terça-feira, 26 de novembro de 2013

O sapo e o leiteiro

Autor: Geraldinho do Engenho

Um sitiante muito trabalhador cultivava legumes, frutas,  criava animais de pequeno porte e possuía algumas vaquinhas de leite. Sua produção era vendida na cidade, que se  situava bem próxima do seu sitio.
Embora muito trabalhador, o homem era teimoso como uma mula mal domada. Quando cismava que pau era pedra, não mudava de opinião nem que o diabo berrasse no seu ouvido. Entrava ano saia ano, o homenzinho, naquela rotina constante. Ordenhava suas vaquinhas, colhia seus legumes, frutas e ovos. Colocava-os na sua carroça e tomava o rumo da cidade para vendê-los. Criava sua numerosa família com seu trabalho desta forma honesta. Teimoso como era, quando discordava de alguma, coisa preferia morrer, mas não mudava de opinião.
No seu trajeto do sítio para a cidade, havia um grande latifúndio pertencente a um magnata. Um pequeno igarapé margeava a estrada em quase todo o seu percurso, ou melhor, a estrada o margeava. Entre ambos, seguia também uma trilha tortuosa como se fossem três rabiscos desenhados por algum mestre, delineando a bela paisagem. No decorrer do tempo, o colono notou a presença de um sapo, que seguia trilha afora numa velocidade incrível. Fazia uma pequena parada, o sapo também parava. De início ele não deu muita importância ao fato, mas no decorrer do tempo começou a se intrigar, e até a se aborrecer. Afinal por que aquele bicho asqueroso o seguia diariamente pra lá e pra cá?
Como todos nós temos um dia na vida em que a paciência se esgota, o leiteiro, de saco cheio,  desceu de sua carroça e resolveu encarar o bicho. Olhou bem nos seus olhos e perguntou;
– Ó seu sapão nojento, o que eu tenho com sua vida, pra tu ficar me seguindo sem parar desta forma, diariamente?
– Acontece que eu sou seu avô!
– Credo em cruz, nunca vi sapo falante!
– Eu também, não! — resmungou seu cavalo.
– Meu Deus, estou perdido! Um sapo e um cavalo falando comigo, estou louco ou sonhando?
 – Nada disso, meu neto! Deixa que eu te conte minha história e você vai entender tudo, não tem nada de anormal... O que aconteceu, é que eu era mais teimoso que você e nunca acatei opinião de ninguém.  Há muitos anos, eu era como você, um leiteiro teimoso, que um dia encontrou aqui um beato. Ele me disse carinhosamente
- lá vai vender seu leitinho, filho!
– Sim, vou vender!
–Se Deus quiser, não é filho?
- Se ele quiser vou, se não quiser, vou assim mesmo!
Aí ele me transformou em sapo. Sofri pra diabo , muito tempo se passou, Ele voltou me transformando no velho leiteiro e perguntou de novo:
 -Se Deus quiser, não é mesmo, filho?
–Se quiser eu vou se não quiser, o lago está perto... De novo ele me transformou em sapo... O que os teus te contaram sobre o teu avô?
– Disseram que ele desapareceu misteriosamente. Minha avó chora por ele até hoje!
-Pois é, filho, essa é minha história. Agora, preciso morrer. Chegou o meu tempo, mas para isso preciso que você faça um grande sacrifício por mim: deixe de ser teimoso. Só assim irei conseguir paz, no dia em que isso acontecer. Vais ter uma surpresa, quando menos esperar a roda de sua carroça vai passar sobre mim e então eu quero que me enterre lá na porteira do sitio, mas isso é segredo. Você não deve contar a ninguém. Este segredo ficará entre mim e você !
-KKKKKKK. Quer dizer que eu vou ser o assassino. Vou contar pra tudo que é cavalos e éguas que tem nestas redondezas, esqueceram que eu ouvi tudinho né, seus dois trouxas?  - assim expressou o cavalo do leiteiro.


Geraldinho do Engenho - Bom Despacho/MG

 


 

Publicação autorizada pelo autor

sábado, 23 de novembro de 2013

Pais e filhos

Autora: Ana Soares

Por que o mundo de hoje é tão diferente do "meu mundo" de antigamente?
Eu sei que as coisas mudam, ok! Faz parte do pacote da nossa evolução, mas não seria mais interessante que todas as mudanças fossem de fato para nos trazer dias melhores?
De que nos adianta toda esta evolução tecnológica, se humanamente estamos retrocedendo a cada dia?
Lembro-me das brincadeiras de crianças: esconde-esconde,  amarelinha e ainda sinto o gosto de amora colhidas no pé - que comíamos naturalmente sem lavar e nada nos acontecia, onde o fato mais preocupante que nos acontecia era uma simples queda, andando de bicicleta ou de patins...
Ah! Quanta doçura guardo das tardes da minha infância e adolescência, mesmo como uma certa escassez de recursos e da presença da minha mãezinha que sempre trabalhou duro para ajudar no sustento da casa... Quanta falta ela me fez! Quantas reuniões escolares e festas eu desejei tê-la por perto e não tive. Quantas viagens desejei fazer ao lado dela e não fiz... É que ter a presença e a compreensão plena dos pais não era uma coisa muito fácil naquela época.
Ah! Mas não precisava de nada, além de um olhar dentro do meu, para que eu sufocasse o choro, a manha, ou seja lá, o que  tudo aquilo fosse... Passava!
Antigamente o respeito dos pais e estar com eles era tudo...
Hoje, estar com os pais é como tomar remédio em conta-gotas, é só em último caso, é só em última instância, é como ir à igreja somente aos domingos e pensar que se garante assim, um pedacinho do céu...
Filhos, entendam de uma vez por todas:
- Não são os seus pais que precisam de vocês, são vocês que precisam de seus pais!
A maior frustração dos pais de hoje, discorre no momento crucial em que inadvertidamente, percebem que no presente, de tanto desejarem ser "presentes", não haja quem os recebam ou os percebam...
Hei, filhos, vocês percebem?



Publicação autorizada pela autora

sábado, 16 de novembro de 2013

Meus amigos de infância

Autor: Geraldinho do Engenho

Às vezes caminhando por trilhas onde meus amigos e eu, corremos em nossa infância, em devaneio mergulho-me nos sonhos que ficaram acorrentados por minha lembrança.
Os delírios da saudade e a fotografia de meus colegas arquivada no álbum de minha memória me transportam ao passado, a contemplar os horizontes galgados por minha existência.
Vou buscar nas fantasias que se perderam na magia da ilusão, o objetivo de sonhar novamente. Navegando nas águas ora calmas ora turbulentas pelo mar da imaginação. Embora seja uma miragem espelhada pelo retrovisor do tempo, alimento sempre a mesma expectativa esperando que eu possa reencontrá-los na longínqua curva deste oceano de recordações. Engolidos pelo tombo de suas ondas. Para que juntos possamos correr de novo pelas mesmas trilhas e estradas de então, descortinando com sutileza a paisagem de nossa história.               
Descompromissados como sempre fomos, e com a mesma alegria ingênua, deliciarmos naquelas tardes, quando éramos parte do elenco ecológico de um belo espetáculo. O sol se punha e o crepúsculo puxava o manto da noite. Vinha a lua toda risonha esparramando seus encantos sobre aquele cenário dominado pela soberania da natureza.
O acortinado de estrelas cobria o universo e o nosso mundo criança. Ilustrado pelas lacraias no seu constante piscar de luzes, escoltadas pelos vaga-lumes, que em atalaia riscavam os espaços manchados pelas sombras dos arvoredos provocadas pelo luar. Com seus estridentes gritos os urutaus de bicos escancarados ao longe no cerradão quebravam o monótono silencio da noite após engolirem os mosquitos atraídos pelo mau odor do seu hálito... Foi, foi,foi,foi,foi.!
Não menos selvagens nós moleques de pés descalços e cabelos desalinhados, éramos também parte da natureza, misturando-nos aos murmúrios e encantos projetados em sua biodiversidade. Enquanto a noite não silenciava e o sereno não vinha para orvalhar os campos e os prados, a lua era soberana a passear sobre os telhados que ocultavam a humildade das lamparinas. Altaneiro e vigilante são Jorge exibia seu potencial encantador, enquanto nós, meninos caipiras ... Apenas sonhávamos e o aplaudia! 


Geraldinho do Engenho - Bom Despacho/MG

 


 

Publicação autorizada pelo autor

domingo, 3 de novembro de 2013

Orquestra dos desesperados periquitos verdes

Autor: Carlos Costa

Durmo, acordo, tomo remédios e caminho no Condomínio Mundi com fones aos ouvidos escutando músicas de Rádio juntamente com a orquestra desesperada dos periquitos verdes,  desalojados de seu habitat natural. Eles fossem pretos, os observaria com desejo contido; mas olharia. Verdes, olho para cima e sinto pena quando os vejo voando de uma arvore para outra, como um balé cadenciado ou uma dança coreografada pelo barulho dos tostões entrando na caixa registradora da coisa que se chama progresso! Horrível, mas real!
De vez em quando, no início da tarde, outro passarinho, talvez amigo dos periquitos verdes da orquestra desesperada comandada por um maestro invisível, provavelmente a mando dele a quem não consigo vê-lo, - mas sei que está regendo essa orquestra - bate com seu bico em minha janela do quarto como que me pedindo para entrar no banheiro e escutar pela janela entreaberta, mais uma vez, a orquestra dos periquitos verdes desesperados que, em meus ouvidos, soa como música de protesto contra a destruição das árvores que existiam e onde todos habitavam, silenciosa e pacificamente.
Nessa hora, sinto saudades de Geraldo Vandré, cantando a música de protesto e gritando: “Gente! Gente! A vida não se resume a festivais” e, depois, aos acordes de violão, cantar: “vem vamos embora/que esperar não é saber/quem sabe faz a hora/não espera acontecer...”  que só foi entendida “Para não dizer que não falei de Flores”, anos mais tarde. Mesmo proibida pela Censura Militar, se tornou hino de protesto em todas as manifestações de protesto da época!
Ou talvez o passarinho que bate em minha janela seja para me agradecer pelas poucas árvores que restam na divisa dos Condomínios Mundi e Florença Residencial Park. Mas não sei. Ó, como sofro! Por que o Senhor não me fez como São Francisco de Assis, que conversava e entendia a linguagem dos pássaros? Também não sei!
Morador do Condomínio Florença, com floresta beijando a janela, filmava preguiça, macado da noite, araras, periquitos e me deliciava ao vê-los depois na imagem de minha TV. Ao ver o desmatamento  sem qualquer placa de licença municipal para fazê-lo, comuniquei à Secretaria do Meio Ambiente e denunciei. A obra foi embargada, o desmatamento interrompido e, depois que deixei o local, outros moradores do Condomínio prosseguiram com ações na Justiça, obrigando o projeto imobiliário a ser todo refeito, atrasando em mais de dois anos a entrega das 11 torres de concreto. Mas não sei se o passarinho que bica de manhã e à tarde consegue me ver por detrás do vidro com película escura de 50%. Será que eu não poderia ser oftalmologista de passarinho para saber se eles conseguem me ver?
O passarinho que bica desesperadamente talvez não me veja (?).  Mas percebo seu desespero em me fazer levantar, abrir a cortina e vê-lo voando alegre. Será que ele me viu levantando da cama? Depois, entro no banheiro e escuto a orquestra dos periquitos verdes todos voando de um lado para o outro, como se fosse uma revoada combinada antes entre todos, pela janela aberta para deixar escapar o vapor do banho e não embaçar o espelho como se fosse uma revoada combinada antes entre todos. Como é perfeito esse movimento de vai-e-vem. Em seguida, todos retornaram mais triste para reiniciar seu canto fúnebre na mesma árvore que ainda os acolhe com alegria, seu canto quase fúnebre!  O espelho é só para saber e ter certeza que onde ainda estou vivo e me vejo.
Meu coração, que admira esse espetáculo triste, se enche de alegria porque lhes permiti nesse mundo de ganância, um último refúgio para o canto, mesmo triste, dos periquitos verdes desesperados. Ouço agora apenas o canto como um sinal de alerta para o futuro que desejamos deixar para as próximas gerações! Os pássaros de minha imaginação precisam cantar livres, mesmo que não sejam mais tão livres e cantem tristes! Mas o importante é que ainda continuem cantando para dizer aos seres humanos que precisam ter seus espaços em meio aos caos urbano!

Autor: Carlos Costa - Manaus/AM
Publicação autorizada pelo autor

Ao advogado e ex-deputado Miquéias Fernandes e ao  deputado e advogado Luiz Castro

domingo, 27 de outubro de 2013

Blog Casal 20


Blog Casal 20


Escrevi dois contos para este livro aí! E já é a terceira publicação da série Gândavos que publica meus textos. Muito legal estar entre tantos outros escritores de todo o Brasil. Muito obrigado ao meu amigo Carlos Lopes.

Fábio Ribas
Região do Araguaia/MT

Acesse o blog:

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Alma de bailaria

Autora: Mônica Caetano Gonçalves

Há sempre uma bailarina
Na alma feminina.
Desde bem pequenina
Sonha a menina,
Muito antes de entender
O que é ser Mulher

Muita força é exigida
Para na ponta dos pés deslizar
Pelos palcos da vida...
Sem perder a beleza
De sua delicadeza...
Sem se desequilibrar
E no ritmo dançar.

Seja um ‘Pas de deux’ ou ‘Solo’
Para seu consolo
Vence as dores
Dos esforços e desamores
Sempre a sorrir,
Ao interpretar a dança
Da esperança
No porvir!!!!

Autora – Mônica Caetano Gonçalves – Belo Horizonte/MG

Publicações da autora: (http://monicaemversos.blogspot.com.br/) e também semanalmente no Jornal "O Pioneiro" (Linhares- ES) e na Revista CAPITA Global News (Colatina - ES), além de poemas no site Poetas Trabajando e crônicas eventuais no site Debates Culturais.

domingo, 20 de outubro de 2013

Avalanche de amor

Autora: Sonia Biasus


A volúpia de nosso amor
Rompe barreiras com esplendor
Estremece céu, terra e o mar
Uma verdadeira explosão em pleno ar.

Uma tempestade de beijos
Invade com loucura nossos corpos
Ardentes de paixão e desejos
Provocando uma avalanche de amor.

Levando-nos ao delírio
À transcendência total
E provamos algo sem igual
O êxtase transcendental.

Corpos suados...
Realizados...
Transformados...
Imensamente feliz!


Autora: Sonia Biasus

Blog: http://soniabiasus.blogspot.com/(poesias e textos literários de minha autoria)
Blog: http://sb-assessoriapedagogica.blogspot.com/(postagens da escola)
Blog: http://writermontblanck.blogspot.com (Me conta um conto?(conteúdo infantil)
Blog: http://http://transtornodohumoroubipolaridade.blogspot.com/ (informativo)
Cronista/colunista: www.revistasemlimites.com.br
Colaboradora do blog:http://gandavos.blogspot.com/

Publicação autorizada pela autora

Anjo disfarçado de pessoa

Autora Sonia Biasus

Ei...Você está vendo ali?
Onde?
Ali...
O que é?
Olhe bem...
Estou olhando....Mas o que é?
Um anjo!
Anjo?  Mas anjos não existem.
Existem sim, ali está um deles.
Não, não é um anjo.
É sim!
Por que diz que é um anjo?
Porque é um anjo, olhe bem nos seus olhos.
Que tem seus olhos?
Olhe bem dentro deles.
Está bem, deixe-me ver então.
Ah!  Você tem razão, é um anjo.
Sim um lindo anjo disfarçado de pessoa!
Olhe mais uma vez em seus olhos.
Está bem...
E então? Que você vê nos olhos deste anjo?
Hum....vejo  meus olhos refletidos neles.
Ah!  Finalmente...
Que foi?
Finalmente você viu o anjo  disfarçado de pessoa...
VOCÊ!


Autora: Sonia Biasus

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Publicação autorizada pela autora

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

As núpcias de Ritinha

Autora: Meire Boni
 
Ritinha  perdeu a mãe muito jovem,  foi criada pelo pai e pelos irmãos maiores.  A  figura feminina mais próxima  era  a madrinha que morava na cidade vizinha que a visitava de vez em quando.  Era ela quem lhe ensinava a  lidar com os trabalhos domésticos e a bordar, mas nunca conversou com a menina sobre certos assuntos.  Achava  Ritinha  muito nova, quando fosse o tempo, teria a tal da conversa com a menina.   
Mas o destino se encarregou de interromper o aprendizado. A madrinha morreu , e Ritinha passou a viver em um mundo de homens, e era com eles passava a maior parte de seu tempo. Ajudava na lida com o gado, na roça e ainda nas tarefas domésticas.  No tempo livre era mais um dos vários moleques da fazenda.
O tempo passou e quando as primeiras chuvas da primavera  chegaram, Riitinha estava trepada nas grimpas de um pé de jabuticabas  quando percebeu que havia sangue escorrendo pelas pernas. Procurou por um ferimento, não encontrou nada. Sozinha, desceu rapidamente, e já em terra firme se examinou, e quando percebeu a origem do sangramento, abriu a boca a chorar.  Não sei se por falta de lágrimas ou por  entender  que o choro não faria o sangue parar, ela  fechou a boca e em soluços  pediu ao Divino Pai Eterno que não a deixasse morrer daquilo.  Correu para o banheiro e ficou lá emburrada.
Já desconfiado do que se tratava o emburramento da filha, o pai tratou de chamar a mulher do vizinho para acudir a menina. A mulher interveio, e conseguiu fazê-la abrir a porta e lá dentro mesmo deu uma aula rápida sobre o assunto. Ritinha de olhos inchados, apareceu na hora da janta , e  nos dias que se seguiram os irmãos notaram  seu andar um tanto estranho, mas  pensaram que se tratava de alguma sequela do acidente que a pobre sofrera no pé de jabuticaba.
Ritinha agora era uma mocinha. Mas apesar disso,  ainda mantinha semblante e atitudes de menina.
Na véspera de  completar  quinze anos seu pai lhe chamou na sala, depois do jantar.  Estava lá um homem que Ritinha já tinha visto algumas vezes na fazenda. Era José, filho de um conhecido da família.  Foi assim que Ritinha soube que seu destino já havia sido traçado pelo seu pai, muito antes dela adentrar-se naquela sala.  
Foi através de um aviso, não de uma pergunta que Ritinha  que a mão de Ritinha foi entregue: “Rita de Cássia, minha fia, este é Zé, fio do compadi Mané,  ele vei pidi sua mão, eu consenti, só falta agora acertar a data, modi o’cêis casá.”   Ela assentiu, e foi chamada a retirar-se.  Até que achou que seu pai falou muito, em seus quase quinze anos de vida, nunca ouviu o velho lhe dirigir mais que uma frase por vez.
Manteve sempre a cabeça baixa, mas antes  de sair, só deu uma olhada no tal do Zé, este  era todo sorriso.
Desde acontecimento  até o  casamento se passaram menos que trinta dias.  Zé arrumou tudo bem depressa,  a pedido do sogro: “Minha fia não teve mãe, a madrinha morreu, e aqui tem homi demais. Ela  pricisa casá logo, ou vai virá machi e fema.”
E tudo correu dentro dos conformes, tirando o fato de Ritinha ter se casado inocente de tudo.
Já casada  e instalada em sua casa cheirando a nova, Ritinha entrou para o quarto, tirou o vestido de noiva, vestiu sua camisola e se deitou. Estava muito cansada, só pensava nos presentes, queria abri-los o mais rápido possível,  mas combinou com Zé que deixariam para o dia seguinte.  Até que ela gostava dele, nas poucas vezes que se encontraram,  sempre foi muito gentil e educado. Mas estava com medo de ficar a sós com ele. “Ele me olha de um jeito...parece que tá me vendo pelada! Curuizz!”
Quando Zé entrou no quarto, ela ainda estava acordada, mas fingiu dormir. Percebeu que ele já havia tirado sua roupa de noivo, que tinha tomado banho, pois cheirava a sabonete e a pasta de dente. Ele se deitou ao seu lado e foi chegando perto.  Na medida que ele chegava, ela se afastava. De olhos fechados e ressonando de mentira, Ritinha chegou tanto para o lado que acabou por cair da cama. Fez um barulhão.  “Ritinha, meu amor, você se machucou?” Ela fingindo acordar naquele instante:  “Que nada, sonhei  e assustei!  É melhor a gente ir dormir, estou muito cansada!” Zé emburrado, resolveu ir dormir no sofá.
Três dias se seguiram, ou melhor, três noites, e nada. Toda noite, quando Zé se aproximava, Ritinha inventava uma desculpa, e ele acabava no sofá.  A paciência  se esgotou na quarta noite. Na primeira tentativa, quando Ritinha recuou, Zé esbravejou  “Ritinha, o que tá acontecendo com você? Nóis casó tem quase uma semana e ocê num deixa eu triscá nem no seu cabelo?  Eu tive paciência até hoje, mas assim num dá né? Sou um homem casado e quero o que é meu por direito!” Quando Zé parou de falar, Ritinha  abriu o berreiro.
Zé, sem saber o que fazer, ameaçou: “Tá bão, hoje num vou mais triscá n’ocê, mas se amanhã de noite num acontecê nada, vou devorvê ocê pro seu pai... Bem que a mamãe me avisou, que fia criada sem mãe num dá muié que presta! Amanhã..”  Disse isso, pegou seu travesseiro e foi dormir na sala de novo.
No outro dia, quando Ritinha se levantou,  Zé já havia saído. Ficou em casa amanhã inteira pensando em uma saída.  Sabia que o pai não a aceitaria de volta, teria que dar um jeito naquela situação. Mas o que deveria fazer? Tinha uma ideia muito vaga sobre a coisa, nunca teve uma amiga, com quem conversasse. “Não sou chucra, tenho educação. Estudei, sei lê e escrevê. Sempre cozinhei e até sei bordá e costurá.  Como a sogra falou isso de mim? Que  eu num presto porque num tive mãe? Eu presto sim! Veia iscumungada, eu presto mais que ela!  O que Zé quer  fazer comigo é feio e eu acho mei nojento! Será que todo mundo que é casado faz isso? Meu pai fez com a minha mãe?”  
Como sempre fazia em momentos de desespero, Ritinha se pôs a rezar e a pedir ajuda a todos os santos que sabia o nome. Criou coragem e tomou uma decisão.
Quando Zé chegou, ela já o esperava no quarto.  Antes que ele  fizesse alguma coisa, ela mandou que se sentasse. Ele se sentou, e ela falou: “Zé, você tá certo, eu não deveria ter feito isso! Sei que te devo e vou pagar.  Pensei que ocê num fosse cobrá, mas já que cobrô. Mas antes, quero que ocê me responda uma coisa.” Zé,olhou para Ritinha que se mantinha de pé, com as mãos na cintura: “Pode falar, Ritinha!” E ela soltou: “Oiá Zé, o’cê sabe que num tive mãe, que num tive ninguém pra me ensiná  essas coisas, intão como eu vou sabê fazê...  Mas é verdade que todo mundo que é casado faz isso?”
“É verdade Ritinha”
“Até sua mãe e seu pai?”
Zé engoliu seco “É, eu acho que eles ainda faz!”
“O’cê vai tê paciência de me ensiná?
“Mas é claro, eu amo o’cê!”
“Num tem outro jeito, tem?”
Ele balançou a cabeça negativamente. E ela acrescentou:
“Então hoje,quando ocê vié  num vou chegá pra lá!”
No outro dia, Zé chegou mais tarde no trabalho, e quem passasse lá por perto notaria que toda a roupa de cama recém lavada, secava no varal.
Tempo depois quando Zé foi visitar sua mãe:
“E sua muié, Zé, tá aprendendo a ser muié casada?”
“Tá sim, mãe! O que ela num sabe, eu ensino. E num é que ela aprende direitinho, tem umas coisa que já ta fazendo mió do que eu ensinei!”




Autora: Meire Boni - Bela Vista de Goiás/GO

 

Publicação autorizada pela autora

O matador de assombração - Autora: Meire Boni


Tião passava sempre por aquela estada, ele nunca tinha visto nada, mas no fundo tinha um certo receio daquele lugar.

A estrada nasceu do calor das patas dos bichos que zigue-zagueavam  acompanhando a margem do riacho buscando o melhor lugar para tomar água fresca.  Seguia rasgando duas serras ao meio. De certa altura em diante, ganhava a companhia de um riacho, que nasce lá no alto e vem  serpenteando. Em um mesmo lugar, a estrada é cortada pelo riacho e por uma  cerca. Havia uma velha ponte e uma velha porteira.

O único barulho que quebrava aquele silêncio, como uma faca afiada era a batida da porteira. Por causa do desnível do terreno, a força da gravidade se encarregava de fechá-la. Era só abrir, passar, soltar e esperar. Geralmente eram três batidas, a primeira, um estrondo que podia ser ouvido a quilômetros de distância, depois outra menos forte, ia diminuindo até voltar ao seu estado inicial.

O lugar que não tinha um aspecto agradável durante o dia, a noite se tornava assustador. Muitas histórias estranhas o cercavam. Há os afirmam terem visto bolas de fogo saindo do rio e desaparecendo por detrás da serra. Outros juram terem ouvido vozes, choros e gritos vindos de debaixo da ponte. Até uma mulher, que aparece sentada na ponte de quatro metros de altura,  balançando as pernas e molhando os pés nas águas do riacho lá embaixo.

Era um dia de seca,  chovia fuligem do céu, pois uma grande queimada ainda ardia lá no alto da serra. Tião estava na cidade, como era de costume,  tinha ficado até tarde na jogatina e na bebedeira, pegou seu cavalo que de tão ensinado já sabia o caminho de casa, e seguiu pela velha estrada. O álcool agia em Tião como um escudo, era só beber que ele ficava metido a valente. Era acostumado a passar naquela estrada, falava nas rodas de conversa que tinha vontade de se encontrar a tal da mulher de pernas compridas, dizia isso enquanto batia a mão em seu trinta e oito na cintura.

O único barulho que se ouvia era o que o casco do cavalo fazia ao tocar o chão batido e o  estalar da vegetação que era engolida pelas labaredas no cume da morro. Tião passou pela ponte, pela porteira e a soltou. O barulho estrondoso de sua da batida ecoou serra acima.  Antes da segunda batida, Tião ouviu um barulho anormal. Alguma coisa descia a serra em sua direção. Antes que a porteira batesse pela terceira vez,  arrancou o revólver da cintura e esperou até que o barulho chegasse mais perto. Nada se via.  Não havia como mirar, acertar ou errar era questão se sorte.  Não dava para esperar mais, Tião apontou em direção ao barulho  e descarregou sua munição em seja lá o que for que  já estava a poucos metros dele, bem a sua frente.

Estava tão escuro que não fazia diferença ficar de olhos abertos ou fechados. Ele preferiu a segunda opção. Cavucou a espora em seu machador, queria sair dali o mais rápido possível. Depois dos tiros pode ouvir o barulho de alguma coisa tombando. E se houvesse outros? Não tinha mais munição, só lhe restava rezar o Credo e correr. Assim o fez.

Chegou em casa muito assustado, o efeito do álcool já tinha passado, e a coragem também.

Ao clarear do dia, quem passou por aquela estrada pode ver um enorme tamanduá bandeira caído, com uma ferida mortal na cabeça.  O danado estava fugindo do fogo, e se assustou com a batida da porteira.

Autora: Meire Boni - Bela Vista de Goiás/GO
Publicação autorizada pela autora