A roça de mandioca gera a subsistência de todos.
Da mandioca é feito o caldo de mandioca, que é chamado de perereba; também se
faz o polvilho, que resulta no biju. Este tem duas qualidades: o kine, que é um
biju grosso e mole feito para se comer com peixe e o kagupe, que é um biju bem
fininho e duro para se comer assim que se acorda. Mas a roça também é um lugar
de muitos significados, já que nas histórias do meu povo a roça é também o
lugar do adultério. Este se dá em encontros que são escondidos sob uma máscara
mitológica: os amantes são apresentados como espíritos de animais! Assim, as
narrativas simbólicas apresentam mulheres sempre seduzidas por cachorros,
jacarés, antas, etc.
- Elas estão rindo de quê? Perguntei ao cacique.
-Professor, elas não acreditam
que você tenha só a Lu de esposa. As índias estão rindo porque sabem que branco
é igual índio. Quando eu saio da aldeia,
professor, eu deixo minha mulher aqui e esqueço dela. Aí, arranjo outra mulher.
Com o branco é a mesma coisa, eu sei. Ele sai da cidade dele, esquece a mulher
e vai para outra cidade e lá tem outra mulher. Depois volta para a cidade e
volta para a mulher. Cada saída, uma mulher nova – explicava-me o cacique.
Na aldeia, o
homem pode ter duas ou mais esposas, mas ele não pode ter suas amantes. O
adultério jamais é permitido dentro da aldeia e, uma vez descoberto, seja do
homem, seja da mulher, o adultério é punido com separação e, às vezes, até com
uma das partes obrigada a sair da aldeia para outra aldeia. O processo é sempre
público e vexamoso (a mulher bate no marido se descobrir a traição, por
exemplo).
Naquela manhã, então, estávamos indo à roça para conhecer aquele lugar tão
cheio de histórias. Após quinze minutos de marcha mata adentro, aparecem as
primeiras roças. Todas elas têm dono. Descobri que quanto mais roças, mais rico
é o índio.
- Essa é minha
roça. Ali é minha roça também. Lá eu tenho mais roça. Aqui é roça do meu genro.
Por isso a esposa dele está aqui catando a mandioca -dizia-me o cacique,
apontando o dedo em direção às roças.
- Tudo isso
você plantou?
- Claro! Nós
temos roça. Se outro não tem roça, fica pobre. Não tem comida pra ele, não tem
polvilho pra ele, não tem biju pra ele. Fica pobre. Se outro tem a roça, aí é
rico. É igual branco: não tem trabalho, não tem emprego, aí fica pobre! Tem que
trabalhar, se não trabalhar fica pobre. Por isso eu tô plantando a roça. Ano
que vem, planto de novo para não faltar. Todo ano fazendo a roça, todo ano. Tem
que plantar, Professor. Se não planta fica pobre. Tem índio que tem preguiça, Professor, não planta roça, fica pobre.
Tem que trabalhar – ensinava-me o cacique.
Os homens
plantam a roça e cuidam dela. Fazem pequenos muros de madeira ao redor das
roças para que os porcos não invadam e comam tudo. Agora, o trabalho de arrancar,
descascar, carregar e preparar o polvilho é só das mulheres. Depois de
descascadas as mandiocas, elas as colocam em grandes bacias que são carregadas
sobre suas cabeças. Tentei levantar umas dessas bacias e sequer consegui
erguê-las do chão. As mulheres são muito fortes, elas precisam ser muito
fortes, uma vez que o trabalho de carregar peso é sempre função delas. A cena
mais comum na aldeia é a fila indígena iniciada pelos maridos de “mãos
abanando” seguidos por suas esposas – formigas carregadeiras – sempre trazendo
malas, redes, bacias, troncos de árvores, etc. Aqui, ao contrário do que me
ensinava o cacique, nem tudo é igual ao branco, nem tudo é igual ao índio...
Autor: Professor Wanderley Dantas
http://o-seringueiro.blogspot.com.br/
Autor: Professor Wanderley Dantas
http://o-seringueiro.blogspot.com.br/
Publicação autorizada pelo
autor
Nenhum comentário:
Postar um comentário