quarta-feira, 11 de julho de 2012

Tamanho não é documento de valentia - Autora: Celêdian Assis

Desde o princípio dos tempos, nós mulheres, fomos “adestradas” no sentido de respeitar o homem pela sua força ou pelo seu porte físico e que a presença deles nos garantia proteção e segurança. Exatamente por serem considerados mais fortes e protetores que as mulheres, chorar ou manifestar medo por alguma coisa, era inconcebível para eles.
Dia desses não pude deixar de ouvir uma conversa de um casal, devido à proximidade que estavam da poltrona do ônibus no qual viajamos. Diga-se que ele me pareceu um homem alto e forte e ela uma moça bem franzina. Constatei que a concepção de fortaleza do homem perante a mulher, vem mudando através dos tempos, pelo menos no que se refere a assumir publicamente e sem constrangimento, os seus medos e inquietações, inclusive sem a preocupação de parecer menos másculo. Sinal dos tempos?
Conversavam sobre assombrações e confesso, me diverti muito e a moça que estava com ele também gargalhava o tempo todo, enquanto o rapaz parecia intrigado por ela parecer tão destemida. Ele contava com detalhes algumas histórias e comportamentos dele em relação aos seus medos, que já o acompanhavam desde criança. A primeira história, entre outras que narrou, havia acontecido recentemente. Na empresa na qual trabalha, de última hora, por conta da comemoração do dia internacional da mulher, ele havia ficado até mais tarde com uma equipe, para montar nos corredores alguns enfeites, cartazes com mensagens, etc. O que me lembro da prosa é mais ou menos assim:
Ele: - Pois não é que uma jornalista que estava com a gente viu uma perna?
Ela: - Uma perna, como assim? Perguntou.
Ele: - Acho que ela é sensitiva. No entanto, o nosso prédio é cheio de grandes corredores e de histórias. Eu o conheço bem porque trabalho lá aproximamente trinta anos. Estávamos parados, de costas, quase na virada de um corredor para o outro. Ela virou-se e viu uma perna dobrando a esquina do corredor. Ela viu somente o momento que a perna ia se deslocando como a última parte do corpo na esquina. A perna não tinha roupa.
Ela: (risos) – credo! Assombração?
Ele: - Para vocês que vem do Sul, não sei, mas para cá tem mil histórias. Estou lendo do Gilberto Freire “Assombrações do Velho Recife”.
Ela: - Por lá também temos muitas lendas, mitos, casos de assombrações.
Ele: - Só que aqui temos o sertão que é uma região meio abandonada onde o misticismo é o que fala. Eu só sei de uma coisa. O meu corredor é imenso. Sai de lá morrendo de medo de voltar sozinho para casa. Duas horas da manhã acordei e fiquei muito receoso. Em outras palavras: acredito em assombrações (risos). E tem mais, eu só durmo com as luzes da casa acesa e sempre tenho uma vela e fósforos ao lado da cama.
Ela: - Esta é ótima, um homem deste tamanho todo! (ela não se continha e dava altas gargalhadas).
Ele: - Se divertindo não é?  No dia que alguém mexer no teu pé enquanto dorme (risos)
Ela: - Não tenho um pingo de medo, nem de gente viva. Acredita que durmo de janelas abertas?
Ele: - Vejo que tu não entendes de almas. Elas entram com janelas abertas ou não.
Ela: - Eu rezo pelas almas todas as noites e aí elas me deixam em paz.
Ele: - Ora, o Nordeste sem assombrações seria como uma comida sem sal. É a nossa cultura. Somos ricos nessa área. O misticismo explica muita coisa por cá.  E se não explica, a gente faz de conta que explica. Eu sempre tive uma relação de medo e de namoro com assombrações. Tive uma infância regada de histórias de almas penadas e perdia o sono, de tanto medo. No entanto queria ver, ouvir e visitar lugares onde poderiam acontecer coisas assim. Ia ao cemitério com o padre ao lado, mexer nas cruzes à meia noite.
Ela: - O próprio medo te instigava a desvendar os mistérios?
Ele: - Sei lá o que era aquilo que me movia! Tu já entraste numa igreja à noite com todas as luzes apagadas? É para morrer de medo.
Ela: - Não tive esta experiência (risos). Só me lembro de ter tido medo quando era criança, mas mesmo assim, fazia farra com o medo e vivia aprontando com os outros mais medrosos, provocando situações que os assustasse. A fazenda de meus avós, na época de minha infância, era o cenário perfeito para as assombrações, pois morreu alguém enforcado por perto e diziam que o tal aparecia para as pessoas e...
Ele: - Pode parar por ai, nem me conte mais nada, senão não vou conseguir dormir hoje.
Ela:  Deixa eu contar, vai ver que é até divertido (risos).
Ele: - Cruz credo! Vamos mudar o rumo da prosa? E só para arrematar vou te contar. Um dia cai na besteira de ir a uma psicóloga resolver uns problemas. Isso por conta do aconselhamento de uma namorada que também era da área. Ela disse: vamos tentar eliminar todos os seus medos. Sabe o que respondi? De jeito algum, não tire os meus medos. Eu sou tudo isso. Se a senhora eliminar meus medos está tirando minhas defesas. Cai fora de lá.
Eu não conseguia parar de rir, ouvindo aquela conversa. Não sei o que era mais hilário, se ver aquele homem forte com um ar sisudo, morrendo de medo, ou se era a moça morrendo de rir das histórias dele.  Só sei que medo de assombração é coisa séria e melhor mesmo é não brincar com estas coisas, afinal é como disse o rapaz ao final de sua conversa: - E daí? Ninguém troca tapas com assombrações, então o tamanho é o que menos importa.


Autora: Celêdian Assis - Belo Horizonte/MG

http://sutilezasdaalmaemente.blogspot.com/

3 comentários:

Carlos A. Lopes disse...

Belo conto minha cara Celêdian Assis. Realmente o misticismo não anda na moda aqui no Nordeste, faz parte do nosso dia-a-dia. Confesso e reconheço semelhança com o tal personagem da história. A gente pensa que tudo se explica pela ciência mas não é bem assim. Muitas das nossas verdades são aceitáveis pela falta de um conhecimento maior do assunto. Porém, trata-se de um assunto muito singular. Quem é sensível ou tem sensibilidade o que menos quer é se expor. Dá pra ser inteligente e admitir certas manifestações das quais pouco entendemos. Bom ... vou terminar por aqui. Tenho que ir até a venda da esquina comprar velas, sabe-se lá se não vai faltar luz mais tarde? Deus me livre! Na escuridão da noite assombração pode aparecer.

Wanderley Dantas disse...

Celêdian, delícia de conto! É cada uma, não? Mas gostei demais de ouvi-lo dizer que os medos são nossas defesas, e não são? O medo racional é presente que nos foi dado para nossa própria preservação. Quanto valentão não já morreu por aí por bobeira? O problema é só quando o medo deixa de ser um aviso e passa a ser um vício. Mas eu me lembrei mesmo de quando eu era criança e minha tia falou sobre o espírito que vinha puxar o pé se não o cobríssemos... e não é que numa noite eu psenti direitinho meu pé sendo puxado! Pulei da cama (estava recém-operado), cheio de dor, mas quem disse que ia ficar sozinho naquele quarto! O medo é uma das mais profícuas fontes da boa literatura. Parabéns! Abraços!

Marcio disse...

Celêdian, minha querida amiga.

Ter você por perto é sempre sinal de boa prosa. Crônica fantástica e falando de algo que sempre mexeu um pouco com meu lado escritor. Sou um tanto cético como pessoa, mas o "eu" escritor, esse se esparrama no assunto.

E olha, na hora em que o susto ou o medo pegam valendo, não existe tamanho nem machesa. Tem muito marmanjo por aí que quer se passar por fortaleza, mas quando estão sozinhos, se borram todos. Conheço vários assim.

Eu, mesmo com meu ceticismo, não brinco muito com o desconhecido. Vai que aquilo me prova, por a+b, que existe? Daí quem se borra sou eu... rsrs.

Crônica deliciosa, minha querida amiga. Bjs.

Marcio

Ps.: no momento, estou tremendo, mas é de frio, tá? Curitiba está um gelo. rsrs.