sexta-feira, 13 de novembro de 2020

O VELÓRIO DE NAZINHA

 

Autor: Alberto Vasconcelos


A notícia da morte de Nazinha correu pela cidade como rastilho de pólvora.

Todo mundo conhecia Nazinha e o que é pior, ela conhecia todo mundo.

Sabia histórias do arco da velha de cada um dos moradores do bairro aonde morava e praticamente de todos da cidade, porque desde muito nova foi trabalhar no protocolo da Prefeitura e sabia de cor todos os que estavam devendo os impostos municipais, quem tinha sido notificado, quem tinha feito acordo, quem era bom pagador e principalmente quem era sonegador ou estava inscrito na dívida ativa do município.

Falar da vida alheia sempre foi a sua diversão favorita, notadamente por ser a detentora das “novidades financeiras”, dos comportamentos sexuais dos rapazes, das moças solteiras, dos desarranjos conjugais e das traições em andamento (nesse item então, sua conversa tinha mais chifre do que monturo de matadouro), porém esse costume de espalhar novidades lhe rendeu várias inimizades de todos aqueles que se sentiram ofendidos por ter suas vidas financeiras ou não expostas como mercadorias em vitrines.

Num belo dia, sem qualquer sinal de que estivesse com problema de saúde, no meio do expediente, enquanto atendia no balcão, desmoronou e assim permaneceu imóvel no chão até que clientes e colegas de trabalho correram para acudir.
Alguém ligou para o resgate, mas quando esse chegou ela já estava morta.

Cumpridas as formalidades legais, o prefeito concordou com o pedido dos colegas para que o velório ocorresse no saguão da prefeitura em homenagem à servidora exemplar, zelosa, querida por todos e mais outros tantos elogios que se costuma fazer aos defuntos por mais ordinários e vagabundos que tenham sido em vida, porque “faz mal” falar a verdade quando essa não santifica o salafrário que faleceu.

Todo mundo sabe que qualquer pessoa fica toda dura pouco tempo depois de morrer, porque a coisa mais trabalhosa que existe num velório é arrumar um terço entre os dedos enrijecidos das mãos do cadáver depois que ele esfria, mas há casos em que essa rigidez não aparece.

A sabedoria popular tem as explicações para esse fenômeno excepcional.
Diz que quando isso acontece ou é porque o defunto ofendeu a alguém que mesmo sabendo do seu falecimento não perdoou a ofensa ou é que outra pessoa do relacionamento dela vai morrer também.
Essa mesma sabedoria diz que a única forma de se evitar isso é chegar junto ao defunto para dizer que perdoa a ofensa sofrida e que ele vá na paz sem levar mais ninguém para a cidade dos pés juntos.

Ora, Nazinha se relacionava com quase todo mundo e todos, ou a maior parte, tinha algo a reclamar da sua maneira de ser.

Quando se espalhou a notícia de que Nazinha não tinha rigidez cadavérica, o salão da prefeitura ficou parecendo local de peregrinação por conta do horror de gente que chegou a formar fila como em velório de artista ou político famoso, porque todos queriam chegar junto ao caixão e cochichar no ouvido da defunta.

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