Autor: Jailson Vital de Sousa
Não
posso dizer que a minha estada em Altamira não foi proveitosa em termos
profissionais e pessoais. Fiz grandes amizades com pessoas locais e colegas de
profissão, aprendi a trabalhar em ambiente de clima adverso. O Rio Xingu que
margeia a cidade, o qual fazia parte das minhas quimeras de adolescente, quando
ainda no curso ginasial, no estudo de geografia, estudava os rios afluentes do
Rio Amazonas, tornou-se objetivo dos meus sonhos de descobrimentos. Enfim,
banhei-me, alimentei-me dele e naveguei no rio dos meus sonhos da adolescência.
Mas a paisagem nem sempre é bela como desejamos. A vida tem seus truques.
Certa
vez fui ao hospital local, não me lembro do motivo. Na sala de recepção
encontrei uma garota que aguardava atendimento. Tinha cerca de 7 a 8 anos de
idade, vestia um vestidinho simples que ia pouco abaixo dos joelhos, nos pés
uma chinela empoeirada, os cabelos alourados e pouco cuidados desciam sobre os
ombros magros. O seu olhar cruzou com o meu e seus olhos azuis me fitaram. Olhei
fixamente para aquele rosto sem expressão e fiquei emocionado com o que vi. Pareceu-me
que alguém a tinha maquilado fazendo enormes círculos arroxeadas no entorno de
seus olhos. Naquele momento eu era só indagação, enquanto aquela garota parecia
que pedia-me socorro, sem no entanto fazer qualquer movimento com os lábios ou
com os olhos. Talvez, não entendesse porque estava ali, nem da gravidade da sua
situação. Então abaixou a cabeça como que resignada com o seu destino. Soube
depois que ela tinha leucemia. A imagem daquela menina desde aquele momento, impregnou-se
em minha mente. É horrível o sentimento de impotência diante da fatalidade.
Deduzi, pelo tipo físico que, ela era filha de
algum das centenas de colonos que teriam vindos do sul do país para morar nas
agrovilas, que eram conjuntos de casas pequenas, feitas de madeira, agregadas a
um lote de terras doadas pelo governo federal e situadas à margem e ao longo da
Rodovia Transamazônica com o objetivo de cultivar o solo e povoar a região.
Esse projeto não deu certo e os lotes acabaram sendo abandonados pelos colonos.
A
manutenção da rodovia, não exigia diretamente a minha intervenção constante.
Havia uma equipe de operários, com um encarregado que comandava a realização
dos serviços, usando máquinas e caminhões. Essa equipe adentrava a rodovia,
cujo trecho sob nossa responsabilidade media mais de 200 km, toda segunda feira
e só retornava aos sábados. Levavam os mantimentos necessários para uma semana
e dormiam em barracas armadas por eles ou nas casas abandonadas das agrovilas.
Certa
feita, um caminhão retornou em um dia no meio da semana, fato que só acontecia
quando alguma máquina quebrava e era necessário vir buscar alguma peça, ou
outra emergência séria. Aproximei-me para conversar com o motorista e indaguei
o motivo da vinda. Ele apontou para a carroceria e mostrou-me um caixão
funerário. Disse que era o corpo de uma menina que havia morrido de leucemia e
o pai havia pedido a caridade de trazê-la para ser sepultada em Altamira. Eu
não sei por que uma garota de quem eu não sabia o nome, causou-me tanta comoção
naquele instante. Era a garota do hospital. Ela havia se tornado anjo.
Finalmente
chegou o dia da minha partida de Altamira. Dentro do avião, enquanto eu tirava as últimas fotografias da cidade, através da janela,
uma confusão de sentimentos tomava conta de mim. A alegria por sair enfim de
uma cidade que me sufocava, a tristeza por deixar pessoas queridas e saber que
nunca mais as veria, a satisfação pelo dever cumprido e a impressão que ainda
carrego comigo de que um dia eu vi um anjo de olhos azuis e olheiras roxas. O
meu anjo de Altamira.
Autor: Jailson Vital de Sousa - Custódia/PE
Publicação autorizada pelo autor
Crédito da ilustração: Edmar Sales (veja o marcador deste artista neste blog)
Autor: Jailson Vital de Sousa - Custódia/PE
Publicação autorizada pelo autor
Crédito da ilustração: Edmar Sales (veja o marcador deste artista neste blog)
3 comentários:
Seja bem vindo ao blog Gândavos, Jailson Vital de Sousa.
Parabéns! Jailson Vital.Belo e comovente o seu texto. Abraço
Muito bonito e comovente o texto do meu amigo Jailson Vital, Ele havia me narrado a essência do texto a semana passada, quando estive com ele em Vitória/ES.
Abraço!
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