“É dura a vida de quem
não é macho-alfa!” Diria Black Jack, se falar pudesse. E se falasse, eu lhe
responderia: e como sei, garoto! Pobre, baixinho, gordo e corno, como eu,
entende muito bem dessas coisas... Mas outro dia eu lhes conto a minha
história, hoje vou lhes contar a vida deste gato preto que um dia conheci:
Quando cheguei à empresa
onde até hoje trabalho ele já vivia por lá. Alimentava-se dos restos de carne
do almoço do pessoal que come por lá mesmo. Só que era magrinho de dar dó,
porque tem dia que vem carne tão dura na marmita, que a gente desiste dela e joga algum pedaço
fora, mas tem dia que não e, nesses dias, o coitado não comia. Nunca fui de
muito chamego com gato, prefiro cachorro, mas,
não sei porque, fui com a cara dele. Para sua sorte e meu azar, a minha
carne danou a vir dura quase todos os dias e o bicho foi engordando, à minha
custa. E foi se apegando a mim, porque
não era alfa mas também não era burro; sabia muito bem que comigo a coisa rendia.
Como eu sabia que ele
não era alfa? Eu não sabia, fiquei sabendo um tempo depois, quando apareceu um
outro gato, este malhado de branco e cinza, a quem dei o nome de Tigrão. Na
verdade o nome era pra ser Tigrinho, porque ele se parecia mesmo com um tigre,
só que em miniatura, mas achei que ele ia se aborrecer com o diminutivo e
acabou ficando Tigrão. Não se brinca com o ego de um macho. Pois bem, quando
chegou o Tigrão, já foi logo dando um chega-pra-lá no Black Jack, no momento em
que eu ameacei jogar os pedaços de carne pra eles. Como ele não reagiu e só me
olhava com olhar suplicante, ali eu entendi que o negócio não era só cortesia
com o visitante. O bicho se borrou de medo do outro, e o outro comeu a sua
carne e foi-se embora, para só voltar no dia seguinte, ao contrário dele, que nunca
ia para lugar nenhum. Resumindo: o Tigrão tanto voltou que acabou ficando
também. Com o tempo e a minha constante intervenção eles acabaram tendo uma
convivência pacífica. Sustentar dois gatos com a minha parca carne não dava,
então resolvi comprar ração para eles. Pensando bem, acho que a convivência
pacífica foi por não terem que disputar comida, já que, na fartura, até os
homens convivem bem. Os machos de todas as espécies só se enfrentam por dois motivos: por comida
e por fêmea, o que dá no mesmo, dependendo da interpretação de cada um. A
comida não era mais problema, mas um dia apareceu a Mary Jane e... bem, digamos
que não foi um bom dia para Black Jack.
Mary Jane era uma
gatinha amarelinha, novinha ainda, mas já bem saliente. Como toda fêmea, já
chegou nariz empinado, dona de si, como se os machos tivessem a obrigação de
lhes ceder a primeira porção. Black Jack, cavalheiro e certo de que também
comeria ( a ração ) não se incomodou, porém com o Tigrão ela teve que negociar
muito. Com macho-alfa não tem essa de cortesia fora de hora com fêmea não. Mary Jane, devido à personalidade altiva e
taciturna de Tigrão, acabou se entendendo melhor com Black Jack e formamos, os
três, o bloco dos fracotes assumidos. Onde comem dois comem três, a ração
aumentou e a vidinha deles continuou tranquila. Continuou tranquila até o dia
em que ela entrou no cio...
Desta vez digamos que
não tenham sido bons dias para Tigrão. Apareceu macho-alfa de tudo quanto foi
lado e todos eles brigando com ele, por causa dela. E ele, ao invés de aprender
com a sabedoria de Black Jack, que saíra de cena na primeira arranhada, arcou
com as consequências do seu machismo. “Defender território não é mole não!” ele
gritava pra mim, no seu idioma. E Mary Jane se fazendo de lady, só esperando o
vencedor. Black Jack e eu, só observando. Eu, curioso e torcendo por Tigrão, e
Black Jack atrás e embaixo de mim, não sei se torcia pelo amigo ou se só queria
que aqueles dias passassem rapidamente. Tigrão lutou bravamente e conseguiu
expulsar todos eles mas, no momento em que ia desfrutar da merecida recompensa,
esbarrou num viking, recém chegando e já dando voadora. Olha, até eu fiquei com dó do Tigrão, porque
foi uma luta desigual: de um lado do ringue, um enorme gato branco de olhos
azuis, unhas afiadíssimas e pulmão ainda fresco e de outro, um gato grande também,
mas cansado e todo estropiado das lutas anteriores. Não deu pro Tigrão,
infelizmente. Ainda me lembro de vê-lo se urinando todo: de dor, de medo, de
humilhação e com um dos olhos imprestável para sempre. Fugiu e nunca mais o vi.
“Bobo”, pensei. Podia ter ficado aqui com a gente, mesmo não sendo mais o
macho-alfa do pedaço. Quem de nós iria criticá-lo?
O viking, a quem chamei
de Jack White, praticamente só pernoitou e também se foi. Eu vi, pelo olhar de
Mary Jane, que ela preferia que o vencedor tivesse sido Tigrão, talvez porque
com ele ela teria como dividir as tarefas da criação dos filhotes que viriam,
mas, sabe como é, teve que servir
comidinha e agasalho ao vencedor. As coisas são assim no reino felino, fazer o
quê...
Durante a gestação a paz
voltou a reinar e, não sei se foi impressão minha, ou se realmente Black Jack
estava até mais tranquilo que o normal e ela, amorosa com ele. Todos os dias eu
os observava, um ao lado do outro. Às vezes até caminhavam juntos, como se
conversassem por telepatia. E não é que formavam um casal simpático? Até decidi
que quando ela parisse eu ia mandar esterilizá-la, em homenagem ao meu amigo,
que se revelou um bom partido. Ele me
ensinou muito da vida, tanto que, se hoje estou noivo, devo a ele a minha
coragem de me declarar. Aprendi com ele que carinho e atenção também podem
cativar uma fêmea. No dia do parto foi ele quem me chamou para me apresentar
aos seus filhos adotivos. Mary Jane
assustou-se com a minha presença, porque é de praxe que as mães escondam seus
filhotes até que eles estejam desmamados; mas não ficou tão surpresa quanto eu,
ao conhecê-los. Cinco rebentos: dois brancos, dois amarelinhos como a mãe e um
todo malhado, com as cores amarela e preta, bem mais franzino do que os
outros... “Black Jack, seu danado, cê veio lá das bandas de Minas, foi?”
4 comentários:
(Padrão usado em todos os textos comentados para dar a todos um tratamento igual). Fazendo pois uso dos critérios apontados no regulamento, deixo aqui minha impressão: ortografia, gramática e pontuação: se há erros graves desta natureza não percebi durante a leitura. Notei um ou outro detalhe (um ‘porque’ junto que talvez devesse estar separado, nada mais do que isso). A história é criativa, contada de forma bem humorada e o texto tem um bom ritmo natural, me envolveu completamente. A trama é simples, convence sem esforço, a leitura flui. Parece aproximar-se bastante da proposta do concurso (observando o requisito de demonstração de afeto). Avaliação pessoal: um ótimo texto! Parabéns à autora ou ao autor. (Torquato Moreno)
Com bom humor tudo fica melhor, e o conto deslizou frase a frase numa sucessão muito interessante de ideias e fatos. Parabéns. Marina Alves.
Texto bom. O conto se estende por um lapso de tempo longo, que faz com que a narrativa tenha momentos de menor interesse. Alguns deslises ortográficos, facilmente contornáveis, não prejudicam a sua qualidade. O fechamento jocoso eleva a satisfação do leitor. Parabéns a quem o produziu.
Um texto bem narrado e gostoso de ler, parabéns ao autor(a).
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