Lá pelas bandas da Perdição, lugar bem pra lá do fim do mundo, morava o tio Zé. Era meu tio de verdade.
Para chegar no patrimônio da Perdição, era necessário cavalgar durante horas. Quando digo que era além do fim do mundo, não estou exagerando. Era muito longe mesmo.
Vez ou outra, ou melhor poucas vezes, fui àquele lugar, mas somente nos tempos da infância. Não animava muito, era uma viagem longa e muito cansativa.
Há poucos anos eu estive lá. O casarão não existe mais, caiu ou derrubaram. O tio Zé também não existe, morreu em um acidente.
Esta lembrança é bem antiga, coisa de 50 anos. Hoje, de jipe ainda é difícil chegar até o lá, imagina naquela época.
Mas voltando ao tio Zé, não esqueço das histórias que gostava de contar. Como eu e meu primo, tínhamos mais ou menos a mesma idade, o danado só contava coisas de deixar cabelo de menino em pé.
Uma vez ele nos contou a história de um tal de Ismael, camponês que morava nas terras dele, o qual sempre andou de calças curtas até que fez 15 anos e ganhou uma calça comprida.
Era uma calça de brim, tecido grosso, daquelas feitas por costureira de roça. Resolveu, o Ismael, estrear a calça nova no domingo, indo até o tal de Patrimônio da Perdição, que ficava a quase duas léguas da fazenda do tio Zé.
A tardezinha, se lavou, vestiu a calça e a melhor camisa e iniciou a caminhada até o lugarejo. Era mês de maio, mês de Maria e o povo do lugar comemorava, esse acontecimento religioso, com festas semanais, nas quais vinham gente de toda redondeza.
Ismael estava lá, orgulhoso, cabeça “em pé”, desfilando a calça comprida de brim. Andava pra lá, e pra cá. Sempre atento aos olhares das mocinhas. Estava tão feliz que esqueceu da hora e quando deu conta de que tinha que voltar à pé, para casa, já passava das 10 da noite.
Despenca, o Ismael, de volta para a fazenda e para cortar caminho, resolveu passar por um lugar que chamavam de capoeirão, lá existia uma planta que chamavam de vassoura a qual crescia no meio do pasto. É uma vegetação rasteira, porém resistente, não amassa nem quebra com facilidade, resiste até o pastoreio do gado. Mas o Ismael, andando apressado e com o coração disparado, sozinho, naquele local, tarde da noite, começou a amarelar. Lembrou de alguns “causos” que contavam sobre porteiras que abriam e fechavam sozinhas, redemoinhos repentinos e sem explicação, barulhos estranhos e até vozes que ninguém conseguiu explicar direito de onde vinham e o que diziam. Juntando tudo isso, imagina como estava o Ismael.
De repente, deu de cara com as vassouras, mas continuou seu caminho, sem se importar com os tropeções que lhe machucavam os pés descalços. Com o pensamento voltado para as histórias, de repente começou a ouvir um barulho atrás de si: coach, coach, coach... Parou e olhou para todos os lados. O barulho cessou. Já estava tremendo e com o coração disparado, recomeçou a caminhada e desta vez mais rápido. Assim que deu o primeiro passo, voltou a ouvir o barulho e desta vez mais rápido. Parecia que quanto mais rápido andava, mais o barulho acelerava o ritmo. Assim ficou o Ismael passando aperto e se borrando todo com um medo infernal e o barulho continuava perseguindo o rapaz. Se parava o barulho cessava se andava recomeçava. Afinal estava com medo do barulho ou do que o estava causando? Não ia ficar ali parado para descobrir e assim foi caminhando, o Ismael, até terminar de cruzar o pasto e voltar à estrada. Ao atingir a estrada, já todo suado, borrado e ofegante, parou por um instante procurando o tal barulho, mas nada. O barulho sumiu assim como apareceu. Deu alguns passos, nada parou, olhou para trás e para os lados nada viu nem ouviu e assim continuou sem ouvir mais nenhum barulho estranho até terminar a caminhada.
Chegou em casa e muito envergonhado pelo acontecido, foi logo para a bica, que jorrava água abundantemente dia e noite, se lavou, como pode, abriu a porta da cozinha e deu de cara com a sua mãe, muito preocupada com o atraso, a qual lhe perguntou o que havia acontecido. Ismael, então, conta para ela com detalhes. A mulher olhou para o rapaz, para as calças compridas de brim e começou a rir. O Ismael, muito assustado, não entendeu e ficou logo nervoso. Mas sua mãe acalmando-o lhe disse: - Seu bobo, o barulho era da calça arrastando na vassoura, você andava o barulho começava e se parava o barulho sumia e assim por diante. O Ismael ficou mais branco do que era e sem dizer uma palavra enfiou-se debaixo dos panos da cama e ficou lá pensando e praguejando, enquanto o sono não vinha.
Como é que eu ia saber se nunca havia usado uma calça comprida de brim?
Autor: Nêodo Ambrósio de Castro - Eugenópolis/MG
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Publicação autorizada através de e-mail de 15/11/2011
2 comentários:
Parabéns pelo causo Neodo, até eu já temia pelo pior. Sou do interior e alma penada por lá ... será que ainda existe? Excelente a história melhor ainda o narrador.
Obrigado. Não tinha visualizado,ainda, seu comentário. Minhas desculpas. Abraços.
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