terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Fotografia - Autora: Ana Soares

A fotografia é o registro de todos os sentidos...
Fotografamos tudo que está relacionado à vida da gente!
A fotografia é o nosso álbum, o nosso melhor arquivo do ventre à velhice...
É a gravidez;
É o nascimento;
O aniversário;
O namoro;
A formatura;
O casamento;
A velhice;
Enfim... Somente a morte não merece o registro, pra ela buscamos é a queima do arquivo - o que é humanamente impossível, pois ela resiste a tudo e ainda assim, perfura e invade a nossa memória...
Curioso, não?
É que nós seres humanos precisamos nos abastecer de provas de "felicidade" do cotidiano para sentir que vale a pena, que fomos felizes ontem e podemos ser hoje também!
O que é ruim não exige provas, registro algum, pois não duvidamos que o mal exista!
O bem é que precisa de registros, de reforços para que tenhamos a confirmação dos fatos - assim o desfrute passa a ser mais prazeroso, o prolongamos e o revivemos com a magia da fotografia...
A fotografia capta também sentimentos.
Olhe para uma fotografia sua do passado e saberá no mesmo instante se você estava triste ou alegre, ansioso ou tranquilo...
A fotografia revela nossa história.
Fotografar é capturar uma parte da essência de cada um.
Ser fotografado é expor-se para depois recuperar os sentidos.
Não consigo enxergar uma vida sem fotografia...
Uma vida sem fotografia é uma vida sem história pra contar.
É um livro em branco, sem flagrantes, sem registros, sem testemunhas - Nunca será lido!

 
Publicação autorizada pela autora
 

Possessão - Dias Índios (XXII)

Professor Wanderley Dantas
Acordei naquela manhã e logo me deparei com o pajé dentro de casa. Ele estava “fumando” sobre uma criança. Perguntei se a criança estava doente e o filho do cacique me confirmou que sim.
-Professor, você não viu nada nesta noite?
-Não, respondi. Realmente, dessa vez fora abençoado por Deus com noites de sono bem profundo.
-Professor – continuou o filho do cacique – toda criança quando nasce tem um espírito perto dela. Ele fica assim por perto dela, mas, quando fazem alguma coisa contra a criança, o espírito avança contra a criança.
-Como assim? Não consegui entender. Falei isso para o filho do cacique, que já vinha se tornando um ótimo tradutor cultural para mim, contando histórias e me explicando as coisas na aldeia.
-Se a criança ficar doente ou se um dos pais fizer alguma coisa contra a criança, por exemplo, se a mãe não der uma comida que a criança quer, então o espírito entra na criança e ela começa a fazer assim.
-Ela teve convulsão, expliquei para ele, que fazia com a mão a mímica do que ocorrera com a criança naquela noite, tentando me explicar.
-Sim! O corpo todo dela ficou tremendo. Mas...
-Mas, o quê? Perguntei incisivamente, pois percebi que ele abaixara a cabeça, tentando entender a situação.
-Mas ele não estava doente e nem a mãe ou alguém fez alguma coisa contra ele... O pajé disse que o espírito está incomodado com outra pessoa. O pajé falou que tem uma presença aqui dentro de casa que está perturbando o espírito, por isso ele avançou contra a criança...
Naquele momento, eu já tinha ouvido o suficiente para entender o que estava acontecendo. Embora eu estivesse morando numa casa com mais de 20 indígenas, percebi que o “espírito” havia se incomodado com a presença do Espírito de Deus. Agora, se o “espírito” disse ao pajé que a minha presença é que era a tal presença estranha na casa e se eles falaram isso para o filho do cacique é algo que só o tempo irá mostrar...

Autor: Professor Wanderley Dantas

http://o-seringueiro.blogspot.com.br/

Publicação autorizada pelo autor




Comentários:

Olá, queridos! Muito bom estar de volta ao Gândavos depois deste período de férias. Quero agradecer mais uma vez ao Carlos por me permitir estar por aqui, uma casa literária tão privilegiada.
Abraços!
Wanderley Dantas
 
Eu é que lhe agradeço pela sua amizade e também pela colaboração com seus maravilhosos textos.
Um abraço
Carlos A. Lopes

 

 



 

O ritual - Autora: Ana Luiza Marques


Rituais são coisas bem interessantes – para não dizer engraçadas – de se observar. Eles dizem muito mais de lugar que qualquer revista de turismo, garanto. Não sou do interior, mas minha família toda é; então sempre fui uma espécie de ‘prima da cidade’ que não entendia como era permitido riscar a calçada de giz pra brincar de amarelinha ou porque não podia comer manga com leite. Não que algum dia eu fosse degustar essa estranha combinação.
Lá estava eu, numa cidadezinha a algumas centenas de quilômetros da capital, no meio de lugar nenhum. Que como toda cidadezinha distante e pequena é composta de uma praça, uma igreja e uma rua principal. Era mais ou menos quatro ou cinco da tarde, hora em que o sol já deu uma trégua para nós mortais, e que cada um está acabando seus afazeres diários. Hora de colocar a cadeira na calçada e tomar um pouco daquela brisa empoeirada, carregada da aridez do sertão. Hora de ver o tempo passar. Já que o tempo não é algo que preocupe muita gente por aquelas bandas de lá. 
De repente, entre as poucas bicicletas e carros que passaram naqueles vinte minutos de calçada e papo furado, um chama a atenção. Um carro de som anuncia para quem queira ouvir que “a família Silveira Pessoa comunica o falecimento do senhor José, e convida todos para o sepultamento amanhã às nove horas da manhã. O féretro (o feoque?) sairá da Rua Padre Leão, número doze. A família agradece este ato de fé e caridade Cristã”. Continuei parada, talvez esperando que alguma explicação viesse depois de tal publicidade. Mas como se nada demais tivesse acontecido, a mulher que estava do meu lado, minha prima, pergunta para a vizinha de cadeira (e de porta):
– Meu Deus! E foi José de quem, tu sabes?
– Menina, tu não soubesse não? Zé da Padaria morreu. (Zé de onde? Eu só observava).
– Mentira! – Respondeu minha prima – e morreu de morte matada ou morte morrida?
- Rapaz, pareceu que foi um negócio no coração...
De noite, o velório. Não, eu não conhecia Zé da Padaria, mas a curiosidade foi maior. Fomos andando, já passava das nove horas e não queríamos nos demorar. Chegamos à casa do falecido. Na casa? Sim, na casa. Aparentemente, haviam tirado todos os móveis da confortável sala de estar da casa de Zé; só estavam o caixão, muitas cadeiras em torno e uma mesa com os companheiros da madrugada: café, água e bolacha. O velar é passar a noite ao lado daquela pessoa que não está mais lá. É receber uma cidade toda querendo prestar sua homenagem ao morto. A viúva era a mais requisitada. Vestida com sua melhor roupa de domingo, chorosa e sempre ao lado do seu companheiro de anos, ela aceitava sem muito interesse as condolências dos conhecidos e dos nem tão conhecidos assim. Os filhos, dois rapazes já feitos, se encarregavam das partes burocráticas e formais daquele ritual. E, como toda cidade de interior, entre os personagens havia um bêbado e um doido, sempre há. A frente da casa ficou cheia, cada um queria se despedir do tal senhor, afinal era uma desfeita não o fazer. Faz parte do ritual. Mas como no ritual apenas a família e os amigos mais próximos velam pela madrugada, um a um, os convidados se foram. Inclusive eu. 
No outro dia, todos retornam a mesma casa da Rua Padre Leão. Eram oito e meia da manhã, mas o sol já estava a pino. Todos se conhecem, todos se cumprimentam. Duas mulheres confortavam a viúva, “ele passou dessa para uma melhor”. Outras duas ou três pessoas se desculpavam para o filho “não pude vir ontem porque não sabia do acontecido”, e se queixavam “e porque o carro não passou lá na rua”. 
O cortejo deixa a casa, e segue pela cidade; desce a rua principal, em direção ao cemitério. Um filho ajuda a carregar o caixão, o outro vai à frente com a coroa de flores, a viúva chora, todos acompanham atrás. Uma chuva fina resolve cair para completar o cenário de despedida. Daquelas que não molha. Daquelas que evaporam antes de chegar ao chão, de tão quente que o asfalto está. Por onde passa o cortejo, as lojas da cidade fecham suas portas, mais parece uma “ola” ensaiada. É uma breve e última homenagem àquele que partiu. Todos saem para olhar; na praça, os senhores param seus jogos de gamão, se levantam e tiram os chapéus. É o ritual. 
E finalmente, o cemitério. Que mais parece uma cidade histórica, construída durante milhares de anos: são ruelas estreitas, ‘casarões’ decorados com azulejos, ‘mansões’ que abrigam gerações da mesma família, ‘casas’ com jardins decorados’, ‘casebres’ abandonados. É nessa cidade que seu Zé vai morar. Despedidas, choros e abraços. Voltamos. Mais café e algum papo furado. É preciso tomar banho pra tirar a “terra de cemitério”. Mas a vida continua. 
 
Autora: Ana Luiza Marques - Recife/PE
Publicação autorizada pela autora

Comentários:
Uma crônica bonita e triste. Acho que estes rituais deveriam ser abolidos. Acho muito triste esse processo do despedir-se.
Ana Bailune
 

Como matar borboletas

Autor: Rangel Alves da Costa

A que ponto o homem se desumaniza, se rebela contra si mesmo, se insurge contra as belezas da vida, se revolta contra os melhores sentimentos, e por tudo isso procura destruir a si mesmo e ao que encontra ao redor?

Aparentemente, não é coisa de gente normal sair por aí devastando canteiros, destruindo flores, matando borboletas e colibris. Só mesmo a insanidade para querer manchar a tela do entardecer, envenenar a nascente do rio de sua aldeia, erguer muros para impedir a passagem da brisa pela janela.

Seria um absurdo, mas tão verdadeiro como o espanto. Tem gente capaz de tudo, que só vive pensando negativamente, tramando destruições, agindo para que tudo dê errado na vida, torcendo para o pior acontecer.

E faz isto não só perante o mundo do outro como em desfavor do seu próprio mundo. Quem lentamente vai se autodestruindo, seja pelos vícios mundanos ou pela inatividade na preservação da saúde física e mental, certamente orgulha-se da destruição de tudo ao redor.

Tanto faz a vida como o viver. É daqueles que ajuda acumular o lixo nos bueiros e canais, destrói toda forma de vida que esteja no seu quintal ou ao seu alcance, sai por aí jogando bagulho nas ruas, riscando paredes, achando feio tudo que seja bonito.

Tanto faz como tanto fez que a floresta esteja sendo devastada, a natureza destruída, a poluição aumentando assustadoramente, os efeitos dos gases tóxicos se acumulando pelo ar e descendo destrutivamente perante as hortas, jardins e pomares.

O que seria então uma borboleta diante de tudo isso, diante do caos absorvido com gratidão e da satisfação com a má qualidade de vida sob todos os aspectos? O que seria de uma borboleta que inocentemente pousasse no ombro de gente assim, e bem no instante em que o mesmo estivesse de serra elétrica na mão para derrubar o flamboyant que ainda resta no canteiro?

Ora, borboletas são quase nada. São apenas pequenos insetos da ordem dos Lepidópteros, cujas espécies são diurnas e ao pousarem geralmente suas asas ficam em posição perpendicular ao corpo; são insetos alados diurnos, que têm asas membranosas comumente coloridas e se desenvolvem a partir de uma lagarta.

Borboletas são quase nada. Ou são seres cuja metamorfose – pois geradas a partir de lagartas – simboliza a transformação, o renascimento e a imortalidade? Ou um mistério tão profundo abarcando um ser disforme e rastejante para se transformar numa inigualável beleza esvoaçante?

Borboletas não são nada. E nada porque não há nenhuma beleza ou magia no seu passo alado, no seu voo matinal, na sua viagem ao entardecer, no seu pouso e repouso sobre as flores e frutos, na sua amizade com a natureza e a vida. Não há nada ali, nada, absolutamente nada. O que significam cores querendo sorrir?

Nada. E nada porque talvez suas cores sejam insignificantes, seus tons contrastantes não produzam nenhum genial efeito, suas diversas espécies são apenas imaginação do olhar que não aceita qualquer beleza, muito menos inigualável beleza. Mas não há nada ali, apenas uma borboleta soltando versos encantados na manhã sonolenta...

Talvez as borboletas não existam, sejam apenas metáforas. E se acaso existentes será preciso matá-las, destruí-las, dizimá-las. Mas como fazer para matar borboletas, se igualmente às lagartas que lhe deram vida, não morram, apenas se transformem em outros seres alados que continuarão voando alegremente pelo jardim?

Só há uma maneira de matar borboletas, e de modo que elas não se transformem nem renasçam em outras espécies. E é muito fácil fazer isso. Feche sua janela, apague sua luz, apenas sinta a escuridão sem adormecer. Elas podem voltar no sonho.

E no dia seguinte não abra a porta. Não abra nunca mais. O que não aprecia a vida, não vive plenamente a vida, não merece viver. E só mais uma coisa: borboletas também passeiam por cima de túmulos.




Autor: Rangel Alves da Costa - Aracaju/SE

Poeta e cronista
Publicações autorizadas pelos autores


Comentários:
 
Que texto mais bonito! Gostei de ler tudo mas esse parágrafo é especial. Peço licença para enfeitar o meu comentário com ele: "Borboletas não são nada. E nada porque não há nenhuma beleza ou magia no seu passo alado, no seu voo matinal, na sua viagem ao entardecer, no seu pouso e repouso sobre as flores e frutos, na sua amizade com a natureza e a vida. Não há nada ali, nada, absolutamente nada. O que significam cores querendo sorrir?"
Meus parabéns!
Maria Mineira

 

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

O suicida (A Rubens Braga)

Autor: Ronaldo Trigueiros Lima
 
Seu Nico, viúvo e aposentado, poeta “sem orelha”, acorda sempre por volta das seis e meia. Faz o café, toma os remédios obrigatórios, devidamente colocados de véspera sobre o “criado mudo”, assiste o noticiário pela televisão, e de repente, sufocado pela solidão, resolve acabar com tudo.
 
Olha para o teto do quarto, para as paredes precisadas de tinta, para o escasso mobiliário, como se pedisse trégua. A idéia era essa... Não há o que se fazer! Nem pedir. Nem ouvir. Já se faz tempo. Já se faz hora. Para que continuar quase aos oitenta anos, se nada mais espera? Se nada mais seduz? Esperar o quê? Que o telefone toque? Que alguém o ajude a atravessar a rua? Que um primo indique um novo oftalmologista? Que tudo fique cada vez pior e se desintegre?

Coloca os óculos, consulta, novamente seu caderno de anotações, para estar convicto, para ter certeza que providências essenciais tinham sido tomadas.

A idéia de ser um peso morto, sempre o incomodara... Sempre fora para ele um verdadeiro martírio Um constrangimento que precisava libertar-se, a ponto de se ter tornado uma obsessão fantasmagórica.

-Não quero dar trabalho! Nem ter que sentir pena de mim mesmo! Já chega...! Respira fundo para enganar as lágrimas, e queimar os pensamentos.

- Não quero ser estorvo para ninguém!

Relê a carta que escrevera para as filhas já algum tempo, averiguando com cuidado, no caso de ter esquecido alguma coisa, algum detalhe aparentemente irrelevante.

-Tudo certo... !

Em seguida coloca a carta no envelope, deixando-a em destaque perto do telefone.

Abre o guarda roupa, retira uma pequena maleta cinza onde guardara o revolver “Smith, calibre 32”, que pertencera a seu pai, e por mais que freasse o pensamento, o todo parecia inevitável.

Durante dois anos, poupara o suficiente para as despesas do funeral. Portanto, tirando o seu próprio peso, e alguns contra tempos, o trabalho que daria, seria o menor possível. E no mais, que todos perdoassem o seu gesto de aparente covardia.

Repentinamente, fala e gesticula, como se alguém bem próximo o censurasse por atitudes antigas e futuras, pelo conformismo e passividade diante da vida. E por isso, gritava gesticulando, como se respondesse as interpelações aleatórias, com a dor contida de suas mágoas.

Subitamente, pensa nas filhas... Uma internada com doença psiquiátrica crônica, e a outra, desempregada, sem chance de receber qualquer pensão, caso ele faltasse.

Agora não era hora de pensar. Ao contrário, tinha que esvaziar a cabeça. Tinha que evitar os atalhos “ braços” que levam ao arrependimento de quem não tem de que se arrepender.

Tira o revolver da caixa, coloca as balas vagarosamente com extremo cuidado e frieza, solta a trava de segurança, direciona o cano curto junto a cabeça, coloca o dedo no gatilho, e quando estava condicionado a apertá-lo, de repente o telefone toca!...

Era do hospital.

Do outro lado da “linha”, sua filha cheia de saudades queria que ele a visitasse!

Trêmulo e assustado, responde carinhosamente:

- Está bem meu amor...

-Já estou chegando!...
 
 

Autor:
Ronaldo Trigueiros Lima - Niterói/RJ
Página do autor:
Publicação autorizada pelo autor


Comentários:


Carlos Lopes:

Seja bem vindo ao blog Ronaldo Trigueiros Lima.
Um abraço

Maria Mineira:

Ronaldo, meu amigo e irmão de coração. Estou muito feliz ao ler um de seus textos aqui no blog Gândavos. Sem dúvida, esse espaço que Carlos Lopes gentilmente divide com autores de várias regiões, só tem a ganhar com sua presença. Seja bem vindo!
Um abraço.

Ana Bailune:

Salvo pelo gongo! A vida sempre vale a pena! Estou aprendendo isso ultimamente. Mudando paradigmas. Adorei o conto!
Feliz 2013 a todos!


 


quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Tela para o livro: Gandavos - Contando outras histórias

 
Atelier do Artista Edmar Sales, em Custódia/PE, que fará os desenhos e a capa do livro: Gandavos - Contando outras histórias, a ser lançado em março/abril/2013, sob a coordenação deste blog.
 
Foto: Edmar Sales dando os últimos retoques na tela que fará parte da capa do livro.
 
São autores do livro:

Carlos A. Lopes, Fernando José Carneiro de Sousa, Jorge Farias Remígio, Sevy Oliveira, Jussara Pereira Burgos, José Soares de Melo, José Carneiro, Celêdian Assis de Sousa, Maria Olimpia Alves de Melo, Maria Mineira, Marina Alves, Geraldinho do Engenho, Ana Soares, Adriane Morais, Ana Bailune, Fábio Ribas, Rangel Alves da Costa, Carlos Costa e Augusto Sampaio Angelim.

Celêdian Assis, disse: 
 
Venho aos poucos conhecendo o trabalho deste artista fenomenal, Edmar Sales, através das ilustrações de capa e miolo que fez para os livros de Carlos A. Lopes (Saga de um Pedro e Dedos de prosa) e na coletânea Gandavos - Os contadores de histórias, além de belíssimas telas expostas em seu blog e Facebook. Não há como furtar-me de render a ele um sincero elogio, pois a sua obra é realmente admirável. O artista é fenomenal e isto é indiscutível e o ser humano Edmar, com quem tive umas poucas oportunidades de conversar, é uma pessoa adorável, pela simplicidade, sensibilidade e pelo conhecimento que agrega da sua vida ao seu trabalho. Recomendo que conheçam o trabalho deste jovem e talentoso rapaz.
Um abraço ao Edmar e você Carlos que oportuniza para que o mundo o conheça.
 
Um pouco sobre Edmar Sales:
Sales é pintor paisagista, pernambucano, sua arte é interpretada como impressionista, alternando o abstrato e concreto em vários temas. Mais de vinte anos de experiência profissional, com algumas exposições realizadas no Brasil e no exterior. Sua obra é interpretada com grande sensibilidade e maturidade: as paisagens tipicamente brasileiras, natureza morta, retratos, interiores e outros temas, trazendo o valor merecido a cada motivo, com qualidade em todos os detalhes, na combinação da luz e das sombras, nas cores e nos contrastes. É também, desenhista, ilustrador, artesão e músico.
Contato:
Site: http://edmarsales.blogspot.com/

Telefones: (87) 3848-1780 e 8807-2566
 


terça-feira, 18 de dezembro de 2012

A afinidade entre o espinho e o pé

Autor: Rangel Alves da Costa

Por mais contraditório que possa parecer, algo assim como a paz e a guerra, a tristeza e a alegria, mas a verdade é que o espinho e o pé possuem muito mais afinidade entre si do que possa imaginar nossa vã filosofia.
 
Verdade é que os dois se aproximam, se buscam, guardam entre si um complexo relacionamento de amor e ódio. Daí serem tão próximos um do outro e tão distantes, viverem se buscando e se afastando, estando ou passando pelo mesmo caminho, sabendo que estarão juntos e evitando o encontro.

Mas é realmente um relacionamento complicado, cheio de exageros. Tomando o exemplo da relação amorosa, o espinho seria apaixonado e o pé dando uma de difícil e evitando sempre a aproximação, ainda que saiba da possibilidade de qualquer dia ser alcançado pela flecha pontiaguda do outro.

O espinho é amante, apaixonado solitário que passa os dias esperando o seu amor. Quase sempre no mesmo lugar, sofre debaixo do sol e da chuva, de vez em quando é enxotado dali, e tudo na expectativa de que a qualquer momento comece a ouvir os passos na estrada, comece a sentir a chegada do pé. Pé ante pé, a aflição no coração tão amante.

O relutante pé - querer que vive fugindo do seu amado - não procura se afastar sem grandes motivos para tais. Como qualquer ser, teme que a proximidade, o encontro, a relação, seja difícil demais. Sempre teme a pontada, a dor, a vontade de chorar, o grito, até mesmo o sangue jorrando de suas entranhas.

Muita gente poderia achar o contrário, mas a verdade é que o espinho possui mais fama de perigoso do que merece. Nasceu para ser daquele jeito e ninguém pode mudar isso; veio ao mundo para ficar jogado, abandonado e esquecido pelo meio dos caminhos e ninguém procura compreendê-lo.

O espinho não nasce na estrada, no caminho, na vereda ou em qualquer outro lugar que seja encontrado. Está ali porque trazido pelo vento, porque alguém passou com um tronco de árvore e o fez cair, porque caiu de uma planta ali existente. Nessa condição de desalento passa os seus dias, tendo ainda de suportar o medo que causa aos outros sem ter a menor culpa.

Muitas vezes é mais ferido do que pode ferir. Costumeiramente passam por cima com botas ou botinas esmagando tudo; não é difícil que rodas estraçalhem até a alma; quase sempre caminham dando pulinhos para evitar o encontro. Mas o mundo vem abaixo quando um pé desatento e descalço pisa bem no lugar que está repousando. Então começa o xingamento desde a sua primeira geração.

Mas isso é feito pela pessoa, pela dona do pé, e não pelo próprio pé. Como já afirmado, todo pé sente um desejo escondido pelo espinho que encontra. Num jeito masoquista de ser, finge não querer encontrá-lo, se treme todo diante da aproximação, mas gosta da pinicada, da pontadinha, da ponta afiada entrando na pele, da dor diferente causada.

Dependendo do impulso com que o pé vá de encontro ao espinho, dificilmente este não ficará grudado. O pé gosta, permite que ele lhe atinja, avance e vá além da pele. A dor ainda não é sentida, mas apenas uma pontadinha igual àquela que o coração sente quando amorosamente se assusta. Mas depois, assim que a fisgada alcança o ponto sensor cerebral começa a reviravolta.

Igual a pai que não quer filha namorando, se sente ofendido quando encontra a sua mocinha com outro, bem assim faz o cérebro com o pé. Imediatamente transmite a dor para o local e faz com que o pé se revolte com a atitude do espinho. Se a dor era fininha, torna-se intensa, se a pinicada não afetou quase nada tudo se torna num escarcéu.

Mas a verdade é que o pé faz isso forçadamente. O desejo de todo pé é conviver bem com o espinho, um acolhendo o outro sem problemas maiores. É amor, e outra coisa não é. E tanto é assim que as lágrimas de sangue só ocorrem depois da separação, quando o espinho é tirado do pé.



Autor: Rangel Alves da Costa - Aracaju/SE
 
Poeta e cronista
 
Publicações autorizadas pelos autores

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Casa de Vó

Autora: Ana Soares
Veio do Interior da Bahia ainda moça, casou-se, teve seis filhos, e trabalhou durante anos e anos em restaurantes industriais, o que fez dela, uma cozinheira de mão cheia!

Hoje a casa dela, é também casa de vó. E na casa de vó não falta nada, muito menos amor.
 
Benfeitora de pratos simples e muito saborosos, porém, de um requinte inconfundível quando o quesito é amor e dedicação aos seus...
São as batatas fritas para os netos;
A galinha caipira para o mais novo genro a integrar à família;
É o pudim de leite de todos nós;
O biscoito de polvilho (receita da sua mãe) e os bolos simples e deliciosos para os nossos cafezinhos...
Ah e por falar em café, acreditem:
Sou acordada com ele até os dias de hoje... Uma espécie de mimo, eu bem sei e gosto muito!
Assim, ela, Dona Dudu, minha mãezinha, vive à adoçar nossas vidas.
Sem ela, a casa é vazia, o nosso quintal fica sem graça e as nossas vidas também!
O que faz dela, uma pessoa tão simples, ser assim, tão especial?
- Creio que seja mesmo o amor...
Muito amor!



Desenho: Edmar Sales



Publicações autorizadas pelos autores


 




domingo, 16 de dezembro de 2012

Assalto ao Banco

Autora: Marina Alves
 
Segunda-feira, dez da manhã. Muita gente à porta do banco, esperando abrir. A fila já dobra a esquina. Pelo jeito a moçada andou exagerando no fim de semana. O cheque sem fundo não pode bater. Isso dá uma baita dor de cabeça, né não? Quem já passou, sabe. O cartão? Perdido, Deus sabe lá onde. Também, quem abusou nas dosagens etílicas pelos botecos da vida, vai dar notícia de onde andou?
Diante da grande porta de blindex, o povo se espreme. Pra quê isso? Medo de quando a portona se abrir, algum espertinho se infiltre na fila. Zé Madrugador defende a posição conquistada com unhas e dentes. Pulou cedo da cama à toa? Jamé! E se um fura-fila-sem-noção lhe dá uma rasteira? Bem capaz de só sair do banco lá pelas duas... Se sair. O sol já tá fervendo, mas quem liga pra isso? Concentração total e olho no relógio esperando a ordem de largarda... Deus nos acuda!
Zockblumplaplum BUM!!! É tudo tão rápido que ninguém dá conta de acompanhar: certa dama de peso (literalmente) da cidade, chega meio atarantada, se desequilibra no saltinho e não consegue fazer a devida “brecagem”: sai catando cavaco até bater com tudo no blindex. Zockblumplaplum BUM!!! Bate, a porta treme, o vidro estronda! E o povo? Achando que é assalto, e seguindo o exemplo do guardinha, de imediato se joga no chão... São José Padroeiro, que situação!
Cadê mais tiro? Cadê o anúncio de assalto? Nada. Passado o equívoco, com que cara levantar do chão? Fácil não é, mas os mais corajosos acham por bem enfrentar logo de cara. Refeitos do susto e do ridículo optam pelo bom humor. Fazer o quê? O jeito é levar na esportiva. O que era palco de quase “tragédia” vira diversão. Baixa o, já famoso, espírito brasileiro e todo mundo cai na gargalhada. Superadíssimo, o malogrado assalto ao banco! Menos pro Agenor do Mercadinho! Rígido e imóvel lá está ele estirado no exato lugar em que se jogou. Nossa, morreu? Que nada! O fato é que o “precavido” não é bobo de facilitar. Só na viatura da Polícia, a caminho do hospital, ele abre um tiquinho assim o olho esquerdo, e sonda:
— Cumé que é?... Já prendero os bandido, gente?
 
Autora: Marina Alves - Lagoa da Prata/MG

Página da autora:

http://www.recantodasletras.com.br/autor.php?id=64920



Desenho: Edmar Sales

Publicações autorizadas pelos autores

 
 

sábado, 15 de dezembro de 2012

Em algum lugar...

                                                Autora: Maria Mineira

Aconteceu no momento em que eu estava sozinha à meia luz do quarto...
No silêncio descuidado e livre quando a lua invadia o ambiente com os sons e aromas da noite.
Distraí-me. Fechei os olhos para melhor sentir o jasmim perfumando o ar...
A menina saiu de mansinho igual o farfalhar mudo das asas de um beija flor...
Lembro-me apenas, que usava chapéu de palha cobrindo uns olhos brilhantes e sonhadores.
Ela foi para onde podia andar e sentir a terra sob os pés, quando os pingos de chuva começam a cair do céu molhando os campos e enchendo os rios.

          Sei que gosta de pisar descalça no capim, roçar as pernas nas folhagens úmidas e ásperas do caminho.
Tímida e ousada...
Fugiu porque queria ser parte desse ambiente agreste e puro.
Desejava abrir os olhos para os mistérios da vida.
Na aragem de um sonho ser menina e mulher, música e poesia, alma amanhecendo.
Talvez a encontrem dormindo num canteiro orvalhado de lírios da Serra.
Sentindo no corpo a umidade fresca que a noite deixou na relva.
É quase certo que esteja visitando as nascentes do meu passado.
Se alguém achar a menina que eu fui, avise-me, por favor...
Preciso saber dela para reconhecer-me.


Autora: Maria Mineira - São Roque de Minas/MG

Página da autora:

http://www.recantodasletras.com.br/autor.php?id=86838

Publicação autorizada pela autora




COMENTÁRIOS

 
  Belo Horizonte/MG

          Olá, Maria Mineira!

Diante de seu texto emocionante, quem de nós (os já maduros) não se identificaria com a menina que você busca, mesmo que em contextos de vida diferentes,tamanha é a nossa ânsia de retomarmos à pureza e simplicidade da infância. Belo texto.
Um abraço de sua conterrânea,

          Celêdian Assis