Em cada casa, pude acompanhar o alvoroço das
trocas e a balbúrdia deles falando e rindo em sua língua. Às vezes, paravam e
olhavam para mim e riam, riam muito. Participei do moitará colocando
meus“presentes” (é assim que são chamadas essas mercadorias de troca) e, então,
eu anunciava quais presentes gostaria de receber: colar, pulseira, artesanato,
etc. Quais os presentes que eu colocava? Pilhas, sabonetes, sabão em barra,
anzol, linha, roupas e outras coisas semelhantes.
Lá pela terceira ou quarta casa, coloquei dois
sabonetes no chão e disse que gostaria de receber “qualquer coisa”. Foi quando
uma índia pegou os sabonetes e colocou no meu pescoço um lindo colar feito de
sementes de tiririca. Com o meu novo colar no pescoço, vi que os índios riam e
falavam entre si e, novamente, riam olhando para mim. Disse a eles que havia
achado lindo aquele colar que sustentava um lindo animal feito com aquelas
pequenas sementes: um jacaré. Mas, a cada casa que eu ia, o colar causava uma
certa excitação e as índias riam e os índios diziam: “jacaré, jacaré”. Esta
cena foi-se repetindo de casa em casa e, claro, comecei a ficar incomodado com
os risos de índios e índias por causa do colar. Até que um jovem chegou perto
de mim e também reparou no colar. Como já suspeitava de que havia caído numa
armadilha cultural, fui logo me explicando: “É, ganhei esse jacaré no moitará.
Alguém me deu”. Então, esse jovem olhou para sua irmã e apontando o dedo para
ela me disse: “Minha irmã te interessa?” Fiquei perplexo com a pergunta: “O que
você disse?”Ele repetiu: “Minha irmã te interessa?” O que podia fazer? Eu olhei
para ele e falei: “Não, muito obrigado, já sou casado e sou homem de uma mulher
só”. Claro que disse isso entre sorrisos amarelos e tapinhas nas costas dele
para tentar ser o mais simpático possível.
Voltei para a casa do cacique onde estavam minhas
coisas e rapidamente tirei o colar e o guardei para nunca mais colocá-lo. É,
realmente havia caído numa armadilha cultural: eles não comem carne de jacaré,
pois o jacaré é um animal que, quando chamado pelas índias, sai das águas em
forma de homem para se deitar com elas escondido de seus maridos. Este foi meu
primeiro dia na aldeia e exemplifica bem os cuidados que preciso ter, pois,
numa cultura diferente, até um belo e exótico colar pode significar muito mais
do que um simples enfeite.
Publicação autorizada pelo autor em 04/06/2012
2 comentários:
Querido Carlos, mais uma vez agradeço o espaço todo especial deste teu blog para poder publicar histórias tão caras a mim.
Abraços!
A idéia é essa amigo Wanderley Dantas. O Gândavos é coisa do coração!
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