dantas

http://o-seringueiro.blogspot.com.br/

Publicação autorizada pelo autor




Comentários:

Maria Mineira

Bom dia, professor. Desde que entrei aqui no blog, acompanho suas postagens.Esse é mais um excelente texto. Parabéns! Abraço aqui da Serra da Canastra.

Professor Wanderey Dantas

Obrigado, Maria Mineira. É bom estar aqui realmente. Temos oportunidade de mergulhar em tantos brasis diferentes! Abraços aqui da região do Vale do Araguaia




2 comentários:

Maria Mineira disse...

Bom dia, professor. Desde que entrei aqui no blog, acompanho suas postagens.Esse é mais um excelente texto. Parabéns! Abraço aqui da Serra da Canastra.

Wanderley Dantas disse...

Obrigado, Maria Mineira. É bom estar aqui realmente. Temos oportunidade de mergulhar em tantos brasis diferentes! Abraços aqui da região do Vale do Araguaia.