A lembrança mais remota que tenho da minha mãe se
dá diante do espelho emoldurado por uma madeira amarela no quarto do nosso
apartamento em Brasília. Era um quarto amarelo-laranja na verdade. Tudo
amarelo-laranja, até um enorme urso cheio de bolinhas de isopor que o mantinham
sentado. Mas a cena se dá com minha mãe deitada na cama ao lado desse espelho,
vendo-me colocar a roupa após o banho. Como de costume, coloquei a cueca e,
para dentro da cueca, a camisa. Quando já estava pronto para erguer minhas
calça jeans e fechá-la, minha mãe fez a seguinte observação: “Fábio, quem veste
roupa assim é mulher. Você é homem. Você deve colocar a blusa para fora da
cueca! ...as suas irmãs é que colocam a camisa delas para dentro da
calcinha...”. Parei, fiquei olhando por um tempo aquela minha camisa para
dentro da cueca e, finalmente, me rendi às orientações de minha mãe. Desci a
cueca e arrumei minha roupa.
Papai e mamãe (atente ao
detalhe atrás deles)
Não foi fácil para minha mãe me educar. Primeiro,
porque meu pai viajava muito. Segundo, porque com a morte de meu pai aos meus
oito anos de idade, ela teve que educar um menino sem modelo algum de homem
dentro de casa. É óbvio que eu imitava minhas irmãs e a ela mesma em muitas
outras questões diárias. Certamente, muitas delas, positivas. Para dar um
exemplo, uma vez, um amigo convidou-me à casa dele e depois de umas duas horas
de muita conversa à mesa - conversa de homem -, ele grita diante dos outros
colegas: “Ganhei”! Todos riram e os vi entregarem notas de dinheiro ao meu
amigo, que completou: “Eu não disse? O Fábio não fala palavrão! Ganhei a
aposta!”. Não fui criado em um lar cristão puritano – ao contrário. Mas o fato
é que essa era uma das características que mais me marcaram socialmente e eu
nem sabia o por quê. Eu não falava palavrão, porque, dentro de casa, minhas
irmãs e minha mãe não falavam e, mesmo que eu aprendesse palavrões na rua, não
os trazia para elas e nem tão pouco os assimilava. Enfim, na cultura dos meus
amigos, palavrão era coisa de homem, mas eu estava sendo criado por mulheres e
esta era uma das características da cultura singular da minha casa: mulheres
que, antes de tudo, tinham como modelo de masculinidade meu pai, um homem raro,
um homem educado, respeitoso e muito carinhoso com as três mulheres que o
cercavam.
Por que estou contando tudo isso? Porque tive o
privilégio, nestas últimas duas semanas, de servir um pouquinho a quem nunca
dispensou esforços em me servir pela minha vida toda! Quando cheguei à UTI pelo
domingo de manhã, dia 21 de outubro, vi minha mãe num estado assustador:
deitada com a máscara de oxigênio naquele leito, os enfermeiros sobre ela, a
respiração curta e acelerada, o diafragma quase em espasmo pelo esforço de
puxar algum ar para dentro dos pulmões. Disse minha irmã que os olhos de minha
mãe se iluminaram e se encheram de água ao me ver entrar. Eu mesmo nem dei
conta de nada disso, porque a cena me chocou ao ponto de só pensar em como eu
poderia ajudar. Ali mesmo, orei com ela, lendo um trecho da Palavra de Deus:
“Esperei com paciência pela ajuda de Deus, o Senhor. Ele me escutou e ouviu o
meu pedido de socorro. Tirou-me de uma cova perigosa, de um poço de lama. Ele
me pôs seguro em cima de uma rocha...” (Sl 40). Naquele mesmo dia, retornei de
tarde e minha mãe já estava visivelmente muito melhor. Minha mãe permaneceu uns
seis dias na UTI geral e depois foi para uma “UTI particular” (um apartamento).
Mais uns dois dias, foi para a semi-UTI e, ontem, ela já foi transferida para o
apartamento fora da UTI. Esperamos que ela saia sábado do hospital.
Minha mãe linda!
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Nestes dias de Hospital, fiquei alternando com
minha irmã os cuidados com nossa mãe. Um tempo muito bom para estar perto dela,
conversar mais sobre Deus e rir ainda mais com suas piadas. Quem conhece minha
mãe, sabe que boa saúde e deboche são sinônimos na vida dela. Ao vê-la
começando a fazer piada da própria situação e contando piada dos enfermeiros,
tranquilizávamos o coração, pois era sinal que minha mãe estava voltando.
Sobre palavrões? Sim, tem alguns anos que mamãe já
coleciona os dela (e quem não guarda os seus para aqueles momentos em que
palavras corriqueiras não conseguem dizer tudo aquilo que precisamos). Minhas
filhas acham graça da vó toda vez que nos juntamos. A cada palavra mais pesada
que minha mãe, porventura, profira, minhas filhas olham para mim e para a Lu
com um olhar de cumplicidade compreensiva e sorrisinho amoroso, porque vó é vó
e elas sabem muito bem que devemos respeitar os mais velhos mesmo que não
concordemos com eles. Minha mãe está com 79 anos de idade. Diz minha irmã que,
por causa da distância da morte de papai, minha mãe vem mudando aos pouquinhos.
"Ela vem perdendo aquela influência do homem que foi papai, afinal já são
mais de 30 anos sem ele", explica minha irmã.
Enfim, creio que somos assim mesmo: gente de carne e osso, cujas vidas
são frágeis reticências num texto muito mais complexo escrito por Deus desde a
eternidade. Sim, pessoas maravilhosas e repletas de defeitos também. É a beleza
da imagem de Deus e a depravação do pecado – esta mistura que, em Cristo,
espero um dia se desfaça e surja apenas a glória, a maravilhosa glória de Deus
manifestada plenamente em nós. Quero agradecer aos que estiveram junto comigo
nesta semana, intercedendo junto ao Pai pela minha mãezinha. Muitíssimo
obrigado!
http://casal20ribas.blogspot.com/
Publicação sem autorização do autor (amigo tem dessas coisas)
8 comentários:
Amigo Fábio, que sua mãe logo seja expulsa da UTI. O lugar dela é em casa junto de vocês. Amigo, desejo toda saúde do mundo a sua mãe e que logo esteja enfeitando a vida de vocês com muita saúde e felicidade.
Fábio, meu amigo, estou feliz de saber que sua mãe já está em pleno restabelecimento e livre dos procedimentos em uma UTI. Que Deus os abençoe, esta família que acabo de saber por este texto, é uma verdadeira família do bem. Um grande abraço e os meus votos de que tudo fique cada vez melhor para sua mãe e todos vocês.
Celêdian
Obrigado, queridos! É muito bom estar por aqui de novo. Ainda em Sampa cuidando da minha mãe, mas como tudo já está bem, sigo para minha terrinha na sexta. Amém! Abraços sempre afetuosos. Fábio.
Bom dia! Achei muito bonito o seu texto.É uma bela homenagem à uma pessoa especial. Ela dever ter orgulho do filho que criou. Parabéns!
Lindo texto. Lindo gesto de amor do filho. Que sua mãe se recupere logo e todos fiquem bem.
Coisa de bom filho. Amei!Deus está cuidando para sua mãe se restabelecer, Fábio.
Queridos amigos, já estou em casa em minha terrinha do Araguaia. Minha mãe saiu vitoriosa do hospital neste sábado depois de sua luta de quase três semanas na UTI. Agradeço o carinho de cada um de vocês. Abraços sempre afetuosos. Fábio.
Tudo está bem quando acaba bem. Um abraço a sua mãe, amigo Fábio Ribas.
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