(Rua da Garça)
Cruz das Dores de
outrora, depois Rua da Garça. Como falarmos da história de uma cidade se não
falarmos da história de sua zona boêmia? Mulheres de vida facial e de existência tão sofrida. Iniciando a garotada
no “divino sacramento do sexo” — nos dizeres de Pablo Neruda. Umas ternas como
irmãs. Outras carinhosas como mães. Ouvindo desabafos. Vendendo afagos. Algumas
sedutoras. Fatais. Fatídicas. Despertando paixões. Escravizando homens.
Destruindo fortunas e famílias.
Histórias humanas ou
desumanas, incontáveis, inesquecíveis.
A Cruz das dores abrigou
a pensão da Dona Tina, da Fuca, da Tê, da Maria da Tuca. O ponto chique do
Vicente da Zica. Mais afastada, a casinha da Maria Quelemência. Por ali,
pululavam mulheres, homens, pentelhos assustados e retraídos na emoção da primeira
vez.
A Mariquita, tipo mingnon.
Alegre. Feliz. Despreocupada. Abria as portas e o sexo para a garotada. Se não
tinham dinheiro para pagar o sexo feito, tinha importância não. Ela anotava num
caderninho, como qualquer comerciante que vendesse mercadoria, depois recebia
no fim do mês.
Maria Leonor, moreninha
cor de canela. Bonita, educada, sorriso de criança. Podia ser a namoradinha de
muito rapaz de família, mas era a mulher de tantos homens.
A “Cem Contos” rodava os bordéis do oeste de
Minas, com chofer e carrão alugado. Blusa de cetim. Vestido de seda. Elegante.
Um mulherão. Perfume francês importado. A Cruz das Dores era um reboliço só,
quando ela chegava. A “rapaziada latino-americana sem dinheiro no bolso” tinha
acesso àquela diva não. Ela reservava suas noites para os figurões da cidade,
que, diz a lenda, pagavam até cem contos de réis para estar com ela. Daí seu
apelido.
Rua proibida. Moça de
família e mulher que ousasse sequer passar pela Cruz das Dores ou homem de bem
que por ali apenas transitasse, era um escândalo. Ficavam falados e abasteciam
as fofocas das comadres de plantão pelo resto do ano.
Rua da Garça ou Cruz das
Dores, refúgio das mariposas e das Madalenas. Território permitido, mas
amaldiçoado pela sociedade, terra proibida, por isso mesmo misteriosa e
fascinante no inconsciente coletivo da população. Cenário histórico de uma
cidade construída por decênios, nos caminhos da virtude e nas sendas do pecado
e da perdição.
Autor: Tadeu de Araujo - Bom Despacho/MG
Um comentário:
Belo texto! Uma homenagem a uma época da história de sua cidade e também, às "Madalenas" Afinal elas merecem, são filhas de Deus, como todo mundo.
Postar um comentário