domingo, 25 de maio de 2014

Texto: 23 (do concurso) - Coisas do deserto

Sempre que conto este causo, meus amigos dão muita risada e depois ficam tirando onda comigo, dizendo que é mentira ou coisa do gênero, mas, como eles sempre pedem bis, resolvi escrever essa história que é mais ou menos assim...

Eu tinha um cachorro que se chamava “deserto”...

Era um cachorro muito especial. Ele demonstrava alegria fora do comum quando um de nós retornava para casa. Cachorro paquero, só no nome, pois como caçador era um desastre. Na verdade ele não tinha uma raça bem definida, parecia-se com um bassê, ou era um bassê, sei lá! Só sei que era comprido, baixinho e de orelhas enormes, iguais aqueles de uma certa propaganda de amortecedores. Talvez, um pouco maior.
Como disse antes, para caçar era um desastre, medroso, preguiçoso, porem, muito querido, era do tipo que, quando ia bater nele, ao invés de correr, deitava de costa, abria as pernas e a boca numa gritaria danada.

No ano de 1968, com apenas sete anos, numa bela noite de verão, depois de muito esforço para convencer minha mãe de que eu já tinha condições de participar de uma caçada de tatu, resolvemos organizar uma: eu  e meus irmãos, o Dé, o Chico, o Nego, o Elias e o Tião. Cada um tinha uma função mais ou menos definida no grupo. Eu, por exemplo, tinha a função de iluminar, com a lamparina caso encontrasse alguma toca e fosse necessário cavar, já que não tinha condições físicas para exercer outra atividade.

Nossa propriedade, um pequeno sítio de dez alqueires ficava à margem esquerda do ribeirão do Corvo, Noroeste do Paraná. Tinha um capão de mato, (reserva) de floresta original, com caça em abundância e sem as chamadas leis de proteção à Fauna e a Flora, onde costumávamos caçar.

O Dé, como o mais velho e, portanto, no comando, distribuiu as tarefas:

— Elias, você e o Chico peguem os cachorros e vão na frente que eu e os meninos vamos ajeitar as ferramentas (facão, foice, enxadão etc.) e iremos a seguir.

— Está bem! Disse o Elias, mas eu não vou levar o Deserto. Ele só atrapalha.

— Leva sim, vai que precisa ajudar a cavar e o Guarani (cachorro caçador) sozinho pode cansar.

— Está bem! Meio a contra gosto, mas, concordou.

Partiram, e com poucos minutos, já ouvimos latidos do Guarani que já tinha acuado um tatu. Corremos para lá.
Chegando lá, só vimos terra vermelha que subia e o Guarani, cachorro valente como poucos, ia arrancando até pequenas raízes com os dentes, na ânsia de capturar a caça, mas, como a toca era no pé de uma enorme peroba rosa e não dava para ajudar com os enxadões, o jeito foi deixar o cachorro fazer o serviço. Claro que depois de alguns minutos, como era de se esperar, o Guarani demonstrou cansaço.

Foi então que o Dé teve a brilhante idéia de tirar o Guarani e colocar o Deserto para cavar um pouco, afinal, ele tinha ido para isso.

— Chico, tire o Guarani do buraco para ele descansar, enquanto coloco o Deserto para cavar um pouco.

— Só se os meninos me ajudar, porque não vai ser fácil tirar ele do buraco, tem que tirar a força e ficar segurando (cachorro valente).E assim foi feito.

O Dé introduziu o Deserto no buraco, para dar sequência na escavação. Foi nesse momento que o bicho demonstrou toda sua qualidade preguiçosa:
— Snif, snif, frull... au... au... frull... au... au...

Ele dava umas farejadas, emitia um som característico e umas latidas abafadas e nada de cavar. E nós incentivando-o. Pega! Deserto. Pega!...

Ele, depois de várias farejadas e muitos latidos, resolveu cavar. Claro, dentro do seu estilo.
Escorou o corpo sobre a pata esquerda e começou cavar com a direita, com algumas pausas para farejar novamente e tornar a latir.

— Snif, snif, frull... au... au... frull... au... au...

O Dé, nessas alturas já começava a ficar furioso. O Chico, bastante gozador, começou a provocar:

—Nós falamos para deixar essa tranqueira em casa que ele só atrapalhava! Agora toma! Acho é pouco.

O Dé, coitado, resolveu dar mais uma incentivada no cão.

— Vamos Deserto, Pega! Pega!...

Que nada, o Deserto continuou na mesma batida, ele apenas trocou de lado e começou a cavar com a pata esquerda.

Isso foi demais. O Dé pegou ele pelo rabo, girou umas duas vezes sobre a cabeça e o atirou numa moita de arranha gato próxima.

Ele fez o escândalo que lhe era peculiar e sumiu para casa, chorando e todo arranhado.
A caçada parou por aí. Apesar do Guarani ter tirado o tatu, voltamos um pouco frustrados.

Quando chegamos em casa, o Deserto já estava nos esperando, saltando e abanando o rabo com a maior alegria do mundo, como se nada tivesse acontecido.

2 comentários:

Anônimo disse...

(Padrão usado em todos os textos comentados para dar a todos um tratamento igual). Fazendo pois uso dos critérios apontados no regulamento, deixo aqui minha impressão: ortografia, gramática e pontuação: em ordem (considerando o vernáculo que, naturalmente, não se considera ‘erro’). Coincidentemente, como no texto comentado anteriormente (provavelmente que dá sequência a este, pois fala no Deserto também), notei uma frase na qual parece que faltou uma vírgula. Fora isso, se há erros dessa natureza, não identifiquei durante a leitura. Um causo muito agradável de se ler, senti-me envolvido pela história de ‘caçador’. Não sei se está totalmente de acordo com a proposta do concurso (observando o requisito de demonstração de afeto pelo animal), mas não cabe a mim julgar essa questão, apenas deixar aqui uma opinião sobre os textos do concurso. Avaliação pessoal: entre bom e muito bom. Parabéns à autora ou ao autor e boa sorte! (Torquato Moreno)

Alberto Vasconcelos disse...

Muito boa a história do Deserto. Afinal muito antes da Lei ele já era contra a caça e o desmatamento. Parabéns ao autor.