"Ih! Lu!
Esqueci de avisar para vocês que não tem água na aldeia há duas semanas",
disse o Cacique. Fiquei pensando como que se esquece de avisar que não tem
água!...
Nossa água vem
de um poço artesiano e é distribuída às torneiras que ficam do lado de fora das
casas, sendo uma torneira para cada duas casas. Sob estas torneiras coletivas,
tomamos banho, bebemos água, lavamos louça e roupa, etc. Todavia, não ter água
alguma era uma situação que não prevíramos.
Em julho, nosso
Cacique já havia esquecido também de nos avisar que não teria aula por ser um
período de festas na aldeia. Ficamos lá assistindo as festas, gravando suas
histórias, língua, traduzindo textos e aprendendo a língua, mas todo o material
escolar que comprei para as aulas tiveram que esperar até o fim de agosto,
quando terminaram as festas.
Assim,
imprevistos como esses precisam ser tolerados. Não há como ficar voltando à
cidade a cada problema ou falta de alguma coisa (exceto em caso de emergência),
já que entrar e sair da aldeia têm um custo financeiro muito alto. Embora da
cidade para a aldeia sejam apenas 5 horas de viagem, o carro fretado que nos
leva à beira do rio e depois nos pega ali para nos levar de volta à cidade
cobra $500,00 (quinhentos reais), além dos 100 litros de gasolina que temos que
levar para abastecer o barco da nossa aldeia que nos busca e depois nos deixa
na beira do rio novamente. Aqui, o preço da gasolina está R$ 3, 25 (três reais
e vinte e cinco centavos)! Tudo isso sem contar as compras de subsistência que
fazemos para passar o mês na aldeia. Assim, como todo bom professor neste país,
pagávamos para dar aula, mas, evidentemente, há muitos amigos que nos ajudam
para que possamos levar à aldeia uma educação de qualidade.
Então, quando vi
entregarem um balde de plástico de 20 litros na mão da Lu, dizendo que tínhamos
que pegar a água do rio e levar para nossa casa, eu e a Lu nos olhamos e vi em
seu rosto li todos os seus pensamentos: "ter que ir ao rio buscar água
para lavar roupa, lavar louça, molhar a casa, escovar os dentes e, pior, beber
água?!" Um quilômetro do rio à casa, sendo que a volta pareceria uma longa
e interminável subida... O que estava em jogo, na verdade, era o nosso respeito
à cultura da comunidade e na cultura deles quem faz o trabalho duro na aldeia é
a mulher: arrancar mandioca, carregar mala, trazer e levar madeira, suportar
peso... buscar água! Então, a Lu precisaria se resignar...
Após buscarmos no rio nosso primeiro balde de água
(fui junto para dar apoio moral a Lu e as minhas filhas, que, embora crianças -
5 e 3 anos de idade -, na cultura, teriam que ajudar a mãe), chegamos em casa e
a Lu sentou cansadíssima sobre a cadeira e me ouviu dizer: "Não sei se vai
dar para ficar aqui sem água"... Naquele exato momento, estava visitando a
aldeia um funcionário da saúde do Estado. Ele entrou na nossa casa e a Lu
imediatamente perguntou quando que teríamos água. "Só no início da próxima
semana, dona. É quando os técnicos podem vir ver o problema", respondeu
ele. O técnico viu a cara de frustração que a Lu fez, já que ainda estávamos na
quarta-feira.
-Amor – disse-me a Lu – ainda bem que você não é
índio. Você é quem vai buscar água no rio!
-Lu, meu amor,
eu tive uma tataravó indígena, assim, penso que você deverá respeitar minha
cultura e buscar água para nós - brinquei com ela. Enfim, ficamos por quase
vinte minutos arrumando nossa casa, quando, repentinamente, entra aquele
funcionário da saúde novamente, dizendo com a cara mais espantada do mundo:
"Dona, sua oração é forte! Fui lá ver e era só um probleminhazinho que
resolvi na hora. Voltou a água"! Lu deu pulos de alegria, e eu suspirei
aliviado. Então, naquele mês, cada vez que íamos àquela torneira, agradecíamos
a Deus por sua terna bondade.
Prof. Wanderley
Dantas
Publicação autorizada pelo autor em 05/09/2012
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