quinta-feira, 23 de maio de 2013

Sonhos de um garimpeiro nas águas do Velho Chico


Autora: Maria Mineira

Maricota,

É a primeira carta que escrevo aqui do garimpo. Estou vivendo nessas lonjuras fustigado de saudade pela sua ausência.

Ao raiar do dia, já me encontro com os pés afundados nas águas do São Francisco. A bateia recolhe de grão em grão a areia e o cascalho e faz esse caçador de diamantes sentir saudades das esmeraldas que são seus olhos.

O peneirar me leva de volta à nossa casa... Cota, quando eu ficava te olhando catar feijão na gamela, o jeito que você separava os grãos bons dos carunchados, num galeio pra frente e pra trás...Aqui eu ajunto em cima, as pedras pequenas e no fundo as mais pesadas. A bateia me traz grãos de traço fino, outros grossos, e vou peneirando nas areias a minha pena. Vou rodando a peneira, retinindo a alavanca no cascalho das grupiaras, nessa empreitada que faço por você e por nossos filhos.

Quem não entende, pensa que o garimpeiro é louco. Fica queimando as costas, debaixo do sol escaldante, mas quem esta aqui não vê nada disso, até esquece o pito de palha apagado atrás da orelha. Os bichos chegam perto da gente, bebem água e vão-se embora. Passam, pato mergulhão, garça e saracura, passa nuvem, chove e faz sol... E o rio a correr para o mar. Eu vivo nessa busca incessante por melhores dias.

Garimpar é vício doido! O cabelo cresce, a barba branqueia, o monte de cascalho e areia aumenta de grão em grão, derrubamos mais barranco, mudamos de ponto, subindo o rio, descobrindo novas barras, novas águas desse meu sertão das minas de diamantes.

O rancho aqui é só de capim sapé amarrado, a comida eu mesmo faço, coisa pouca, carne seca com feijão e farinha, o café adoço com as rapaduras que você me enviou.

Eu vim parar numa região boa, uma fazenda conhecida como Vargem Bonita. Num instante já vai virando arraial. Vejo surgir casas de adobe e telha no lugar dos ranchos de capim. Fizeram uma capela aonde vem até padre batizar a meninada que danou a nascer depois que muitos homens trouxeram as famílias.

Eu viajo sozinho, a tralha é maneirinha, garimpeiro, você sabe, carrega muito é esperança e sonho... Acredito que um dia, se Deus quiser... Quem sabe?

Maricota, os companheiros aqui falam que, garimpeiro não pode sentir saudade e nem carregar consigo amor nenhum... Diamante, não sei se vou encontrar, apenas sei que sou e serei seu eterno amante.

Minha doce Cotinha, de grão em grão o sono se aproxima... Até o cansaço é bem vindo, pois, me entrego nos braços da noite a sonhar e o devaneio me traz a lembrança do calor do seu corpo ausente.

Termino com os olhos marejados... Abraço você minha Maricota, o Joãozim, o Genôr, o Nico e a nossa caçulinha Aurora.

Do seu garimpeiro cheio de saudades.

Tininho




Autora: Maria Mineira - São Roque de Minas/MG

Ilustração: Edmar Sales

Página da autora:

       http://www.recantodasletras.com.br/autor.php?id=86838

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Um comentário:

Carlos Costa disse...

Maria Mineira, a amiga é versátil tanto escrevendo causos com a linguagem tipicamente mineira quanto escrevendo sobre uma carta de um garimpeiro à amada. Adorei a leveza de sua narrativa, companheira!