Helena Souza
Quando
criança, a vida foi bem difícil e
Vitória sabia disso, pois viveu na pele as dificuldades de ser pobre, morar na
zona rural, estudar na cidade, ter que acordar as 4 da manhã e caminhar até o
ponto de ônibus. Ajudar em casa após a escola e ainda cuidar de dois irmãos
mais novos . Se estava frio ou quente demais não importava, as tarefas e a
caminhada eram feitas. A labuta era árdua, mas ela não desistiu. Sua maior
inspiração eram os pais. Esses sim, haviam sofrido mais do que ela. Trabalho
pesado na roça, vidinha difícil de não ter o que comer em alguns dias, mas eles
venceram!
Conseguiram criar
os cinco filhos, comprar uma casinha na cidade, aposentadoria no bolso. Ela
sabia que uma hora a vida acalma. Depois de um dia longo e cheio de notícias
ruins, outras nem tanto... "As pessoas não sofrem a vida inteira", pensava a mulher, que um dia havia passado por
todos esses revezes. A única coisa que desejava era saber a que horas seria
isso. Quando a vida e os problemas lhe dariam uma trégua, qual dia a calmaria
chegaria. Ela carregava no nome tudo o que
queria conseguir na vida .
Estava tentando: faculdade, trabalho, noites de estudo. De uma coisa estava certa. Nada até hoje tinha sido fácil de conseguir então ela continuava lutando... Naquela noite, ocasionalmente, estava feliz. As atividades na faculdade estavam de vento em popa, o namorado sempre atencioso e gentil foi buscá-la na faculdade e eles estavam indo para casa.
Gerson de Carvalho Silva
Vitória
considerava os pais como vencedores, entretanto, só ter uma aposentadoria,
filhos formados e uma casa era o suficiente? Descobriu-se, aos poucos, muito
mais ambiciosa. Lucas, seu namorado, era despojado e nada ambicioso. Tinha
preocupações sociais, participava de ONGs de proteção animal e era totalmente
apaixonado por Vitória.
Esse conflito de
visões de vida iria se acentuando com o tempo. A beleza da moça sempre chamou a
atenção, mas ela era indiferente a isso. As coisas foram se alterando aos
poucos e Lucas foi perdendo espaço no
coração e mente da moça.
Formou-se em
direito e foi aprovada no exame da OAB. Propostas de emprego começaram a
surgir. Aceitou trabalhar num grande escritório de advocacia. Começaram assédios
profissionais e sexuais. Alguns, apenas flertes. Inteligente, administrava
muito bem sua vida.
Foi designada para
fazer parte de um processo que envolvia uma empresa com grande número de
funcionários. Estava se segurando mantendo os empregos, era a única da cidade.
Estava em recuperação judicial e o escritório de Vitória pedia sua falência.
Centenas de empregos diretos e indiretos desapareceriam.
Ao saber, Lucas foi tirar satisfações com a namorada. Decepção total. A moça estava empolgada com a possibilidade profissional.
Alice Gomes
"De repente,
no meio do caminho, encontraram um cãozinho ganindo de dor. Imediatamente Lucas
se abaixara para socorrê-lo, sem perceber que interrompera o que ela dizia,
deixando-a falando sozinha". Ela falava, empolgada, de seus sonhos,
de realizações, de casamento, de filhos, de um futuro para os dois, mesmo à
custa de sacrifícios. Não se importava, desde que os dois estivessem juntos,
mas, bastou aparecer um cãozinho doente e pronto. Fora o suficiente para
que ele se esquecesse de tudo. Nem sequer percebera que ela se calara durante o
restante da noite. Não fora o cãozinho, mas a não importância dada aos
seus planos. Nunca mais tocara no assunto com ele.
Recordando aquela noite, já longínqua,
percebeu que ali estava a raiz dos conflitos entre os dois. Nem sabia por qual
motivo ainda insistia naquela relação, já tão desgastada. Chegou à conclusão de
que, no fundo, Lucas nunca se importou verdadeiramente com ela. Agora, estava
preocupado com empregados desconhecidos sendo demitidos e ainda cobrava dela a responsabilidade!
Foi a gota que faltava para o copo, já pela boca. E assim, decidida, curta e
grossa, pediu que ele se retirasse, pois estava atrasada para uma importante
reunião. E que fizesse o favor de nunca mais procurá-la.
Lucas, atônito,
ainda quis argumentar, mas o som dos saltos nos pés apressados que se afastavam
tiniu em seus ouvidos, selando o final doloroso do amor entre os dois. Tudo
terminado. Já a conhecia o suficiente para não mais insistir.
Anos depois, com a vida feita, sucesso absoluto na carreira, casada e sem filhos, com um também advogado, bem mais velho e proprietário de várias empresas, adquiridas em leilões de falências, Vitória preparava-se para intermediar uma grande negociação internacional, ao lado do marido. No saguão do aeroporto reconheceu, num homem de rosto jovial e trajes despojados, ao lado de uma bela mulher e uma linda menininha, o mesmo olhar distraído e ao mesmo tempo curioso, de seu ex-amor.
Maria Mineira
“Meio desnorteada
sem saber se ia até onde ele estava para cumprimentá-lo ou se ficava quieta
esperando o horário do seu voo. Desistiu, pois não saberia nem o que dizer a
Lucas, que estava muito bem acompanhado,
por sinal. Viu a mulher se afastar com a criança rumo ao toilette e percebeu que ele caminhava em sua direção. Estava
trêmula e se viu perguntando a si mesma, onde estava a sua costumeira
segurança. Como
saber que o reencontraria ali? E agora? Ele estava vindo. Como disfarçar para que ele
não percebesse que ela não o havia superado.
O que ele diria se soubesse que ela
andava sonhando com ele ultimamente?
— Oi Vitória…que coincidência nos
encontrarmos no aeroporto! Nem em um milhão de anos achei que iria te ver aqui.
— Sim! Incrível! E como você está,
Lucas?
— Bem, obrigado! Estou indo para
os EUA, mais especificamente Seattle. Priscila
fará uma cirurgia para transplante de medula
óssea, serei seu doador. Passaremos o mês todo por lá...
—Entendo, que bom que será o doador
para sua filhinha!
— Não, apesar de amá-la como se fosse
pai, sou apenas tio, ela é filha do meu irmão caçula, o Matheus, que já deve
estar chegando, estava resolvendo
detalhes da viagem e se atrasou. Eu vim na frente com minha cunhada e a Pri.
Vitória sorriu sem conseguir disfarçar certo contentamento.
Lucas contou-lhe que morava em
Manaus coordenava uma ONG, cujo trabalho era
capacitar lideranças indígenas em relação a seus direitos. Também
cuidava de órgão de preservação da fauna e flora local. Confessou que adorou estar esses últimos anos tão conectado
com a natureza e aprendeu que a vida é
muito mais simples do que se imagina e agora tinha plena certeza que “felicidade não depende do
que se tem de material, feliz é aquele
que menos precisa”.
Ele quis saber da vida dela e Vitória contou do mestrado na USP, logo depois fez doutorado na escola de direito de Harvard, fortalecendo seu currículo e também foi onde conheceu o marido e que viajaria para se encontrar com o ele, uma viagem de negócios.
— Eu conheço o felizardo?
— Não. Eu e ele nos conhecemos em Cambridge, bem depois que
rompemos.
— Espero que você esteja feliz e que ele seja menos complicado que eu.
—Preciso ir, estão me esperando o voo
vai sair...
— Espera...
— Fala!
— Nada, não!
—
Posso te ligar?
Com o coração apertado Vitória o viu se
afastar rapidamente em direção ao portão de embarque, colocando no bolso o
cartão que lhe entregara.
Já acomodada em sua poltrona, na primeira classe do avião,
questionava a si mesma se teria valido a pena perder o amor de sua vida em
troca da realização profissional.
Quando visitava os pais, sentia que eram felizes só por estarem juntos e nunca aceitaram grandes contribuições em dinheiro, pois sempre diziam que o amor que os unia era o bastante.
Helena Souza
Porém, Vitória sabia o quanto tinha
sido difícil conquistar o que queria. Sua vida até então era do jeito que
sempre desejou e não estava disposta a desperdiçar tudo que havia conseguido
para retornar a uma vidinha medíocre ao lado de Lucas. Vida calma, tranquila e feliz tinham seus pais.....ela
almejava uma vida de viagens, negócios, dinheiro. Isso importava!
Tirou da bolsa o celular e olhou o
horário do seu próximo compromisso e sem dúvida nenhuma, pensou: "o amor
pode esperar."
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