Além das vacas, cabritos e aves, havia no sítio
um burrinho velho deixado pelo boiadeiro, em troca do pouso numa noite chuvosa.
O animal era de cor marrom, pelo ralo e olhos
mansos. Tinha uma doçura e mansidão sem fim. Virou
montaria de intrépidos cavaleiros e amazonas, passava os dias pastando a
grama que crescia verdinha, ali em volta da casa. Puseram-lhe o nome de Burrim
Véi.
A menina começou a protegê-lo, tão manso e
indefeso parecia ser. Até convenceu o avô a construir um cocho, onde depois dos
passeios, o deixavam ficar comendo farta e sossegadamente o milho, as
canas e até cenouras que trazia da horta da avó. ·.
Dizem que os burros têm mais intuição que os
cavalos, principalmente para distinguir o perigo, em estrada molhada, para
descer morro e até para atravessar rio o burro é mais garantido.
Nas férias de final do ano a menina foi a
primeira a chegar, procurou no gramado onde o animal ficava
e não o encontrou. Com o coração apertado perguntou ao avô:
—Vovô, cadê o Burrim Véi?
O avô nunca mentia para os netos e com
semblante triste contou:
—Seu tio vendeu ele...
—Vovô, cumé qui o sinhor teve corage de
deixá vendê ele?
—Ieu num dexei minha fia, sabia qui ocêis
tinha amor nele. Foi seu tio qui vendeu no dia qui o vovô num tava im casa...
O tio apareceu de repente e sem um pingo de dó,
riu e foi logo dizendo aos sobrinhos:
—Aquele burro véi docêis, uma hora dessas já
virô salame! Oia as butina novinha qui ieu comprei com os cobre.
A menina chorou sem parar. Se recusava olhar
para o tio, não falava com ele. Não pedia mais a benção, transformou-se na sua
maior inimiga. Não gostava nem de ver as roupas dele secando no
varal.
Certo dia o tio foi picado por uma cobra
cascavel, ficando entre a vida e a morte, pediu que chamassem a sobrinha.
Queria seu perdão.
O avô pegou a neta pela mão, levando-a até onde
estava o tio enfermo. Ela emudeceu ao olhá-lo nos olhos e saiu correndo do
quarto. Sentia um mal estar enorme diante dele, uma coisa sem explicação.
Depois de algum tempo, convenceram-na a voltar
e falar com ele. A benção ela tomou de longe, com medo que ele morresse,
mas não conseguiu dizer mais nada. Sua presença a magoava, isso durou anos. A
cicatriz ficou apesar do tempo ter se encarregado de amenizar, fazer doer
menos.
Restou a saudade do Burrim Véi... Em volta da
casa a grama cresceu.Autora: Maria Mineira - São Roque de Minas/MG
6 comentários:
Nossa que lindeza de história! Verdadeiro amor que só coração de criança sabe sentir. Tocou-me profundamente. Parabéns da Marina Alves.
Bela história...
(Padrão usado em todos os textos comentados para dar a todos um tratamento igual). Fazendo pois uso dos critérios apontados no regulamento, deixo aqui minha impressão: ortografia, gramática e pontuação mostram que o autor ou a autora tem domínio dos mecanismos da língua (incluindo o vernáculo) e consegue transmitir idéias de modo compreensível e criativo – se há erros de linguagem, não detectei durante a leitura. Trata-se de uma narrativa cuja leitura me envolveu bastante e apresenta um desfecho coerente e comovente. A trama é simples e conseguiu convencer-me. A narrativa parece aproximar-se bastante da proposta do concurso (observando o requisito de demonstração de afeto). Avaliação pessoal: um texto muito bom, parabéns à autora ou ao autor. (Torquato Moreno)
parabéns conheço bem a fera que escreveu só não digo por questões de értica respeitando o concurso...Meu aplauso...GERALDINHO DO ENGENHO
Texto magnífico. Perfeitamente dentro dos parâmetros do concurso. O texto vai num crescendo e leva o leitor a sentir as mesmas emoções da criança e com desfecho surpreendente. Parabéns a quem o produziu.
Trem bão de mais pra se ler.
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