quarta-feira, 18 de novembro de 2020

PALETÓ NO CEMITÉRIO


 Autor: Alberto Vasconcelos

Eles dançaram juntinhos a noite toda, rostos colados, o laquê dos cabelos dela se colou no rosto de Jorge e, apesar do movimento o rosto de Mariza estava sempre frio.

Quando a orquestra deu por encerrada a música, os sócios do clube passaram a cantar o bingo.
Mariza disse a Jorge que não gostava de jogos e que preferia ir para casa, que morava perto do clube e que não haveria nenhum problema se ele quisesse ficar jogando.

Encantado com a fala mansa e o corpo escultural daquela desconhecida Jorge jamais perderia a oportunidade de estreitar o relacionamento, talvez até falasse namoro antes mesmo de chegar a casa dela.
A madrugada fria não foi empecilho para que eles sentassem no banco da praça e quando Mariza se queixou do vento cortante, Jorge lhe ofereceu o paletó para que ela se agasalhasse.

Quando ele falou para namorá-la, ela disse que achava melhor que eles esperassem um pouco para se conhecerem melhor, mas mesmo assim trocaram beijos ardentes, apesar dos lábios frios de Mariza e quando notaram que os primeiros clarões do dia se insinuavam através da escuridão da noite que morria, apressaram-se para que ela chegasse a casa antes que os pais acordassem.
Também foi essa a justificativa para que os dois se despedissem duas casas antes da dela.

Mariza quis devolver o paletó, mas Jorge fez questão de que ela permanecesse agasalhada. Que no outro dia ele viria buscar e poderiam continuar conversando, mesmo que fosse só um pouco.
Com um sorriso suave, Mariza desapareceu atrás do portão alto.

No dia seguinte, depois do almoço, Jorge bateu no portão da casa na esperança de reencontrar aquela moça linda de cabelos louros e olhar penetrante.
Foi atendido por uma senhora bastante idosa que acompanhou admirada toda a narrativa que Jorge estava fazendo sobre o encontro da noite anterior e do fato dele estar ali para pegar o paletó.

- Essa moça que o senhor está falando foi a minha filha que morreu há quarenta anos. Ela gostava muito de festa e numa noite quando estava voltando do clube foi assassinada por um rapaz que não aceitou a recusa dela para namorarem.

- Mas não pode ser. Nós dançamos ontem na festa do clube e como a madrugada estava muito fria, deixei com ela o meu paletó...

Para confirmar a veracidade do que a velha dizia, Jorge viu o álbum de fotos da moça dos seus sonhos e os dois foram ao cemitério.
Sobre a lápide com o nome dela gravado, o paletó estava estendido como se fosse num espaldar de cadeira.


                     Autor: Alberto Vasconcelos 

Nenhum comentário: