sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Já fui atingida por um raio...

Autora: Maria Mineira

Mais que um espetáculo aos olhos, os raios guardam em si a prova que a eletricidade existe em nossa atmosfera. Este fenômeno tem estreita relação com princípios e conceitos físicos, particularmente elétricos.
Temia a chuva quando era criança, me apavorava quando os raios e trovões, em fúria, brigavam no céu feito Titãs, desferindo golpes luminosos, formando um aterrorizante espetáculo, na hora que a chuva desprendia-se das nuvens em rajadas raivosas, açoitando a terra sem piedade.
As goteiras brotavam do velho telhado me acordando com pingos gelados no rosto, nesses momentos eu chorava de pavor, então, implorava à minha mãe que cantasse rezas para abrandar a tempestade. Enquanto queimava ramos bentos, desfiando as contas do Rosário, ela recitava:
—Valei-nos, São Jerônimo e Santa Bárbara! —Protetores contra raios e trovões.
Há pouco mais de dez anos fui atingida por um raio. Não sei ao certo... Me acertou a cabeça, alcançou o corpo todo ou caiu perto de mim?
Aprecio desde menina, subir em árvores para comer fruta no pé. Nunca me arriscaria a fazer isto com temporal a vista, naquela tarde, o céu estava azul. O problema é que a fazenda fica ao pé da Serra da Canastra e quando vem, a chuva pega a todos de surpresa. Parece que foi ontem... Lá estava eu, no alto de uma jabuticabeira daquelas antigas bem grandes, colhendo frutas. Lembro-me do barulho parecido com uma explosão, um clarão incrível, frente aos meus olhos, parecia fogos de artifício com milhões de faíscas e uma luz intensa que cegava, perdi controle dos movimentos, senti que saía de mim... Pensei que havia chegado minha hora...
Dor não senti. Apenas um choque intenso. Não vi mais nada...Soube que despenquei lá do alto, fui jogada longe.     Quando acordei vi um buraco no chão, de onde saia fumaça.
Fato curioso é que os pelinhos dos meus braços ficaram torrados, eu cheirava à galinha caipira sapecada no fogão a lenha. O raio chamuscou meus cabelos, queimei as pontas dos dedos que segurava no galho da árvore, voltei a mim com o corpo dolorido, cheio de hematomas, penso que foi do tombo, não sei ao certo.
O médico que me atendeu disse que foi um milagre, a jabuticabeira pegou fogo e morreu. Não tive coragem de voltar à fazenda do Senhor Chico Chagas até hoje. Por três anos não consegui chupar jabuticaba, sentia choque nos dedos quando tocava nelas.
Estranho o tal destino... Às vezes quase nos tira tudo só para nos apontar o que ainda nos resta. Sobrevivi e comecei enxergar a vida como algo imenso, acreditando ter ganhado uma oportunidade de fazer de novo. Tive essa chance! Estou aqui hoje contando sobre esta experiência incrível.
Xangô, entidade do candomblé, é o senhor dos raios, julga os ladrões com um raio na cabeça. Na mitologia, Zeus também fazia o mesmo julgamento. Se me julgaram naquele dia, fui absolvida por Deus!
Não sei se é pela experiência de quase morte, ou pela descarga elétrica que me percorreu o corpo, despertei e vi a vida de uma nova forma. Hoje em dia uma tempestade de primavera me acalma o espírito. Sinto prazer ao ouvir a chuva gerando eletricidade, cheia de trovões e raios luminosos em céu noturno. Perdi o meu medo da chuva.




* Aconteceu de verdade!









                                    Autora: Maria Mineira - São Roque de Minas/MG

Ilustração: Edmar Sales - Custódia/PE



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Um comentário:

Marina Alves disse...

Que experiência, hein, dona Maria??!! E contado por você nem se fala! Abraço, e parabéns.