sábado, 31 de outubro de 2020

TÍTULO: LEONOR

 



MARIA MINEIRA:

Entre as casinhas daquelas bandas, destacava-se a de Leonor, caiada de branco, com janelas azuis. À entrada, chegando ao terreiro, um cruzeiro enfeitado de cipós floridos. Sendo ela, a moradora, uma viúva ainda jovem e bela, segundo corria na boca do povo, não levava vida de mulher direita.

Pedro estava de  partida, a mãe com cara de satisfação e vitória, finalizava a arrumação  de seus pertences para a viagem. Ele tentava ignorar a mala no chão da sala. O olhar triste para a casinha branca do outro lado do rio, bem ao pé da serra, parecia que  alma queria saltar do corpo e ficar por ali vagando...

Leonor sentada perto do fogão a lenha tentava se aquecer de uma friagem que parecia acumulada de muitas vidas. Aflita, sentia que nada mais poderia ser feito, além de se conformar com  sua triste sina. Tantos momentos bons  perdidos para sempre. Ela sabia que Pedro  logo a esqueceria nos braços de outra mulher, talvez até mesmo aquela imposta pela mãe. Ela queria gritar tudo que estava sufocado no peito para impedir que ele fosse embora e começasse uma vida longe dela. Era jovem, bonito e o  futuro lhe acenava cheio de esperança...

ALICE GOMES:

Berenice, mãe de Pedro, não via a hora de separar o filho daquela sirigaita, como a chamava na roda de amigas .

– Deus me livre deixar meu menino nas mãos de uma mulher dessas! – e desfilava o seu rosário de nomes depreciativos com os quais iniciara uma verdadeira campanha contra a honra de Leonor.

O que ela não contava, nem sob tortura, era do ciúme mórbido que sentia dos olhares do marido para Leonor, desde quando o falecido ainda era vivo! O falecido marido de Leonor fora empregado do seu por muitos anos e, por esta razão, Leonor frequentava sua casa em várias situações, sempre que ela precisava dos seus serviços na cozinha. Já naquele tempo se incomodava com o frescor da juventude e a beleza da empregada. Mas, o ciúme bateu violento, mesmo, foi durante o velório e os preparativos do enterro. Não adiantou o marido argumentar que tanto desvelo  para com a jovem viúva se devia à velha amizade dele com o falecido. Fez questão de impor distância entre os dois,  tomando para si a responsabilidade de suprir as necessidades da viúva, a pedido do marido, sem que ele lá fosse. Então, a partir desse dia, incumbiu Pedro da tarefa, entre outras coisas, de levar todos os meses a cesta básica para Leonor. Para seu martírio, agora era o filho quem caía de amores pela sirigaita.

Leonor, alheia às verdadeiras intenções de Berenice, apenas se lamentava de seu cruel destino. Não tivera sorte, nem com o casamento arranjado pelo pai, quando ainda quase menina, e muito menos com a possibilidade de ser feliz com Pedro, seu verdadeiro amor... O que seria de sua vida agora?

CRISTHIAN DIAS:

Leonor não era santa, mas também não era uma criatura destinada a ser queimada na fogueira, como uma bruxa das histórias medievais. Berenice, como diz o  povo, era uma “beatona” , dedilhava seus rosários, mas continuava sendo a mesma carrasca de sempre.

Recordo a vós, leitores, sobre o dia em que Pedro partiria, o que fez esta  perversa mulher, a fim de arruinar a história de amor dos pombinhos. Para agradar seu filho, propôs ao marido que fizesse no dia 13 daquele mês, um almoço de despedida. Este que de bobo não tinha nada, logo aceitou, pois raramente a esposa avarenta sugeria tais coisas.

E assim, os empregados iniciaram a preparação daquele almoço, cevando o porco alguns dias antes, para que estivesse bem gordo para o momento de colocá-lo no forno. Também se prepararam para fazer uma deliciosa galinha caipira! Seu Agostinho se encarregou de arrumar uma boa pinga para beber com o filho, uma última vez, antes de sua partida.

Dizendo necessitar da ajuda da moça para a preparação do almoço de despedida, Berenice foi até a casa de Leonor e pediu  que comparecesse à sua casa, a partir  das seis horas da manhã para ajudar na cozinha. Inocente era o coração de Leonor, que rapidamente enxugou as lágrimas e pulou de alegria ao receber tal convite, pois assim poderia ver ao menos uma última vez, o seu “Romeu”.

Ao lembrar daquela palavra tão forte, rápida ao balbuciar, mas com um significado tão profundo, que marcava o interior de sua alma, lágrimas correram  e cessaram ao olhar para o botão de rosa, presente do seu amado. Despedida, era a palavra...

HELENA SOUZA:

Leonor sentiu  que não poderia ir àquele almoço,  pois não suportaria  tão grande tristeza ao ver Pedro com outra mulher. Apesar de sentir a rejeição da patroa e vizinha, a jovem  respeitava a senhora Berê. Era assim que a chamava e nunca quis faltar-lhe com o respeito. Disse então que iria sim, ajudá-la no almoço e se sentia na obrigação de fazê-lo.

Leonor nem dormia mais direito, pensava dia e noite na sua desafortunada vida. Não sabia o que fazer, amava Pedro e  jamais se casaria com ele, pois havia outra. Consumiu-se em pensamentos e dias tristes, até na manhã daquele dia 13.  Não se sabe se de tristeza ou de natureza física, a pobre Leonor não conseguiu levantar-se da cama, ardia em febre naquela manhã.

Dona Berenice recebeu um recado logo cedo, avisando sobre a enfermidade da moça. Precisou então ajeitar-se apenas com os empregados da fazenda e providenciar ela mesma, o almoço daquele dia. Acabou conseguindo e tudo saiu como queria.  Na hora tão aguardada por  ela, a jovem  juntamente com os pais chegou à fazenda, para o tão esperado almoço.

Fina e educada ela  comportou-se como uma dama perante os pais de Pedro, seu futuro marido,  a quem deveria amar e cuidar. As famílias trataram de adiantar os preparativos do casamento, sem esquecer da necessária partida do casal, que iria morar bem longe dali. A jovem sentou-se ao lado do noivo e era notável o desconforto entre ambos, pois mal se conheciam e muito menos se amavam. Não tinham no olhar, algo  que somente jovens enamorados compartilham.

Seu Agostinho, ao perceber a situação, tentou deixar o filho mais à vontade, servindo-lhe algumas bebidas a mais. No final do dia, Pedro já estava falante e alegre. Despediu-se de todos e após partirem, mal esperou a noite e  também se retirou, mas não para seus aposentos. Atravessou o rio e caminhou em direção à casa branca ao pé do morro, para cuidar e amar a quem ele realmente desejava...

MARIA MINEIRA/ EPÍLOGO:

Respiração ofegante, coração batendo acelerado, pois Pedro estava decidido a deixar tudo de lado e assumir Leonor, juntamente com os filhos! Seus pais que o deserdassem se fosse o caso. Deixaria o coração falar, não seria infeliz o resto da vida por convenções sociais. Sentia um alívio imenso após ter tomado tal decisão.

Ao se aproximar da casa, estranhou uma lamparina acesa, pois geralmente nessa hora, as crianças já estariam dormindo e Leonor também. Ouviu alguns murmúrios, vozes abafadas e se escondeu atrás do muro de pedras. Pôde ver claramente um homem coberto por uma  capa, se esgueirar por entre as árvores do quintal.

Coração estilhaçado, mas precisava  saber quem era. Sorrateiro, acompanhou aquela pessoa  por alguma distância e não teve mais dúvidas. Pelo rumo que o homem seguiu, pela estatura e até a cor da capa denunciada  pelo clarão da lua, Pedro teve certeza. Era seu próprio pai!

Era o amargo e dolorido  fim de um amor que iluminado sua vida desde a adolescência. Pedro, desnorteado  ficou sentado à luz da lua cheia até a madrugada. Sua existência se transformara em poucos minutos em uma escuridão sem volta. Nunca comentou com ninguém o que pensou naquelas horas em que foi o mais solitário dos  mortais.

Na mesma madrugada entrou na casa onde crescera, pegou sua mala, despediu-se e seguiu rumo à estação férrea. Havia tristeza nos olhos dos pais, mas também um estranho contentamento ao vê-lo partir . O trem chegou na estação quando o dia amanhecia.  

O burburinho dos passageiros não foi percebido, assim como aquele trem, o seu coração parecia ser metálico e frio para sempre. Viu muito beijos e abraços das despedidas, mas nenhum  para ele. Ela não viria se despedir, afinal, o que poderia ainda ser dito? Haviam jurado amor eterno e que só Deus os separaria, mas ela não cumpriu!

A viagem seria muito longa. Tirou da carteira a única foto que tinha de Leonor, olhou pela última vez aquela mulher linda de pele clara e longos cabelos negros, rasgou em muitos pedaços e atirou pela janela. Caía uma chuva fina e com certeza  apagaria a imagem do papel atirado ao vento, mas jamais do coração...

Há muitas léguas dos trilhos, na casa dos pais:

– Berenice, eu não me conformo de ter aceitado sua ideia, ido lá naquela hora levar remédio para Leonor e feito isso com nosso filho.

Ela disse com ar triunfante:

– Prefiro um filho longe de mim para sempre que casado com aquela mulher!

Após cinco décadas, Pedro voltou à antiga fazenda que fora dos pais  e com dificuldade atravessou o rio, obedecendo seus pés que o levaram até a casinha branca já quase  em ruínas. Ao se aproximar avistou sentada num toco  debaixo de uma árvore, uma mulher idosa de olhar sereno. Ela tinha os  cabelos brancos presos por um coque no alto da cabeça. Acomodou-se ao seu lado como se o tempo não tivesse passado e segurando sua pequena mão enrugada, disse:

– Pensei que me amava. Por que me traiu?

– Amava muito. Seu pai aquele dia me fez entender que eu estragaria sua vida, eu fiz a coisa certa.

 Me traiu com ele?

– Com ninguém, nunca!

As mãos se uniram para nunca mais se separarem. No céu, a lua cheia foi testemunha silenciosa daquele momento...


AUTORES;

MARIA MINEIRA, ALICE GOMES, CRISTHIAN DIAS E HELENA SOUZA

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