terça-feira, 23 de outubro de 2012

“É igual índio, é igual branco” - Dias de Índios XVII

Autor: Professor Wanderley Dantas
 
Acordamos às 5:00 horas da manhã e seguimos para a roça.
A roça de mandioca gera a subsistência de todos. Da mandioca é feito o caldo de mandioca, que é chamado de perereba; também se faz o polvilho, que resulta no biju. Este tem duas qualidades: o kine, que é um biju grosso e mole feito para se comer com peixe e o kagupe, que é um biju bem fininho e duro para se comer assim que se acorda. Mas a roça também é um lugar de muitos significados, já que nas histórias do meu povo a roça é também o lugar do adultério. Este se dá em encontros que são escondidos sob uma máscara mitológica: os amantes são apresentados como espíritos de animais! Assim, as narrativas simbólicas apresentam mulheres sempre seduzidas por cachorros, jacarés, antas, etc.
- Elas estão rindo de quê? Perguntei ao cacique.
-Professor, elas não acreditam que você tenha só a Lu de esposa. As índias estão rindo porque sabem que branco é igual índio. Quando eu saio da aldeia, professor, eu deixo minha mulher aqui e esqueço dela. Aí, arranjo outra mulher. Com o branco é a mesma coisa, eu sei. Ele sai da cidade dele, esquece a mulher e vai para outra cidade e lá tem outra mulher. Depois volta para a cidade e volta para a mulher. Cada saída, uma mulher nova – explicava-me o cacique.
Na aldeia, o homem pode ter duas ou mais esposas, mas ele não pode ter suas amantes. O adultério jamais é permitido dentro da aldeia e, uma vez descoberto, seja do homem, seja da mulher, o adultério é punido com separação e, às vezes, até com uma das partes obrigada a sair da aldeia para outra aldeia. O processo é sempre público e vexamoso (a mulher bate no marido se descobrir a traição, por exemplo).
 
Naquela manhã, então, estávamos indo à roça para conhecer aquele lugar tão cheio de histórias. Após quinze minutos de marcha mata adentro, aparecem as primeiras roças. Todas elas têm dono. Descobri que quanto mais roças, mais rico é o índio.
- Essa é minha roça. Ali é minha roça também. Lá eu tenho mais roça. Aqui é roça do meu genro. Por isso a esposa dele está aqui catando a mandioca -dizia-me o cacique, apontando o dedo em direção às roças.
 
- Tudo isso você plantou?
 
- Claro! Nós temos roça. Se outro não tem roça, fica pobre. Não tem comida pra ele, não tem polvilho pra ele, não tem biju pra ele. Fica pobre. Se outro tem a roça, aí é rico. É igual branco: não tem trabalho, não tem emprego, aí fica pobre! Tem que trabalhar, se não trabalhar fica pobre. Por isso eu tô plantando a roça. Ano que vem, planto de novo para não faltar. Todo ano fazendo a roça, todo ano. Tem que plantar, Professor. Se não planta fica pobre. Tem índio que tem preguiça, Professor, não planta roça, fica pobre.
Tem que trabalhar – ensinava-me o cacique.
Os homens plantam a roça e cuidam dela. Fazem pequenos muros de madeira ao redor das roças para que os porcos não invadam e comam tudo. Agora, o trabalho de arrancar, descascar, carregar e preparar o polvilho é só das mulheres. Depois de descascadas as mandiocas, elas as colocam em grandes bacias que são carregadas sobre suas cabeças. Tentei levantar umas dessas bacias e sequer consegui erguê-las do chão. As mulheres são muito fortes, elas precisam ser muito fortes, uma vez que o trabalho de carregar peso é sempre função delas. A cena mais comum na aldeia é a fila indígena iniciada pelos maridos de “mãos abanando” seguidos por suas esposas – formigas carregadeiras – sempre trazendo malas, redes, bacias, troncos de árvores, etc. Aqui, ao contrário do que me ensinava o cacique, nem tudo é igual ao branco, nem tudo é igual ao índio...


Autor: Professor Wanderley Dantas

http://o-seringueiro.blogspot.com.br/

Publicação autorizada pelo autor

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