Autor: Jailson Vital
Apoiou as mãos no cabeçote da sela, firmou os pés nos estribos e ergueu o corpo, ficando quase em pé. Girou o tórax e contemplou aquela multidão às suas costas. Sentiu o coração bater forte. Ele era o comandante daquela imensa massa humana que, a uma ordem sua se abateria sobre o inimigo.
Apoiou as mãos no cabeçote da sela, firmou os pés nos estribos e ergueu o corpo, ficando quase em pé. Girou o tórax e contemplou aquela multidão às suas costas. Sentiu o coração bater forte. Ele era o comandante daquela imensa massa humana que, a uma ordem sua se abateria sobre o inimigo.
O corneteiro deu a ordem de atacar e como um rolo
compressor os cavalos partiram ferindo o chão com seus cascos, num barulho
ensurdecedor. Ele, ali na frente, imponente de espada na mão. O inimigo também
respondia ao ataque e vinha ao seu encontro com toda a sua força. Levantou a
espada prestes a desferir o primeiro golpe. Nesse instante sentiu-se jogado
fora da sela e caiu por terra.
--
Acorda “general”! Não ouviu o toque de alvorada? -- Foram as primeiras palavras que ouviu,
antes de compreender o que tinha acontecido. Ergueu o corpo apoiando-se no
antebraço esquerdo, deu uma olhada na cama e esmurrou o chão com raiva. Não
sabia porquê acontecia; sempre que assistia a um filme de aventuras, sonhava
ser o herói. Desta vez a fantasia fora real demais e chegara até a cair da
cama. Deixou-se ficar sentado ainda por alguns instantes esfregando os olhos,
antes de ir se lavar.
O barulho dos companheiros no refeitório do quartel não
o incomodava. Na verdade, não os via nem os ouvia, por demais absorto em seus
pensamentos,
tomando o seu café e comendo o seu pão.
-- Merda de vida essa. Ter que acordar a essa hora e
ficar o dia inteiro em pé, parado num canto. Ainda mais essa chuva fina que não
para nunca. Não sei porque o que tem de chover, não chove logo de uma vez.
Garanto como a essa hora o coronel ainda está deitado chupando os peitos da
mulher.
-- Acorda “general”!
-- Alguém passara, dando-lhe um tapa nas costas, fazendo com que se
engasgasse com um pedaço de pão. Com esforço engoliu o pão e ainda forçando a
voz:
-- Por que não
vai bater na tabaca da mãe? Qualquer dia eu dou um tiro num “fela” da puta
desses.
Carrancudo, tomou seu lugar com os demais companheiros
no caminhão que os levaria para a cidade e os distribuiria. Desceu junto à
chave do sinal sem se despedir dos companheiros, desligou o automático e pôs–se
ele mesmo a manobrar.
Verde, amarelo, vermelho.
-- Já estou farto dessa vida. Três vezes por semana,
ter que dormir naquele quartel fedorento e deixar Laura sozinha em casa. Hoje
pelo menos, não vou almoçar lá. Laura deve ter preparado a feijoada que eu
pedi. Antes de chegar em casa tomo umas duas no boteco do “seu” Manoel que é
prá abrir o apetite.
Vermelho, amarelo, verde.
Os carros partem como tigres saltando sobre suas
presas. O tráfego é intenso nas duas direções.
-- Aquele idiota ficou ali no meio dos carros! Era bom
que viesse um, pegasse ele pela proa e jogasse na baixa da égua. Só assim, a
gente ia ter uma diversão aqui, hoje.
Verde, amarelo, vermelho.
Um carro ultrapassa o sinal. – Vou multar esse “bacana”, que é prá ele
aprender.
– “Seu” guarda, dá pra passar? -- Dá!
-- A garota de blusa colante e calça Lee atravessa a rua balançando os
quadris num movimento harmônico.
– Eu não sei onde é que vai parar esse mundo. É os
homens com cabelo de mulher, as mulheres com calça de homem; depois que
inventaram essa moda, nunca mais se viu uma perna de mulher nem pelo amor de
Deus. É capaz do cara casar com uma peste dessa e só ver que ela tem uma perna
mais fina do que a outra, quando for dormir. Se minha mulher vestir uma
desgraça dessas, eu largo ela na mesma hora.
Vermelho, amarelo, verde.
-- “Seu” guarda, pode me dizer onde fica essa rua por
favor?
-- Puxa, que garota bonita! Pelo menos isso me
aconteceu de bom hoje.
-- Pois não, senhorita: deixe-me ver. Rua do
Progresso... bem, deixe-me ver onde é que fica.
-- Vou fazer “cera”, prá ficar olhando mais um pouco prá ela.
-- Rua do Progresso...
Rua do Progresso..., a senhorita tem certeza que fica aqui por perto?
-- Bem... me disseram que eu descesse aqui e me
informasse!
O tráfego havia parado na direção do sinal livre e os
carros que estavam parados por imposição do sinal vermelho, começaram a
buzinar.
-- Ah! Já sei! A senhorita dobra à esquerda, mais
adiante, dobra à direita, e vai...
“pibiiiite”...
“pibiiiite”... “pibiiiite”...
-- Vão se fuder!
-- ...e vai em frente. Logo adiante é a rua do
Progresso.
-- Obrigada!
-- Às suas ordens!
Verde, amarelo, vermelho.
-- Boa tarde, companheiro. -- Boa noite. Pensei que não
vinha mais!
-- A culpa não é minha. A culpa é lá “dusôme”. -- Eu sei.
Finalmente podia ir para casa almoçar e descansar.
Chega em casa fedendo à cachaça, chama por Laura.
-- Benzinho, está com muita fome?
-- Ainda pergunta? Dando duro até essa hora, feito um
desgraçado, embaixo duma chuva chata... já estava todo entrevado... tô melhor
agora porque tomei “umas” prá me esquentar, ali no barraco do “seu” Manoel.
-- Benzinho, eu quero lhe dizer uma coisa.
-- O que é?
-- é que eu fui aqui na casa de comadre Luiza, um
instante, e quando eu voltei, a feijoada tinha queimado.
Levanta o braço na atitude de bater na mulher mas se
contém, gira no calcanhar esquerdo e na ponta do pé direito, fazendo uma
meia-volta perfeita, como aprendera no quartel, bate a porta e vai embora.
Sumiu no ôco do mundo.
Autor: Jailson Vital - Custódia/PE
Ilustração: Edmar Sales - Custódia/PE
Publicação autorizada pelos autores
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