Autora: Ana Bailune
A paisagem seria bonita, não fosse tão
seca. O céu era de um azul profundo, límpido, total. O azul mais azul do mundo.
Contrastava com o vermelho do chão coalhado de rachaduras, e o mato seco e
morto que deixava tudo ainda mais desolado.
Mariinha, seis anos, morava com a
família – mãe, pai, cinco irmãozinhos – em um casebre de dois cômodos. Menina
magrinha, de cabelos loiros tão ressecados quanto palha fina prestes a pegar
fogo ao sol escaldante. Rosto sempre sujinho, pés descalços como seus cinco
irmãozinhos. Tinha dois vestidos: um inteiro, de ir à missa na vila, e outro
com a manga rasgada – ficara presa em um espinho de mandacaru – que usava para
ir à escola. Em casa, Mariinha andava quase nua, vestindo apenas uma calcinha
feita pela mãe, de saco de estopa.
O pai trabalhava na horta... isto é,
quando Deus mandava chuva. Naqueles últimos dois anos, Deus andava um tanto
econômico com a água, e a plantação de feijão e mandioca, há muito, morrera. Só
havia um poço de água cada vez mais barrenta, há alguns quilômetros da casa
onde Mariinha vivia com sua família. Eles iam até lá três vezes por semana,
cada um carregando uma vasilha para encher d’água. As vasilhas sempre chegavam
com água pela metade, que as crianças deixavam entornar ou que o sol fazia
evaporar.
Mariinha e seus irmãos iam à escola. Não iam todos os dias, pois às vezes, o sol estava tão escaldante, que ficavam com preguiça de andar pela estrada barrenta. Mesmo de manhãzinha, o calor já envolvia a todos com seus dedos quentes e pegajosos. Na escola, eles às vezes merendavam: um copo de café com leite fraquinho, um pedaço de pão, ou um prato de sopa.
Mariinha e seus irmãos iam à escola. Não iam todos os dias, pois às vezes, o sol estava tão escaldante, que ficavam com preguiça de andar pela estrada barrenta. Mesmo de manhãzinha, o calor já envolvia a todos com seus dedos quentes e pegajosos. Na escola, eles às vezes merendavam: um copo de café com leite fraquinho, um pedaço de pão, ou um prato de sopa.
Tia Marinalva – a professora – fazia o
que podia. Tinha vindo da cidade grande para ensinar as crianças. Mariinha
simplesmente a adorava! Queria ser professora, como ela.
Sonhava com o dia em que ela estaria de
pé na frente da sala de aula, escrevendo no quadro com o giz. E todas as
crianças prestariam atenção ao que ela dizia, e seus pais diriam, com orgulho,
que tinham uma filha que era professora.
Na sala de aula, Tia Marinalva tinha
uma roseirinha plantada em um vaso. Todos os dias, ela punha um cadinho d’água,
um tiquinho de nada, o suficiente para que a mirrada roseira crescesse um
pouquinho só. Ela mostrava às crianças, dizendo:
-Vejam, meus pequenos: a gente deve ter
sempre fé na vida, e mesmo que a fé da gente seja um tiquinho, como esse
golinho de água que eu uso para molhar a roseira todos os dias, um dia Deus
ajuda, e a roseira da vida floresce. Não se esqueçam disso!
As crianças ouviam com atenção, os
olhos esbugalhados de curiosidade e fome.
Mas um dia, Tia Marinalva foi
transferida para uma outra escola, bem longe dali. Todos ficaram muito tristes,
mas nada podiam fazer. Antes de ir embora, ela ergueu com a mão o rosto de Mariinha
(sua preferida) e entregou-lhe o vasinho com a roseira, dizendo:
-Cuide dela para mim, pois quem sabe,
um dia eu volto?...
Lágrimas sujas escorriam pelo rosto da
menina.
E Mariinha levou a roseira para casa,
carregando-a com dificuldades pelo caminho, sob o sol escaldante do meio-dia.
As lágrimas deixavam a paisagem ainda mais baça.
A mãe e o pai conversavam no alpendre.
Diziam que a seca não acabava nunca. Reclamavam, cismando sobre como
alimentariam as crianças no dia seguinte, já que a comida – um pouco de farinha
e melaço – só daria para mais aquele dia. O pai resolveu ir à cidade, ver se
conseguia alguma coisa. Voltou ao cair da tarde, trazendo algumas batatas, que
comeriam no dia seguinte.
Conseguir água estava ainda mais
difícil, já que o poço mais próximo finalmente secara. Tinham que andar pelo
menos quatro horas de ida e volta até o próximo vilarejo.
Um dia, a mãe viu quando Mariinha bebeu
da metade de sua caneca d’água, jogando a outra metade no vaso da roseira.
Imediatamente, a mãe ralhou com ela:
-Ô menina abestada, jogando água fora?
Num sabe o trabaio que dá pra carregá? De hoje em diante, nada de jogar água na
terra!
-Mas mãe, é a roseira que a tia Marinalva pediu pra cuidar! Ela disse que a roseira é para ter esperança...
-Mas mãe, é a roseira que a tia Marinalva pediu pra cuidar! Ela disse que a roseira é para ter esperança...
-Que roseira que nada! A gente num pode
cuidá nem da gente mesmo, ainda inventa de cuidá de roseira... eu proíbo de
jogar uma gota que for nesse vaso! Esperança... que esperança que se tem nesse
fim de mundo, minina?
Dizendo isso, a mãe pegou o vaso,
jogando-o pela janela. A terra ressecada caiu no chão. Mariinha chorou durante
muito tempo, mas à noite, quando todos dormiam, ela foi lá para fora e recolheu
tudo no vasinho de novo. Só a lua viu.
Escondeu a roseira atrás do tanque
seco, onde ninguém nunca ia. E todos os dias, ela ia lá, escondidinha, levar um
pouquinho de água para a roseira.
Mas Deus decidiu que a roseira não
precisava de cuidados, pois levou embora Mariinha. Os pais a enterraram em uma
cova rasa, atrás do casebre. Não teve padre, nem missa; apenas o choro dos pais
e dos irmãos, que amedrontados, olhavam fixamente, enquanto o rosto de Mariinha
sumia sob as pás de terra.
Mas o tempo passou, e veio a chuva. E
veio forte. Aos poucos, o solo rachado foi sendo consertado pelas correntezas
de água. A paisagem voltou a ser verde, e o Mandacaru floriu. Certo dia, a mãe
foi até o velho tanque lavar a pouca roupa, enquanto o pai replantava algumas
sementes de feijão. Foi então que ela viu, com os olhos cheios d’água, uma
mancha vermelha.
Era a roseira da esperança.
Autora: Anabailune - Petrópolis/RJ
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Blog: Ana Bailune - Liberdade de Expressão
Postagem: Face
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7 comentários:
A ROSA DO SERTÃO, lindo e triste texto da ANA BAILUNE ... e a vida continua... feliz maneira da autora mostrar como ou até...
Emocionante! Ao ler um texto assim eu não resisto e as lágrimas embaçam o final da leitura.Parabéns, Ana!
Obrigada, Carlos e Maria. Obrigada a todos. estas histórias simplesmente aparecem na minha cabeça, é como se os personagens se sentassem nalguma pedra dentro do meu cérebro e fossem ditando elas para mim. E quando eles vem, não dão uma segunda chance se eu não puder me sentar na mesma hora e escrever.
Incrível isso, Ana, não há uma segunda chance mesmo. Pegar ou largar!
Excelente casamento das palavras com as imagens, com a paisagem. Apesar da tristeza que desperta, há um fluir gostoso das palavras, tudo muito bem relacionado. Texto extraordinário!
Flávio Cruz
Que lindo seu texto...fiquei assim... encantada com a história e envolvida. Me trasportei para o cenário e por vezes conseguia visualizar "Mariinha" e a "roseira esperança". Lindo, lindo, lindo texto Ana. Parabéns!
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