terça-feira, 10 de novembro de 2020

EXCESSO DE AMOR, ATRAPALHA?

 - Cléa Magnani

 

Quando Ivo nasceu, Júlio e Eulália, que já eram os pais de Ana de 2 anos, a família estava completa. Júlio aos 35 anos herdara a empresa de seu pai, com quem trabalhou desde os 16 anos, e achava que seus filhos teriam uma vida mais tranquila do que a dele. Estudariam, e jamais teriam de trabalhar, como ele, que deixou seus estudos assim que terminou o ginasial para ajudar ao seu pai. Mas foi a falta de responsabilidades e do valor do trabalho, que transformou seu filho no maior problema de sua vida...

Ao terminar o Colegial, Ivo não quis continuar seus estudos. Tinha tudo o que quisesse... carro do ano, motos, roupas de marca, saía todas as noites, passava semanas na chácara em uma cidade próxima à Ribeirão Preto, ou na casa de praia, no Guarujá. Tinha muitos amigos de noitadas, mesada farta, e muitas namoradinhas.

As relações entre Júlio e Eulália não iam muito bem. Ela não se conformava com a excessiva liberdade que ele dava ao filho, e Júlio acabou se envolvendo com a melhor amiga da própria esposa e ela teve um filho dele. Quando soube, Ivo ficou muito revoltado contra o pai, e ainda mais contra a mãe, que aceitou a traição; o que o fez sair de casa. Foi morar na chácara onde terminou por engravidar uma das garotas que fazia parte do grupo de amigos da cidade. Não assumiu a paternidade do bebê, mesmo depois da prova do DNA haver confirmado ser ele o pai de Luiz Henrique. Eulália então passou a cuidar do netinho, que a namorada do filho não teria condições de criar sozinha.  Ivo entrou em profunda depressão; tentou o suicídio várias vezes, e em todas as vezes foi socorrido por Eulália. Foi internado para tratamento, fugiu do hospital, reencontrou a mãe de Luiz Henrique e teve outro filho com ela. Os tratamentos para a Depressão o tornaram bipolar, e as alterações de seu humor o impediam de arrumar trabalho...

 

– Alberto Vasconcelos

 

Ainda reverberavam dentro da cabeça de Júlio, o som intermitente do monitor cardíaco instalado no braço de Ivo, inerte naquele cubículo do CTI para onde fora levado depois de mais uma tentativa frustrada de suicídio, assim como as duras palavras de sua filha. Era madrugada e a sala de espera estava vazia, como vazio estava sua vida depois de rememorar esses 24 anos desde o nascimento do filho, tão querido, tão amado, mas que desde a mais tenra idade só havia dado desgostos à família. Quanta diferença entre ele e Ana. Sempre estudiosa. Jamais havia aceitado ajuda para fazer as tarefas escolares. Médica pediatra, sempre arredia às amizades estreitas ou a sair de casa sem hora para voltar. Estivera no hospital para ver o irmão, mas negou-se a agir como médica. Foi bem clara com o pai, quando disse que ela não fazia parte da equipe de plantão, nem era neurocirurgiã para retirar a bala alojada no crâneo do seu irmão. Um sujeito tolo, arrogante e irresponsável, resultado da criação que ele, seu pai, havia dado, justificando todos os malfeitos e assumindo a responsabilidade por quaisquer atos, como a criação de Luiz Henrique ou as remessas de dinheiro para o sustento de Leonardo, o outro filho de Ivo que ele não teve a decência de registrar nem eles o conheciam. Lamentar-se não iria resolver a situação. Sabia-se responsável, ou pelo menos, coautor da maneira de ser do filho. Ele também havia abandonado o filho bastardo que nunca vira nem sabia o nome, não sabia sequer se menino ou menina. Mas algo definitivo precisava ser feito. Se iria servir para remediar ou não, aquela situação incômoda só o tempo diria.

 

– José Bueno Lima

 

Veio-lhe logo no seu íntimo, a vontade de salvar Ivo. Sabia da existência de um ótimo neurocirurgião carioca, famoso por seus casos de cirurgia cerebral, e tendo condições financeiras para tanto, em menos de três horas, lá chegava o profissional, vindo de helicóptero. Depois de oito horas de duração, em uma operação magnífica, Ivo voltava para a UTI, com um quadro sensivelmente cheio esperanças. A bala fora retirada sem atingir partes essenciais do cérebro. Algo definitivo precisaria ser feito, Júlio voltou a pensar. Seu primeiro passo foi procurar o rebento que tivera com a melhor amiga de Eulália.  Não foi difícil, pois a menina e a mãe moravam na mesma cidade dele. Chamava-se Simone. Assumiu a paternidade e passou a remeter verba necessária para seu sustento, educação e saúde. Tinha idade na mesma faixa de Leonardo, o segundo filho de Ivo, que também foi localizado. Este com a aquiescência da mãe, passou a viver também em sua casa, juntamente com Luiz Henrique. Ali cresceram, estudaram, e se formaram. Ivo passou a viver com a mulher que lhe deu os filhos, teve uma melhora com a ajuda de psicólogos, remédios, e na medida do possível auxiliava o pai a administrar a empresa. Luiz Henrique formou-se engenheiro, e Leonardo economista. Júlio, já com a idade avançada, fez um testamento determinando a divisão de seu patrimônio, de acordo com a lei. Tudo caminhava normal, até a morte de Júlio. Quando menos se esperava, estando o inventário já em fase de encerramento, numa perícia contábil feita na empresa, foram encontrados diversas falhas e desvio de dinheiro.

 

– Gabriel Ellos

 

A família de Júlio quis saber o que estava acontecendo e quais eram as razões para todos aqueles erros. A surpresa veio logo, tudo aquilo tinha explicação.
Na época em que Ivo fora baleado, Júlio acabara repensando toda sua vida e se empenhou em ser melhor, aos poucos foi conhecendo Simone e captando detalhes que mudariam e muito sua vida, nessa aproximação, Júlio se deu conta de que Simone era a linha tênue entre seus filhos. Ivo era inconsequente, Ana era extremamente centrada, um não tinha vida e o outro não valorizava a que tinha, mas Simone era diferente, não teve a vida de seus irmãos e, no entanto, não reclamava de nada, a garota era só doçura. Júlio sentia a necessidade de ajudar a filha, apenas as contribuições já feitas não bastavam, ele queria provar que havia mudado, mas sabia que só tinha dinheiro e então aí surgiu a terrível ideia de desviar dinheiro para beneficiar Simone, que de nada sabia. O pai não agia sozinho, Ivo sabia das ações e ajudava, para ele era o correto. Abriram uma conta secreta para garantir o futuro da doce Simone. Óbvio que tais ações chegariam ao fim com a morte de Júlio e então após a perícia contábil, Ivo precisou contar tudo e foi assertivo ao dizer que tudo havia sido planejado pelo pai e que os desvios não causariam grandes problemas, foi firme ao afirmar que, se fosse necessário, assumiria toda a responsabilidade das ações cometidas por ele e seu pai. Eulália e Ana não diziam sequer um A, não por desaprovação, mas sim por orgulho, foram poucas as vezes na vida que Ivo tomara atitudes corretas. Tudo parecia ótimo até que Simone ficou sabendo dos fatos que haviam escondido dela.


- Cléa Magnani

Ao conhecer a família de seu pai, Simone não conseguia compreender como Eulália, uma mulher tão resignada e preocupada com o bem-estar de todos, que sempre esteve presente nos piores momentos da vida de Ivo, poderia ter sido traída por Júlio, sem reagir. As comparações entre a legítima esposa de seu pai, dedicada ao extremo à família, e seu pai, tão omisso na educação de Ivo, onde o dinheiro substituía o carinho, a atenção, as conversas educativas, a sua presença enfim, eram gritantes. E sua primeira reação foi de indignação. Jamais aceitaria que seu pai e seu irmão houvessem retirado dinheiro da fábrica para ajudá-la a ser criada por sua mãe irresponsável, que traiu a melhor amiga com seu marido. A jovem, revoltada pediu que se reunisse a família e disse que restituiria centavo por centavo, tudo o que Júlio e Ivo desviaram para o seu próprio sustento e educação. Depois de longa conversa com Ivo, Júlia Luiz Henrique e Leonardo, decidiram que não era o momento de tentarem reverter a história. Compreenderam que Júlio apesar de nunca procurar trazer Ivo para o seu lado quando menino ou adolescente, o amava muito, e que por não querer que o filho tivesse a vida de trabalho que ele teve, extrapolou numa liberdade exagerada, onde o jovem sempre teve o que quis, e que sem o freio que a Educação ensina, resolveu seguir os seus instintos, e acabou fazendo tantas coisas erradas na vida. Os frutos dessa irresponsabilidade, seus dois filhos, hoje estariam sabe-se lá como, caso Júlio, não os houvesse acolhido em sua casa. E o mesmo aconteceu com Simone, que se não fosse ajudada secretamente por Júlio e Ivo, também poderia ter-se perdido pois sua mãe já provara que responsabilidade era uma coisa que ela não tinha ao trair a maior amiga. Decidiram então colocar uma pedra sobre o passado, e partir para a ajuda a entidades beneficentes de atendimentos às mães solteiras, e crianças órfãs ou abandonadas, com parte da herança de cada um.

O Amor é um sentimento sem limites. Porém quando desorientado, demasiado e obsessivo, pode atrapalhar...



AUTORES: JOSÉ BUENO LIMA, ALBERTO VASCONCELOS, GABRIEL ELLOS E

CLÉA MAGNANI

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