quarta-feira, 23 de julho de 2014

Assaltos e Sobressaltos

Autora: Marina Alves

Sexta-feira, 7 da noite. Tenho uma reunião marcada e não posso faltar. Saio apressada pela rua. Um sentimento esquisito, um receio inexplicável me vem. Não estranho essa estranha sensação: deve ser a mesma que todo cidadão de bem anda tendo ultimamente.
Sigo pensando que a rua está deserta demais para o horário. Não estará muito escura também? Tanta árvore parece ter diminuído a claridade e a visibilidade para quem transita pelas calçadas. O perigo pode estar aí, atrás de algum tronco, de algum canto de muro, de alguma sombra, a espreitar os mais desavisados.
O fato é que nós, interioranos e, principalmente, os remanescentes de outras gerações e de tempos mais tranquilos, ainda não acreditamos que as coisas mudaram e todo cuidado é pouco. Quem gosta de admitir que nossa pacata cidadezinha, tão boa de viver, não é mais a mesma?
Fico entre a dúvida e a perplexidade: durante o dia ouvi pelo rádio, notícias que, mal posso crer, agora são comuns em nosso cotidiano. Por exemplo, hoje, aqui mesmo onde tenho que passar, numa rua outrora pacífica e sossegada, ocorreu um assalto à mão armada, às 13h, em plena luz do dia. Não bastasse isso, o noticiário ainda reforça “só nesse ponto, nessa esquina, este é o terceiro assalto”... Entre sobressaltos chego à minha reunião. Ufa! Que aventura! Ainda bem que devo voltar pra casa de carona com uma amiga...
Sábado, 8 da noite. Vou à padaria. As ruas desertas mostram um cenário próprio de um centro comercial em horário noturno. De repente eu os vejo. São três tipos esquisitos — eu acho. Penso logo que têm cara de suspeitos. Incrível! Nem sei quem são, mas cismo que estão olhando demais a vitrina de uma loja. Não evito um pensamento fatal: estarão tramando alguma coisa? Inofensivos ou não, acabo por me desviar e apertar o passo...
Segunda-feira, 2 da tarde. Estou de folga em casa. Alguém chama lá fora querendo mostrar equipamentos de segurança. Recebo a vendedora com “um pé atrás”. Ela me explica num longo discurso de “marketing” as vantagens de suas câmeras de circuito interno e a eficácia de seus alarmes. Faz uma explanação detalhada sobre a importância de se investir em segurança
Olho bem a cara da moça. Ela já não me parece tão digna de confiança. Com um conhecimento, em minha opinião, exagerado, ela descreve os últimos golpes da praça. E ainda me diz:
― Você sabe que correu um grande risco ao abrir o portão pra me atender? A coisa não tá brincadeira!
Mil pensamentos atravessam de uma vez minha cabeça. Estremeço: e se ELA também for uma golpista? Por que, não? De repente, os seus produtos, tantos folhetos e tantas condições facilitadas de pagamento me parecem mais uma farsa para engabelar pobres vítimas ingênuas. Serei eu esta vítima?
Subitamente, com uma energia surpreendente me decido: não quero nada, fica pra outra vez, não tenho dinheiro, estou cheia de dívidas no momento, tenho compromisso com meus próximos dez meses de salário, e por aí vai... Vale tudo e qualquer coisa que me livre desta pessoa surgida do nada, que me oferece segurança, mas só Deus sabe com que intenções! Tudo é sempre tão suspeito! Hoje em dia, nunca se sabe...

Autora: Marina Alves - Lagoa da Prata/MG

Página da autora:

http://www.recantodasletras.com.br/autor.php?id=64920

Publicação autorizada pela autora

Um comentário:

Marina Alves disse...

Obrigada, Carlos. É sempre um prazer publicar aqui em Gandavos- Os Contadores de Histórias, espaço rico em boa Literatura e bons autores. Abraço da Marina.