quinta-feira, 26 de novembro de 2020

ESCOLHAS


 


Helena Souza

Quando criança,  a vida foi bem difícil e Vitória sabia disso, pois viveu na pele as dificuldades de ser pobre, morar na zona rural, estudar na cidade, ter que acordar as 4 da manhã e caminhar até o ponto de ônibus. Ajudar em casa após a escola e ainda cuidar de dois irmãos mais novos . Se estava frio ou quente demais não importava, as tarefas e a caminhada eram feitas. A labuta era árdua, mas ela não desistiu. Sua maior inspiração eram os pais. Esses sim, haviam sofrido mais do que ela. Trabalho pesado na roça, vidinha difícil de não ter o que comer em alguns dias, mas eles venceram!

Conseguiram criar os cinco filhos, comprar uma casinha na cidade, aposentadoria no bolso. Ela sabia que uma hora a vida acalma. Depois de um dia longo e cheio de notícias ruins, outras nem tanto... "As pessoas não sofrem a vida inteira",  pensava a mulher, que um dia havia passado por todos esses revezes. A única coisa que desejava era saber a que horas seria isso. Quando a vida e os problemas lhe dariam uma trégua, qual dia a calmaria chegaria. Ela carregava no nome tudo o que  queria  conseguir na vida .

Estava tentando: faculdade, trabalho, noites de estudo. De uma coisa estava certa. Nada até hoje tinha sido fácil de conseguir então ela continuava lutando... Naquela noite, ocasionalmente, estava feliz. As atividades na faculdade estavam de vento em popa, o namorado sempre atencioso e gentil foi buscá-la  na faculdade e eles estavam indo para casa.

Gerson de Carvalho Silva

Vitória considerava os pais como vencedores, entretanto, só ter uma aposentadoria, filhos formados e uma casa era o suficiente? Descobriu-se, aos poucos, muito mais ambiciosa. Lucas, seu namorado, era despojado e nada ambicioso. Tinha preocupações sociais, participava de ONGs de proteção animal e era totalmente apaixonado por Vitória.

Esse conflito de visões de vida iria se acentuando com o tempo. A beleza da moça sempre chamou a atenção, mas ela era indiferente a isso. As coisas foram se alterando aos poucos e  Lucas foi perdendo espaço no coração e mente da moça.

Formou-se em direito e foi aprovada no exame da OAB. Propostas de emprego começaram a surgir. Aceitou trabalhar num grande escritório de advocacia. Começaram assédios profissionais e sexuais. Alguns, apenas flertes. Inteligente, administrava muito bem sua vida.

Foi designada para fazer parte de um processo que envolvia uma empresa com grande número de funcionários. Estava se segurando mantendo os empregos, era a única da cidade. Estava em recuperação judicial e o escritório de Vitória pedia sua falência. Centenas de empregos diretos e indiretos desapareceriam.

Ao saber, Lucas foi tirar satisfações com a namorada. Decepção total. A moça estava empolgada com a possibilidade profissional.

Alice Gomes

"De repente, no meio do caminho, encontraram um cãozinho ganindo de dor. Imediatamente Lucas se abaixara para socorrê-lo, sem perceber que interrompera o que ela dizia, deixando-a falando sozinha".  Ela falava, empolgada, de seus sonhos, de realizações, de casamento, de filhos, de um futuro para os dois, mesmo à custa de sacrifícios. Não se importava, desde que os dois estivessem juntos, mas, bastou  aparecer um cãozinho doente e pronto. Fora o suficiente para que ele se esquecesse de tudo. Nem sequer percebera que ela se calara durante o restante da noite. Não fora o cãozinho, mas a não  importância dada aos seus planos. Nunca mais tocara no assunto com ele.

 Recordando aquela noite, já longínqua, percebeu que ali estava a raiz dos conflitos entre os dois. Nem sabia por qual motivo ainda insistia naquela relação, já tão desgastada. Chegou à conclusão de que, no fundo, Lucas nunca se importou verdadeiramente com ela. Agora, estava preocupado com empregados desconhecidos sendo demitidos e ainda cobrava dela a responsabilidade! Foi a gota que faltava para o copo, já pela boca. E assim, decidida, curta e grossa, pediu que ele se retirasse, pois estava atrasada para uma importante reunião. E que fizesse o favor de nunca mais procurá-la.

Lucas, atônito, ainda quis argumentar, mas o som dos saltos nos pés apressados que se afastavam tiniu em seus ouvidos, selando o final doloroso do amor entre os dois. Tudo terminado. Já a conhecia o suficiente para não mais insistir.

Anos depois, com a vida feita, sucesso absoluto na carreira, casada e sem filhos, com um também advogado, bem mais velho e proprietário de várias empresas, adquiridas em leilões de falências, Vitória preparava-se para intermediar uma grande negociação internacional, ao lado do marido. No saguão do aeroporto reconheceu, num homem de rosto jovial e trajes despojados, ao lado de uma bela mulher e uma linda menininha, o mesmo olhar distraído e ao mesmo tempo curioso, de seu ex-amor.

Maria Mineira

“Meio desnorteada sem saber se ia até onde ele estava para cumprimentá-lo ou se ficava quieta esperando o horário do seu voo. Desistiu, pois não saberia nem o que dizer a Lucas, que estava muito bem  acompanhado, por sinal. Viu a mulher se afastar com a criança rumo ao toilette  e percebeu que ele caminhava em sua direção. Estava trêmula e se viu perguntando a si mesma, onde estava a sua costumeira segurança. Como saber que o reencontraria ali?  E agora?  Ele estava vindo. Como disfarçar para que ele não percebesse que ela  não o havia superado.

O que ele diria se soubesse que ela andava sonhando com ele ultimamente?

— Oi Vitória…que coincidência nos encontrarmos no aeroporto! Nem em um milhão de anos achei que iria te ver aqui.

— Sim! Incrível! E como você está, Lucas?

— Bem, obrigado! Estou indo para os EUA, mais especificamente Seattle. Priscila fará uma cirurgia para transplante de  medula óssea, serei seu doador.  Passaremos o mês todo por lá...

—Entendo, que bom que será o doador para sua filhinha!

— Não, apesar de amá-la como se fosse pai, sou apenas tio, ela é filha do meu irmão caçula, o Matheus, que já deve estar chegando,  estava resolvendo detalhes da viagem e se atrasou. Eu vim na frente com minha cunhada e a Pri.

Vitória sorriu  sem conseguir disfarçar certo contentamento. Lucas contou-lhe  que morava em Manaus coordenava uma ONG, cujo trabalho era  capacitar lideranças indígenas em relação a seus direitos. Também cuidava de órgão de preservação da fauna e flora local.  Confessou que adorou estar esses últimos anos  tão conectado com a natureza e aprendeu  que a vida é muito mais simples do que se imagina e agora tinha  plena certeza que “felicidade não depende do que se tem de material, feliz  é aquele que menos precisa”.

Ele quis saber da vida dela e Vitória  contou do mestrado na USP, logo depois  fez doutorado na escola de direito de Harvard, fortalecendo seu currículo e também foi onde conheceu o marido e  que viajaria para se encontrar com o ele, uma viagem de negócios.

— Eu conheço o felizardo?

— Não. Eu e ele nos conhecemos em Cambridge, bem depois que rompemos.

— Espero que você esteja feliz e  que ele seja menos complicado que eu.  

—Preciso ir, estão me esperando o voo vai sair...

— Espera...

— Fala!

— Nada, não!

  Posso te ligar?

Com o coração apertado Vitória o viu se afastar rapidamente em direção ao portão de embarque, colocando no bolso o cartão que lhe entregara.

Já acomodada em sua poltrona, na primeira classe do avião, questionava a si mesma se teria valido a pena perder o amor de sua vida em troca da realização profissional.

Quando visitava os pais, sentia que eram felizes só por estarem juntos e nunca aceitaram grandes contribuições em dinheiro, pois sempre diziam que  o amor que os unia era o bastante.

Helena Souza

Porém, Vitória sabia o quanto tinha sido difícil conquistar o que queria. Sua vida até então era do jeito que sempre desejou e não estava disposta a desperdiçar tudo que havia conseguido para retornar a uma vidinha medíocre ao lado de Lucas. Vida calma,  tranquila e feliz tinham seus pais.....ela almejava uma vida de viagens, negócios, dinheiro. Isso importava!

Tirou da bolsa o celular e olhou o horário do seu próximo compromisso e sem dúvida nenhuma, pensou: "o amor pode esperar."

 Autores: Helena Souza, Alice Gomes, Maria Mineira e Gerson de Carvalho Silva


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